Justiça Indígena: entre a Constituição e a Propaganda

Na quinta-feira 21 de agosto de 2025, culminou na comuna de San Antonio, na sede da União de Organizações Campesinas do Norte de Cotopaxi (UNOCANC), um processo de justiça indígena contra três agentes da Polícia Nacional do Equador. Os policiais infiltraram-se na comunidade para realizar atividades de inteligência, ameaça e assédio contra o líder indígena Leónidas Iza, chegando a atentar contra sua vida quando foram descobertos.

Na quinta-feira 21 de agosto de 2025, culminou na comuna de San Antonio, na sede da União de Organizações Campesinas do Norte de Cotopaxi (UNOCANC), um processo de justiça indígena contra três agentes da Polícia Nacional do Equador. Os policiais infiltraram-se na comunidade para realizar atividades de inteligência, ameaça e assédio contra o líder indígena Leónidas Iza, chegando a atentar contra sua vida quando foram descobertos.

O Estado equatoriano tem agora a obrigação, por meio de todas as suas instituições, de garantir e fazer cumprir a sentença, além de abandonar qualquer tentativa de continuar a perseguição iniciada não apenas contra líderes de povos e nacionalidades indígenas, mas também contra organizações estudantis, defensores de direitos humanos e ambientalistas.

O processo em San Antonio revelou uma extensa rede de vigilância e perseguição a críticos do atual governo. As investigações apontaram para a infiltração até mesmo no interior da Assembleia Nacional, seja por meio da Escolta Legislativa, seja pela criação fraudulenta de "meios de comunicação comunitários" que utilizavam agentes policiais disfarçados de jornalistas.

Tais ações colocam em risco o exercício do jornalismo responsável, uma vez que geram desconfiança generalizada entre comunidades e organizações sociais em relação à imprensa legítima.

O processo foi conduzido conforme normas comunitárias, amparadas pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e pelo artigo 171 da Constituição da República do Equador, que reconhece a legitimidade da justiça indígena.

Mas o que é, efetivamente, a justiça indígena ou consuetudinária? Trata-se de um processo ancestral de resolução de conflitos mantido por povos originários em todo o mundo, reconhecido como um direito coletivo inerente à sua autodeterminação étnica. De acordo com as Nações Unidas:

"O direito dos povos indígenas de manter, fortalecer e desenvolver suas instituições e sistemas jurídicos é reconhecido pelo direito internacional dos direitos humanos. Esses sistemas não só são essenciais para sua governança e autonomia, mas também para a resolução de conflitos e a resiliência comunitária. Garantem acesso à justiça em contextos onde esses povos enfrentam discriminação sistêmica nos sistemas judiciais ordinários."

Foi com base nesse direito — reconhecido internacionalmente e pela legislação equatoriana — que foram julgados os agentes de inteligência que invadiram um território indígena e tentaram assassinar Leónidas Iza.

Vale destacar que, durante a realização do processo de justiça indígena, o governo equatoriano promoveu ações judiciais paralelas, aparentemente na tentativa de negar a legitimidade do rito tradicional e criar um conflito artificial entre os sistemas de justiça. Para isso, moveu um pedido de Habeas Corpus e instaurou um processo penal contra Iza e outros líderes, acusando-os de sequestro.

Tais medidas levantam sérias dúvidas sobre a independência do sistema judicial não indígena no Equador. Em vez de investigar os responsáveis pela rede de espionagem — especialmente seus mandantes —, o Estado preferiu criminalizar o direito dos povos originários à autonomia e ao autogoverno.

A sentença, legal e legítima, determinou:

A proibição da entrada de agentes policiais ou de inteligência sem autorização prévia das autoridades comunitárias;

O banimento dos agentes envolvidos do território por dez anos;

A apreensão dos dispositvos celulares e divulgação dos chats de vigilância e perseguição;

A notificação às demais vítimas do esquema, para que tomem as medidas que julgarem necessárias.

Os agentes detidos foram entregues às suas famílias, e o veículo utilizado na operação foi devolvido ao Ministério do Interior.

Apesar disso, meios de comunicação hegemônicos e veículos oficiais vêm conduzindo uma campanha de propaganda contra o exercício legítimo dos direitos coletivos indígenas. Ao distorcer os fatos, buscam vitimizar os perseguidos e incentivar o ódio público, com o objetivo de justificar as ações do governo de Daniel Noboa.

Fidel Viteri