Tomas Borge: Presente!

Nesta edição, republicamos a entrevista concedida ao INVERTA (Edição 21 - 1 a 15 de Dezembro de 1993) pelo Comandante da Frente Sandinista

Nascido em 13 de agosto de 1930, Borge faleceu dia 30 de abril por infecção pulmonar, que o manteve internado durante várias semanas no hospital militar de Manágua, onde foi operado em 6 de abril último.

Numerosos governos, partidos políticos, organizações religiosas e sociais e intelectuais de diferentes partes da órbita expressaram as condolências pelo desaparecimento físico do revolucionário, destacado escritor, poeta, deputado e diplomata.dá

Desde 1/05, acontecem as honras fúnebres na Nicarágua no Palácio Nacional; onde milhares de pessoas marcharam pelas ruas desta cidade para ir ao recinto onde permanece exposto o corpo do líder revolucionário.

Nesta edição, republicamos a entrevista concedida ao INVERTA (Edição 21 - 1 a 15 de Dezembro de 1993) em que o Comandante da Frente Sandinista participou da COPPPAL - Conferência Permanente dos Partidos Políticos da América Latina e Caribe. Ele abordou a atual situação de seu país e as perspectivas para os sandinistas com a eleição que se avizinhava.

 

INV - Como está a situação atual da Nicarágua?

TB - O atraso econômico do país se evidenciou com as cifras apontadas pelos organismos internacionais, como a Associação Internacional de Médicos e outras entidades. A Nicarágua retrocedeu 50 anos no seu desenvolvimento econômico. Há 60% da população desempregada e os níveis de vida baixaram aos da década de 20, consequência fundamental da guerra patrocinada pelos Estados Unidos durante 8 anos, causando um prejuízo ao país de mais de vinte milhões de dólares. Perdas materiais, além das dezenas de milhares de vítimas mortais que a guerra ocasionou.

Esta situação se agravou pelas políticas de ajuste econômico do atual governo, que distribuiu os escassos recursos com parcelas minoritárias, além da corrupção administrativa, as vacilações do governo com as pressões dos EUA que continuam intervindo nos assuntos internos da Nicarágua de uma forma descarada.

Todo este panorama alimenta de novo as esperanças do povo nicaraguense que se volta para a FSLN - Frente Sandinista de Libertação Nacional que é o organismo político mais desenvolvido, mais influente e mais coerente do país.

Nos próximos meses acontecerá o Congresso da Frente Sandinista para examinar uma reorganização internada Frente, traçar uma estratégia política, econômica e social, na busca de resposta aos dramáticos e surrealistas problemas do povo nicaraguense. O Congresso examinará a situação internacional e, sobretudo a do país e os seus problemas, vamos traçar um programa adaptado às novas condições dramáticas do país e à busca da conciliação nacional que, em última instância, talvez seja a única forma para sair da gravíssima crise em que vive a Nicarágua. Creio que o projeto imediato será voltar a ser um país pobre e sair da situação que estamos vivendo. Nicarágua é o país mais pobre da América Latina.

 

INV - Qual a perspectiva da volta dos sandinistas ao poder?

TB - Creio que nesse momento única opção possível é uma eleição popular e o retorno da Frente Sandinista ao poder.

 

INV - Violeta Chamorro foi pressionada pelos contras a tirar Humberto Ortega do comando do Exército?

TB - Humberto Ortega saiu da chefatura do Exército de acordo com as leis da Nicarágua e não como fruto de pressão estrangeira, que para nós é intolerável.

Em conformidade com os próprios estatutos do Exército e as leis da Nicarágua há limite na chefia do Exército em mãos de um comandante-em-chefe que será substituído por outro dirigente militar e não por capricho de alguém ou pressões.

 

INV - Há uma contrarrevolução na América Latina que impede sua libertação frente ao imperialismo norte-americano. Quais as perspectivas do retorno dos sandinistas, a firmeza da Revolução Cubana para uma mudança radical no Continente?

TB - Cuba continua sendo ponto de referência para os revolucionários latino-americanos. A façanha histórica de Cuba, de sustentar a existência do regime socialista, continua sendo um alento para os revolucionários da América Latina. Apesar dos prognósticos pessimistas, temos confiança na continuidade do regime socialista que em meio a tantas dificuldades, sobreviveu à medida que tomou o governo de Cuba na busca dessa sobrevivência.

Creio que foram corretas e são compreendidas pelos revolucionários da América Latina. No resto do continente, entrou em agonia a política dos liberais. Em alguns países tiveram êxito aparente. As cifras deles indicam que no Chile, Argentina e Bolívia tiveram resultados positivos, mas esses índices macroeconômicos ocultam, na verdade, a miséria profunda e a desigualdade que há nesses países.

Os percentuais da pobreza aumentaram na América Latina e não há mais dirigente latino-americano que se confesse neoliberal. Envergonham-se de suas próprias condições econômicas, isto é indício de que o neoliberalismo como concepção fracassou. Todo mundo considera Fukuyama o profeta do neoliberalismo, o ideólogo norte- americano desta aberração política é um charlatão. De maneira que, ao assinalar que se haviam esgotado as ideologias introduziram o liberalismo como única opção. Ninguém crê nele e no mundo inteiro há correntes poderosas contra a corrupção administrativa, o neoliberalismo e outras de caráter político e ideológico, de tal modo que o que se avizinha na América Latina é uma avalanche de descontentamento popular e os partidos, para sobreviver - eu digo por que sou membro da Conferência dos Partidos Políticos da América Latina - terão que apresentar aos povos novas opções ao desenvolverem projetos de caráter ético-moral que constituiu a coluna vertebral, a meu ver, dos novos projetos políticos desse continente.

Eu não sou pessimista quanto ao futuro da América Latina. Algumas mudanças de caráter quantitativo ocorreram nos Estados Unidos que, nesse momento, provável mente coma proximidade do ano 2000 darão também um salto de qualidade nesse país. Creio que a presença de minorias éticas e a imigração latino-americana e de outros países constituem os setores mais empobrecidos dos EUA nos próximos anos. Isto permitirá que Cuba sobreviva que ressurjam as revoluções. O futuro será sem dúvida, não do socialismo que foi liquidado pelos seus próprios erros e contradições nos países do leste europeu, mas do verdadeiro socialismo onde coexistem o respeito aos direitos humanos, à democracia e à distribuição equitativa dos recursos materiais.