Mensagem de Fidel Castro Ruz à ECO 92

Mensagem de Fidel Castro, apresentado à "Conferência de Meio Ambiente e Desenvolvimento - Rio 92". Publicado na edição do Jornal INVERTA, (Julho/92 - Ano II – nº 5)

PRESIDENTE DOS CONSELHOS DE ESTADO E DE MINISTROS DA REPÚBLICA DE CUBA

À Conferência de Meio Ambiente e Desenvolvimento - Rio 92

Senhores chefes de Estado ou Governo

Nenhum de nós que compareceu ao Rio de Janeiro, em resposta à convocatória desta Conferência sobre Meio Ambiente e desenvolvimento, desconhecia a significação desta reunião e a urgência de se chegar a decisões que permitam a adoção de medidas efetivas em defesa da sobrevivência do homem.

A degradação acelerada e crescente do meio é, hoje em dia, possivelmente o perigo mais grave a longo prazo que enfrenta toda a espécie humana em seu conjunto, e muito em particular no ainda chamado Terceiro Mundo. Junto ao risco, presente da destruição nuclear, trata-se da pior ameaça que tem diante de si toda a humanidade. No que diz respeito aos países subdesenvolvidos, é um dos fatores que agrava em profundidade as condições de vida de centenas de milhões de pessoas no Terceiro Mundo.

Jamais na História do homem se havia produzido uma agressão tão generalizada e destrutiva contra o equilíbrio de todos os sistemas vitais do planeta. No mundo subdesenvolvido, são o próprio subdesenvolvimento e a pobreza os fatores principais que multiplicam hoje a pressão que se exerce sobre o meio natural. A superexploração a que são submetidas as terras de cultivo ou pastoreio, as práticas agrícolas inadequadas, a carência de recursos financeiros e técnicas, acumulam seus efeitos nocivos sobre os de fatores climáticos adversos. Por outro lado, o afã de obter a maior margem de lucros, no caso da exploração capitalista - nacional ou transnacional, no Terceiro Mundo, e fora dele - dos recursos naturais e das capacidades industriais, adiciona sua grave cota destrutiva e agrega formas adicionais de contaminação e degradação do meio. No mundo desenvolvido, padrões de vida que estimulam o consumo irracional e propiciam o esbanjamento e destruição de recursos não renováveis multiplicam em escala sem precedentes e antes inimagináveis contaminações e deformações a que se vê submetido o meio físico local e global.

Pela primeira vez em sua história, o homem é capaz de alterar o equilíbrio dos principais sistemas vitais e romper as leis naturais que regem a evolução no planeta. Pode destruir de um golpe a vida se desencadear a guerra nuclear. Intervém ativamente, mediante a engenharia genética, nas mutações aceleradas de espécies que de forma natural necessitaram de milênios para consolidar-se. Pela primeira vez o homem é capaz de mudar o curso da vida.

Já o está fazendo ao atuar de forma direta sobre o Meio Ambiente. Os efeitos cada dia mais evidentes da corrida irracional do homem em sua agressão contra o meio natural, que para as sociedades opulentas foram até há pouco fenômenos remotos e alheios às suas preocupações imediatas, constituem hoje não ameaça longínqua, senão uma realidade e comum para todos os povos.

Por isso estamos reunidos no Rio de Janeiro. Começou a se ampliar a consciência de que os graves efeitos da degradação do meio ainda se faz sentir de maneira direta, imediata e devastadora sobre a parte mais pobre e vulnerável da população do planeta, ultrapassam os limites geográficos e sociais do Terceiro Mundo para converter-se numa ameaça que afeta a toda humanidade. Já se abre caminho para a convicção de que, se não se tomam a tempo as medidas necessárias, o homem se encontra ante o limiar incerto que pode significar a destruição de toda a vida do planeta.

Cuba, pequeno país do Terceiro Mundo, que trava sua luta pelo desenvolvimento em meio as circunstâncias singularmente adversas, pôde, não obstante em sua modesta dimensão, oferecer ao mundo em geral e ao mundo subdesenvolvido em particular a experiência de tê-lo obtido em matéria de conservação e proteção do meio, assim como os resultados conseguidos por nosso povo em diversos campos relacionados de maneira direta com os temas que serão objeto de consideração nas deliberações desta reunião.

Ao mesmo tempo que expressamos o nosso reconhecimento ao Governo da República irmã do Brasil e a seu estimado Presidente Fernando Collor de Mello, pela elevada responsabilidade de servir de anfitriões desta Conferência, e nosso agradecimento pessoal por seu amável convite para que participássemos dela, quero deixar assinalado que Cuba vem a esta reunião com a decidida vontade de contribuir, na medida plena de suas forças e potencialidades, para o sucesso dos objetivos que nos congregam, na convicção de que todos os esforços que façamos em favor desses objetivos é garantia concreta de nosso futuro.

Caráter e urgência do debate ecológico contemporâneo

Nas últimas duas décadas, o tema meio ambiente passou da periferia ao centro do debate teórico e do processo de tomada de decisões em muitas partes do mundo. Na abundante literatura sobre temas ecológicos que tem proliferado em nossos dias, fala-se com frequência da internacionalização do debate sobre temas ambientais e da corrente ecologista, como resultado de um processo de evolução que alcança particular relevância nos últimos anos. Um fenômeno que contribuiu de maneira determinante a esta tomada de consciência a nível mundial, foi o surgimento e atividade de um número crescente de organizações ambientais não governamentais, algumas delas caracterizadas por sua combatividade e pelo alcance progressivo de sua influência.

Na base de todo este processo de conscientização esteve, supostamente o fato de que também durante os últimos vinte anos adquiriu maior evidência os efeitos atuais e potenciais de alguns dos problemas ambientais de caráter global que mais preocupam a humanidade, tais como o esgotamento da camada estratosférica de ozônio, o aquecimento resultante do chamado efeito estufa, as chuvas ácidas e outras formas de degradação ambiental produzida pelo modelo consumista e esbanjador dos países mais desenvolvidos, a perda da diversidade biológica, a contaminação ocasionada pelo gigantismo urbano, o transporte entre fronteiras de dejetos perigosos, a contaminação das águas subterrâneas e superficiais, dos mares e das zonas costeira, a destruição dos bosques e o empobrecimento dos solos agrícolas. Entre todos estes gravíssimos problemas, um elemento que não pode deixar de estar presente na primeira linha do debate ecológico contemporâneo é a consciência de que, em particular nas amplas zonas do Terceiro Mundo onde a imensa maioria da população apenas subsiste em precárias condições de pobreza a principal espécie biológica que está em perigo é o próprio ser humano.

Todos sabem que a década passada foi a mais quente dos últimos cem anos e inclui seis dos sete anos mais quentes conhecidos, e que o ano mais quente de toda a história desde que se tem registros, foi 1990. Este fenômeno de aquecimento global, consequência do chamado "efeito estufa”, gera importantes consequências ecológicas, econômicas e sociais. Segundo algumas estimativas, na ausência de limitações as emissões atuais dos gases causadores do efeito estufa a quantidade de dióxido de carbono na atmosfera se duplicaria entre o presente e algum momento do período de 2025 a 2050, provocando um acréscimo médio global da temperatura que oscilaria entre 1,5 e 4,5 graus centígrados. Um efeito direto deste fenômeno seria a elevação do nível do mar entre 30 e 50 centímetros para ano de 2050 e por volta de 1 metro no ano de 2100, o que provocaria a inundação de extensas zonas costeiras continentais de grande densidade populacional, em alguns casos, e a destruição de numerosos Estados insulares. Outros prognósticos são mais preocupantes e a mais curto prazo.

As transformações climáticas trariam consigo, entre outras coisas, mudanças nos ciclos de chuvas e ecossistemas marinhos, e aumentariam a probabilidade de que se produzam fenômenos tais como furacões, ciclones tropicais e tufões. Da mesma forma, aumentaria a vulnerabilidade das zonas temperadas diante das enfermidades tropicais, tais como a malária, a dengue e a febre amarela e se registrariam graves efeitos em muitos cultivos dessa área, como é o caso do trigo.

Calcula-se que o nível médio global de ozônio estratosférico se reduziu em torno de 5% no período de 1979/86. Em meados dos anos 80 foi descoberto o buraco na camada de ozônio sobre a Antártida e mais recentemente, alguns estudos científicos dão conta de que estão maduras as condições para que se formem outro similar sobre o Círculo Polar Ártico. Este esgotamento da camada de ozônio aumenta a vulnerabilidade dos seres vivos do planeta frente as nocivas radiações ultravioletas e, em consequência, encerra um enorme potencial de risco, que se expressa numa maior probabilidade de enfermidades como o câncer de pele e diversas lesões oculares, entre outras, assim como sensíveis danos ao gado e a determinados cultivos.

A relativa rapidez com que avançaram as negociações internacionais e a adoção de acordos concretos para a redução e eventual eliminação do uso e produção de clorofluorcarbonetos e outros gases depredadoras da camada de ozônio, revela não apenas a preocupação dos países desenvolvidos pelo esgotamento do ozônio estratosférico, como também o interesse de importantes círculos econômicos desses países para liderar as transformações tecnológicas que se sugerem e para controlar a transferência destas tecnologias a nível internacional. Seria desejável encontrar nesta Conferência uma disposição coletiva similar, pelas razões que fossem, que nos permitissem enfrentar com ações concretas e efetivas outras situações ambientais tão preocupantes e mais imediatas como a da camada de ozônio.

No período de 1860-1985, as emissões de anidrido sulfúrico, uma das principais causas das chuvas ácidas, aumentaram de 7 milhões de toneladas para cerca de 150 milhões anuais. Em muitas ocasiões, as chuvas ácidas são transportadas pelos ventos até outras regiões distantes da zona onde se gera a contaminação. Este fenômeno tema impossível a vida de dezenas de milhares de nos e lagos ao alterar a composição química de suas águas, e tem provocado sérios danos em áreas de bosques e cultivo, sobretudo na Europa, América do Norte, América do Sul, China e África.

Existem outros problemas de grande envergadura que contribuem para a degradação não só da atmosfera, mas também das terras e águas do planeta. Muitos destes problemas talvez não sejam tão novos, mas têm custado um elevado preço em termos de perdas materiais e humanas, sobretudo nos países subdesenvolvidos. A pobreza tem sido identificada como uma das principais ameaças para um desenvolvimento ambientalmente seguro, já que a maioria dos pobres vive em áreas vulneráveis do ponto de vista ecológico: 80% dos pobres da América Latina, 60% dos da Ásia, 50% dos da África.

Situações dramáticas criam os problemas de qualidade e abastecimento de água potável nas nações subdesenvolvidas. Como resultado da erosão dos solos, a cada ano se perde no mundo mais de 20 milhões de hectares de terras agrícolas. Os desertos se expandem na atualidade à razão de 6 milhões de hectares por ano. Uns 3,5 bilhões de hectares de terra produtivas - uma superfície aproximadamente igual a do continente americano - estão sendo afetadas neste momento pela desertificação, um terço deles de maneira severa, o que significa, segundo as Nações Unidas, uma ameaça para os meios de vida de 850 milhões de pessoas cifras recentes da FAO indicam que o desmatamento das zo­nas tropicais aumentou de 11,3 mi­lhões de hectares anuais em 1980 para 17 milhões em 1990.

Motivo de profunda preocupação resulta a perda da diversidade biológica, associada a estas processos. A contaminação dos oceanos, mares e zonas costeiras, assim como o perigo a que se veem expostos os recursos vivos existentes nessas áreas, consti­tuem outro grave problema ambiental.

Merecem especial atenção os pro­blemas relacionados com o tráfego transfronteiriço de dejetos perigo­sos, sobretudo quando os receptoras são os países subdesenvolvidos que não dispõem dos meios necessários para manejar e eliminar adequada­mente estes resíduos. A experiência parece demonstrar que a solução desse assunto não pode depender apenas de fórmulas de controle cujo objetivo final seja encarecer o trânsi­to de tais dejetos de forma tal que resulte mais conveniente para a in­dústria reduzir a produção dessas substâncias.

Se se analisa a degradação do meio sob uma perspectiva histórica, nota-se que em sentido geral os maiores danos ao ecossistema global foram ocasionados em consequência dos padrões de desenvolvimento se­guidos pelos países mais industriali­zados. Por sua vez, as condições de pobreza em que vive a imensa maio­ria da população mundial geram também severas agressões ao meio ambiente e cria-se um círculo vicio­so alienante entre desenvolvimento e pobreza, por um lado, e degradação ambiental, por outro.

Agora, ao se generalizar o concei­to de desenvolvimento sustentável, deve-se reconhecer que tanto os re­feridos padrões de desenvolvimento do Norte e a situação de subdesen­volvimento do Sul são formas de funcionamento econômico ambientalmente insustentáveis. Mas seria um erro examinar cada um destes aspectos, ainda quando relaciona­dos, com enfoques similares, pois se cairá no absurdo de exigir igual grau de responsabilidade pela degradação ambiental ao cidadão de relativo po­der aquisitivo de um país desenvol­vido, formado em hábitos consumistas e acostumado a um modo de vida dilapidador de recur­sos, e ao habitante pobre de qualquer dos países atrasados do mundo sub­desenvolvido, cuja preocupação co­tidiana é buscar os meios cada dia menos realizáveis para que seus fi­lhos não morram de fome.

Aos enormes setores empobreci­dos da população do mundo subde­senvolvido, toma-se bastante difícil prever as necessidades das futuras gerações quando muitas de suas ne­cessidade básicas do presente não são minimamente atendidas. Daí que as preocupações ambientais imedia­tas do Terceiro Mundo diferem das sustentadas pelos países desenvolvi­dos.

Nos países mais desenvolvidos, onde o motivo de preocupação co­mum é o nível da qualidade de vida existe uma inquietude crescente pe­los efeitos, a médio e longo prazos, de fenômenos tais como a destruição da camada de ozônio, o aquecimento global. Entretanto, nos países subde­senvolvidos, onde a mortalidade In­fantil alcança em determinadas ocasiões níveis do 115 mortes por mil nascidos vivos, onde 14 milhões de crianças morrem anualmente an­tes dos cinco anos, onde mais de 1 bilhão de pessoas não têm acesso aos serviços de saúde mais elementares, onde a perspectiva de vida não chega aos 63 anos de idade e nos países mais pobres 52 anos, onde mais de 300 milhões de crianças são privadas do direito de ir à escola onde quase 1 bilhão de adultos são analfabetos, onde mais de 500 milhões foram afe­tados pela fome em 1990, onde 180 milhões de crianças menores de 5 anos padecem de subnutrição, a or­dem de prioridades ecológicas tem que ser outra. No Terceiro Mundo o que primeiramente está em perigo não é a qualidade de vida mas a vida mesma e o direito à vida. Em matéria ambiental, as principais preocupaçõ­es, nesses países, tem haver com a disponibilidade de água, lenha e o empobrecimento dos solos agríco­las.

Para as nossas massas analfabetas e carentes de instrução do mundo subdesenvolvido, que significação prática podem ter definições tais como ecossistema, biodiversidade, degradação do meio, destruição da camada de ozônio? Que atenção po­dem ser capazes de prestar a esses problemas centenas de milhares de seres humanos, se todas as horas do dia um dia atrás do outro, semana após semana, ano após ano, durante toda as suas vidas, se entregam à luta angustiosa e desesperada para sobre­viver?

Evidentemente se queremos pro­por de verdade a eliminação dos principais problemas ambientais de alcance global no mundo de hoje, são dois os primeiros passos que teria que dar a humanidade; por um lado, substituir a cultura consumista e esbanjadora do mundo industrializado e dos setores de alta renda nos países subdesenvolvidos por um modo de vida que, sem sacrificar no essencial seus atuais níveis materiais, tendesse ao uso mais racional dos recursos e a significativa redução da agressivida­de contra o meio ambienta, presente hoje em quase todas as partes como resultado dassa cultura, por outro lado, propiciar uma mudança radical nas condições sócio econômicas do Terreiro Mundo e, por conseguinte nas condições de vida das enormes massas empobrecidas de sua população, mediante a transformação do atual sistema de relações econômicas internacionais e das estruturas econômicas e sociais que na maioria dos países subdesenvolvidos favo­recem a existência dessas numerosas camadas de famintos, enfermos, despossuídos e ignorantes.

Só assim se poderá aspirar a uma solução cabal dos principais proble­mas ecológicos, globais no mundo do Século XXI, às nossas portas. Mas isto requereria uma generaliza­da consciência mundial sobre estas causas últimas dos problemas am­bientais, em todos os países e a todos os níveis em cada país, a partir da qual pudesse se generalizar a neces­sária vontade política e a indispensá­vel colaboração internacional para enfrentá-los de maneira efetiva. En­tretanto, tudo o que se faça servirá, e deverá ser estimulado e apoiado, mas afinal não será a solução que reque­rem e exigem de nós nossos filhos, aqueles a quem, se não agirmos a tempo, deixaremos a eles como he­rança um planeta inabitável.

O círculo vicioso entre subdesenvolvimento e deterioração ambiental

Como ficou muitas vezes de­monstrado, as características do fe­nômeno universal da degradação do meio tem nos países do Terceiro Mun­do, por sua condição de subdesen­volvidos, dados e origens próprias e, inclusive, resultados mais graves. Nesses países, a busca de um desen­volvimento sustentável é, antes de tudo, a busca do desenvolvimento mesmo, entendendo por desenvolvi­mento não somente crescimento, mas a transformação das estruturas econômicas e sociais em função de elevar a qualidade de vida da popu­lação, e atingir a progressiva forma­ção de novos valores éticos.

É este processo de desenvolvimento precisamente o que tem sido impedido no Sul, não como resultado casual ou conjuntural, mas inerente a um determinado tipo de relações sociais e forma de organizações da produção. Esta situação de atraso e pobreza é, se bem observado, a qua­lidade mais insustentável desse mo­delo de desenvolvimento.

A crise econômica e social inicia­da na década de 80 tem contribuído de maneira considerável para a mais acelerada reprodução de fatores que ameaçam o meio ambiente humano imediato e imprevisível, através, fundamentalmente do esfacelamen­to da ordem econômica internacional em que estão inseridos esses países.

As economias do Terceiro Mun­do continuam altamente depend­entes ainda hoje da superexploração dos recursos naturais. Durante os úl­timos anos, a participação das expor­tações de produtos básicos - inclusive os combustíveis - se man­teve acima dos 45% das exportações totais desses países, atingindo o má­ximo na África cerca de 90% .

Ao longo do decênio passado, estas economias foram submetidas a um dramático processo de descapitalização, tanto pela via comercial quanto financeira, e por isso foram barradas as possibilidades de um crescimento econômico sustentado, em contrapartida tiveram um incontrolável crescimento populacional. Assim a taxa média anual de cresci­mento no produto interno bruto dos países subdesenvolvido se reduziu ao longo das últimas três décadas, de 6,1% no período de 1961-73 para 2,8% no período de 1983-90. Algo similar ocorreu na taxa per capita que se reduziu de 3,3% entre 1961-70 para 0,1 % entre 1980-90.

Outro fenômeno associado à cri­se, que teve consequências muita ne­gativas sobre a degradação ambiental, foi, sem dúvida o aumen­to das desigualdades entre as econo­mias do Norte e do Sul e inclusive, no interior destas últimas. Enquanto que em 1960, 20% da população mundial de maiores recursos exi­biam níveis trinta vezes superiores aos recursos recebidos por 20% mais pobres, para 1990 esses níveis che­garam a ser 60 vezes maiores. Nos países subdesenvolvidos os setores mais ricos representam hoje de 10 a 15% da população, controlam entretanto, a maior parte dos recursos econômicos e naturais. Na América Latina, 10% da população controla 90% da terra cultivável.

Os principais problemas comer­ciais que enfrentam os países do ter­ceiro mundo, geralmente ligados a exportação de produtos básicos, es­tão relacionados com o acesso cada vez menor ao mercado dos países desenvolvidos, como resultado, en­tre outros fatores, de uma política protecionista mais agressiva, e com o constante rebaixamento dos preços e do poder de compra desses produ­tos. Entre 1980 e 1991 o índice mé­dio dos preços de 33 produtos básicos exportados para os países subdesenvolvidos - excluindo os combustíveis -, tiveram uma queda de 50%, e ainda que seu comporta­mento futuro seja muito difícil pre­ver, o Banco Mundial previu que se manterá neste nível até 1995. Em termos reais, os preços atuais destes produtos estão sendo comparados por alguns analistas ao nível dos pre­ços existentes no início desse século, e por outros, aos de meados do sécu­lo passado.

De 24 países industrializados, 20 deles são hoje mais protecionistas do que eram há 10 anos atrás. Esse pro­tecionismo custa caro aos países sub­desenvolvidos: em termos de Produto Nacional Bruto sacrificado por exportações não realizadas, rep­resenta uma perda de 75 bilhões de dólares anuais.

Durante os anos 80, com a chama­da crise da dívida externa, se reduziu drasticamente o fluxo de recursos fi­nanceiros externos com que este gru­po de países, décadas atrás, vinha solvendo pelo menos uma parte das inversões mais essenciais. Em parti­cular, o fluxo de recursos na forma de ajuda oficial para o Assistência Oficial ao Desenvolvi­mento (AOS) desde os países da OCDE estão neste momento a um nível inferior a 50% da meta propos­ta de 0,7% do produto nacional bruto destes países. O montante de AOS recebido pelos países subdesenvol­vidos em 1990 foi de apenas 44 bi­lhões de dólares, tanto que o serviço da dívida externa - cujo montante total supera hoje os 1,3 bilhões de dólares - foi estimado, nos últimos quatro anos, em algo mais de 165 bilhões de dólares anuais.

Assim, o serviço da dívida exter­na a que hoje fazem frente os países subdesenvolvidos, equivale cada ano ao triplo do montante da ajuda oficial externa que recebe. O resulta­do final é que, paradoxalmente, estes países se converteram em exportado­res natos de capital, com cifras que oscilaram entre 40 e 50 bilhões de dólares anuais no decênio passado.

Para 1990, o PNUD relatou que existiam no Terreiro Mundo 1 bilhão e 200 milhões de pessoas que viviam abaixo da linha da pobreza. A situa­ção econômica e so­cial no Sul tenderá a se agravar, na medida em que o atraso secular e as crises econômicas decorrentes vão criando cada vez mais oportunidades para reverter, ou pelo menos conter, alguns outros fenômenos associados ao au­mento da pobreza. Um desses fatores é o incontrolável crescimento demo­gráfico e o descontrolado processo de urbanização que se observa no Terceiro Mundo.

Enquanto que a taxa de cresci­mento populacional nos países in­dustrializados foi 0.8%, média anual entre 1960 e 1990, nos países subde­senvolvidos foi de 2,39% ao ano no mesmo período. Entre este último ano e o ano 2000, a taxa dos países subdesenvolvidos continuará sendo a mais alta - 2% contra 0,5% nos países desenvolvidos -, donde se es­tima que o crescimento populacional mundial dos próximos dez anos se dará em mais de 90% nos países sub­desenvolvidos.

Mesmo assim, a urbanização con­tinuará sendo mais acelerada nos países subdesenvolvidos pela per­manente influência do constante êxodo rural. Entre 1960 e 1990 a população urbana do Terceiro Mun­do aumentou a um ritmo anual médio de 4%, enquanto que nos países de­senvolvidos foi de 1,4%.

Para o período 1990-2000, a taxa dos primeiros deverá manter-se inal­terável, enquanto que nos segundos deverá diminuir, até 0,8% anual, se­gundo estimativa de PNUD. Daí que para o ano 2000, das 24 cidades que superam os 10 milhões de habitan­tes, 18 estarão situadas nos países subdesenvolvidos e das 6 com mais de 15 milhões, 4 estarão nessa mes­ma região.

Não se esqueça que nas condições de subdesenvolvimento, a urbaniza­ção, adquire uma conotação espe­cial, pois em virtude da insuficiência de soluções adequadas de infraestrutura o que ocorre na realidade é um processo de crescimento desordena­do das concentrações urbanas, principalmente na forma de bairros marginais e a consequente criação de importantes fontes de contaminação ambiental e degradação do meio.

Nessas condições, se coloca com muita urgência um sério desafio, o de assegurar um nível adequado de ali­mentação a todos os seres do planeta, e fazê-lo, por sua vez, sem causar danos maiores ao equilíbrio ecológi­co global. Ele requer uma efetiva vontade política mundial para fazer o que até hoje foi impossível. Os 60% da população mundial atual vive em países de baixos recursos e com deficit de alimentos.

A pobreza do Terceiro Mundo está associada de maneira estreita à degradação do meio ambiente com a exploração de recursos naturais como via fundamental de reprodu­ção econômica e social, e sem condições financeiras nem tecnológicas para enfrentá-la de maneira adequa­da, nestes países o único modo de sobrevivência, em termos literais, se concentra cada vez mais na super- exploração destes recursos. Este re­lativo esbanjamento condiciona uma maior pobreza, pela insuficiência maior de recursos financeiros e tec­nológicos para fazer frente às condi­ções ecológicas mais adversas.

Cria-se assim um círculo vicioso degradante entre ambos fenômenos. De acordo com a FAO, "se destroem precisamente os recursos que são fonte de vida, não por ignorância senão simplesmente para sobreviver um dia a mais!"

Os problemas do subdesenvolvi­mento, o atraso, as catástrofes natu­rais e os conflitos bélicos no mundo subdesenvolvido, sobretudo na dé­cada dos anos 80, contribuíram, além disso, para uma degradação extra do meio como resultado da ação das consideráveis massas de pessoas que emigraram de um país para outro ou de umas zonas a outras dentro do mesmo país, com a seguinte superexploração de recursos naturais de de­terminadas regiões. Esse fenômeno se agrava na medida em que, de modo geral - nestes casos não se tomam medidas de proteção am­biental.

As dificuldades ecológicas mais graves derivadas de toda essa situa­ção se concentram na degradação da Terra, a desertificação, as inundaçõ­es e a seca, a prova do tratamento da qualidade da água potável, a perda dos solos, o desmatamento e a perda da diversidade biológica, assim como o crescimento desordenado das concentrações urbanas, entre ou­tros A situação atual destes negati­vos processos é muito pior do que a que se observava na Conferência so­bre Meio Ambiente Humano de 1972.

Hoje, por volta de 13 bilhões de pessoas, cerca de 30% dos habitantes do Terceiro Mundo, padecem do acesso a fontes de água potável e mais 2,2 bilhões não dispõem de ser­viço de saneamento. A situação é relativamente pior nas zonas rurais: em 1990, só 63% da população rural neste grupo de países - contra os 82% na zona urbana, contava com água potável e só 49% dos residentes ru­rais - contra 72% dos urbanos - tinha serviços adequados de saneamento.

Por outro lado, no mundo subde­senvolvido aumentaram sem cessar os seres humanos cuja alimentação depende hipoteticamente de uma fra­ção de terra cultivável, como resulta­do do crescimento populacional e a crescente degradação dos solos.

Partindo da conhecida carência de recursos financeiros e tecnológi­cos que permitam ao agricultor do Primeiro Mundo elevar a produtivi­dade de seu trabalho e o rendimento da terra a níveis adequados para manter uma produção suficiente nas áreas já submetidas a exploração agrícola, se compreende que a única solução a curto prazo para ele é a incorporação de novas áreas as suas práticas atrasadas de produção agro­pecuária, causadoras diretas de algu­mas das piores formas de degradação ambiental. A isso deveria acrescen­tar, em determinadas regiões do Ter­ceiro Mundo, o fenômeno da remoção do agricultor individual das terras mais produtivas pela extensão da propriedade latifundiária, ou, em sentido inverso, a reiterada subdivi­são da terra em parcelas cada vez mais reduzidas e inviáveis. Se encer­ra assim outro ciclo que para o em­pobrecido agricultor do mundo subdesenvolvido não parece ter es­capatória.

Atuar, pois, em favor do meio ambiente, de sua conservação e me­lhoramento, significa atuar inelutavelmente contra as causas que provocam a indignante pobreza que exibe o Terceiro Mundo nos limiares do século XXI. Isto dependerá, sem dúvida, de uma série de transforma­ções sócio econômicos, tanto nacio­nais como internacionais, que poderão começar com a solução jus­ta e duradoura do problema da dívida externa dos países subdesenvolvidos e da reorientação para o desenvolvi­mento dos recursos monetários e fi­nanceiros disponíveis.

Neste sentido, é óbvio que, no momento em que assistimos a derro­cada do socialismo no Leste Europeu e o desaparecimento da União Sovié­tica, que para muitos significa o fim da guerra fria e o estabelecimento, do ponto de vista político-militar, de um mundo unipolar, O gasto mundial em armamentos, se bem que começou a ser reduzido, é ainda excessivamen­te alto, pois supera os 800 bilhões de dólares anuais. Os países subdesen­volvidos participam nestes gastos com um montante superior a 120 bi­lhões de dólares anuais. Toma-se im­prescindível acabar com o insensato contraste entre a inversão desses enormes recursos em meios de exter­mínio do homem e da natureza, e a necessidade de destiná-los ao desen­volvimento e conservação da vida humana e natural.

Analisada em sua dimensão am­biental a interdependência entre o mundo subdesenvolvido do Sul, atrasado e pobre, e o mundo indus­trializado do Norte, é cada vez mais acentuada, no entanto coexistem no mesmo planeta. Os países subdesen­volvidos também têm feito sua a ba­talha pela proteção ecológica da Terra. No entanto, a estratégia desta luta não pode supor uma separação dos problemas ambientais dos pro­blemas do desenvolvimento econô­mico e social.

Pelo contrário, Se se quer garantir uma segurança ecológica futura, há que verificar que a exploração indis­criminada do meio ambiente não seja acentuada como até hoje, pela indi­ferença ante o direito ao desenvolvi­mento de 3/4 panes da humanidade. A indiferença deverá ser substituída pelo reconhecimento dos diferentes graus de responsabilidade frente ao fenômeno, e o estabelecimento de um tratamento justo e preferencial para o acesso dos países subdesen­volvidos aos recursos e tecnologias apropriadas a este fim.

A dívida ecológica dos países desenvolvidos

Os países subdesenvolvidos têm insistido na necessidade de um enfo­que integral na busca de soluções para os problemas do meio ambiente e o desenvolvimento, e tem-se pro­nunciado pela reestruturação das re­lações econômicas internacionais que permita a esses países ter acesso aos recursos financeiros e as tecno­logias necessárias para empreender programas de desenvolvimento sustentável. Dessa perspectiva, o ponto de partida para qualquer negociação sobre meio ambiente e desenvolvi­mento deve ser o reconhecimento da dívida ecológica contraída pelos países industrializados.

Ninguém pode discutir hoje de boa fé já que o primeiro fator de degradação do meio global é o modelo de comportamento econômico criado pelas sociedades mais desen­volvidas e estendido por elas, sobre a base de seu próprio poderio e da influência de seus mecanismos for­madores de opinião, ao resto do mundo. Um estilo de vida baseado no afã irracional de consumo e no absurdo desperdício de recursos, é o principal inimigo do meio ambiente em nossos dias.

Os países membros da Organiza­ção para a Cooperação e Desenvol­vimento Econômico (OCDE) representam apenas 16% da popula­ção mundial e 24 % da superfície terrestre total. Suas economias pro­duzem 72% do Produto Nacional Bruto global e geram em tomo de 76% do comércio Internacional total, incluindo 73% das exportações de produtos químicos e quase a mesma proporção de importações de produ­tos madeireiros.

Os países membros da OCDE são, por seu turno, os responsáveis por cerca de 45% das emissões de dióxido de carbono, 40% de dióxido de enxofre e de 50% de óxido de nitrogênio. Produzem 60% dos deje­tos industriais ao nível mundial e geram 90% dos dejetos perigosos. Em 1984, os Estados Unidos, a Co­munidade Econômica Europeia e Ja­pão chegavam a 86% da produção mundial de clorofluorcarbonetos, enquanto que somente 4,4% corres­pondia aos países do Terceiro Mun­do.

Os países da OCDE utilizam 52% da energia comercial total, incluindo 50% dos combustíveis fósseis e 56% do petróleo consumido no mundo. Dos dez países geradores das maio­res emissões de gases causadores do efeito estufa, cinco são altamente in­dustrializados. Se se incorpora a ex-União Soviética a este grupo, estes superariam em 40% o total dessas emissões. Só os Estados Unidos, os maiores emissores, concentram 17,6% do total mundial. A contribui­ção dos países desenvolvidos ao efeito estufa é quatro vezes maior que a do Terceiro Mundo.

Historicamente, tem sido os paí­ses desenvolvidos os principais pro­motores e beneficiários do desmatamento nos subdesenvolvi­dos. Sob a égide do regime colonial e portanto da expansão econômica das grandes potências capitalistas e da exploração neocolonial dos recur­sos naturais do Terceiro Mundo, teve lugar o desmatamento indiscrimina­do de bosques em vastas áreas do mundo, tanto para exploração da ma­deira como para a conversão dessas extensões de bosques em terras agrí­colas destinadas produção com vis­tas a exportação de alimentos e matérias-primas para esses países in­dustrializados.

Analisando o fenômeno de uma perspectiva mais ampla, a conclusão inevitável é que a responsabilidade última pela degradação acumulada do meio ambiente no Terceiro Mun­do, em seu conjunto, corresponde ao mundo capitalista desenvolvido, em particular aqueles países que através da exploração colonial e neocolonial foram culpados historicamente pelo atraso e pela deformação das econo­mias dos países da África, Ásia e América Latina, que têm sido e con­tinuam sendo, como se costuma di­zer, os causadores dos problemas ambientais mais generalizados e agudos do Terceiro Mundo.

Os principais produtores de pesti­cidas. fertilizantes e outros produtos químicos nocivos, continuam sendo os países desenvolvidos, mesmo de­pois destes produtos terem sido proi­bidos. Eles, em muitos casos, são os fornecedores diretos de outros países ou tem exportados para eles as suas tecnologias.

Ainda que os países industrializa­dos não tenham sido os únicos envol­vidos em atividades diretas e indiretamente associadas com a guerra e os preparativos para implementá-la, tem uma responsabilidade importante na geração do enorme volume de recursos desperdiçados no mundo nestas atividades e na consequente degradação ambiental e as alterações dos ecossistemas em mui­tas regiões do planeta. Somente du­rante a guerra do Vietnã se lançaram sobre este país mais de 80 mil toneladas métricas do desfolhante clamado "Agente Laranja" com desastrosas consequências sobre o meio físico e a saúde humana. A contaminação radioativa, derivada das explosões e acidentes nucleares, está associada também principal­mente aos países industrializados. Estima-se em 20% a contaminação industrial nos países mais desenvol­vidos provenientes das fábricas vin­culadas produção militar. A prospecção e extração de enormes volumes da maior parte dos minerais que exige a atividade militar, causa impacto ambiental muito superior a de outras atividades mineiras.

É evidente nas sociedades capita­listas desenvolvidas a incompatibili­dade entre a ecologia, por um lado, e o princípio do lucro por outro, o a lã desmedido de consumo e o objetivo primário do bem-estar individual, motores essenciais dessas socieda­des. As conquistas técnicas em ma­téria de preservação do meio ambiente no setor de transporte, por exemplo, são anulados pelo cresci­mento incontrolado desses meios, em especial dos veículos automoto­res. Nos países industrializados cir­cula 78% do total de transportes rodoviários do mundo.

Uma das insuficiências das políti­cas de controle ambiental em muitos países desenvolvidos se refere a sua aplicação retroativa e ao alcance de alguns regulamentos. Existe ainda nestes países cerca de 100 mil com­postos químicos de efeitos nocivos que têm uso comercial e que, por circularem antes do estabelecimento de certas medidas, não são proibidos. Ao contrário, outro grupo de com­postos químicos são proibidos den­tro destes países, mas sua exportação para outras regiões do mundo é per­mitida.

As prevenções ambientais foram incorporadas à políticas econômicas extremas de alguns países industriali­zados de forma tal que provoca um sério impacto sobre as economias subdesenvolvidas. Assim, por exem­plo, desde meados da década de 80 se reforçou a tendência de condicio­nar a assistência econômica aos paí­ses em desenvolvimento a partir de um suposto critério da corresponsabilidade de ambos os grupos de paí­ses em matéria ambiental. A rigor, a dita assistência deve ser baseada no reconhecimento da responsabilidade histórica dos países desenvolvidos com o subdesenvolvimento econô­mico e a degradação ambiental do Terceiro Mundo, mas não se mostra tal assumo como ele realmente é, ou seja, vinculado a metas que nunca serão cumpridas.

Historicamente, os países desenvolvidos têm contribuído a exporta­ção de contaminação para o Terceiro Mundo. A partir da década de 60, este expediente foi utilizado para transferir o custo ecológico derivado do uso de certas tecnologias. Este processo se tem materializado atra­vés de vias diretas, como a exporta­ção de dejetos industriais e outros compostos nocivos, e por vias indi­retas, como a transferência de tecno­logias poluidoras e a exportação ou imposição aos países subdesenvolvi­dos de padrões de consumo e de fun­cionamento econômico esbanjadores.

O envio de dejetos tóxicos para o Terceiro Mundo constitui uma das fontes de exportação de contamina­ção direta do Norte para o Sul. Mui­tas vezes se utiliza a situação precária das economias subdesen­volvidas para oferecer-lhes divisas e outros recursos deficitários em troca da aceitação desses dejetos, que na maioria dos casos não tem garantida sua adequada manipulação nos paí­ses receptores. Em outros casos, a chuva ácida, provocada fundamentalmente pelas emissões de poluentes industriais nos países desenvolvidos, é transportada pelos ventos para cair muito longe do seu lugar de origem e afetar vários países subdesenvolvidos.

As empresas transnacionais são as responsáveis, em grande parte, pelo processo de transferência de tecnologias poluentes para os países subdesenvolvidos, principalmente após os anos 60. Da necessidade de receber investimentos ou recursos tecnológicos e dos próprios modelos de desenvolvimento adotados ou im­postos ao Sul nas últimas três déca­das, é porque muitas vezes resultam frouxas as regulamentações ambien­tais nestes países, o que favorece a importação dessas tecnologias po­luentes. Nos países subdesenvolvi­dos as companhias transnacionais são ativas em setores muito sensíveis do ponto de vista ambiental, como a mineração, a extração de petróleo, a agroindústria, a elaboração de pro­dutos químicos, o refino de metais pesados, a fabricação de veículos au­tomotores, entre outros.

Na essência, a degradação ecoló­gica do Norte é “exportada” em gran­de medida ao Sul, como parte do longo processo de desenvolvimento capitalista, e é precisamente no contexto das débeis economias subde­senvolvidas onde os efeitos nocivos da destruição do meio ambiente se combinam com elevados níveis de pobreza e dependência econômica, aumentando a vulnerabilidade sócio econômica dessas nações. Cabe ago­ra ao mundo desenvolvido e rico saldar sua dívida ecológica com a parte subdesenvolvida e pobre da humanidade, mediante a cooperação, ajuda financeira e técnica e a transferência de tecnologias ambientalmente limpas. Fazê-lo não seria mais que um ato de justiça histórica e, em última instância, uma demonstração de sensatez e uma contribuição ao seu próprio bem estar e desenvolvi­mento posterior.

Aquecimento global subdesenvolvimento e crise energética

Segundo algumas estimativas, 49% dos gases do efeito estufa é produzido pelo setor energético, 24% pela indústria, 14% pelo desma­tamento e 13% pela agricultura. Na atualidade, a humanidade consome diariamente cerca de 161 milhões de unidades equivalentes a um barril de petróleo, frente a um consumo global de uns 8 milhões há 150 anos, e se estima que para o ano 2010 a deman­da energética aumente entre 50 e 60%.

Como é conhecido, o predomínio dos combustíveis fósseis - carvão mineral, petróleo e gás natural - no consumo energético é a causa de que este setor seja responsável pela me­tade do efeito estufa. Em seu conjun­to, os combustíveis fósseis representam mais de 90% da balança mundial de energia comercial. No caso do dióxido de carbono, conside­rado como o principal gás gerador do efeito estufa - só o setor energético emite cerca de 21 bilhões de tonela­das deste gás a cada ano - sua emis­são é calculada em torno de 70%, ao uso de combustíveis fósseis.

Consequentemente, as medidas para o controle da mudança climáti­ca estão dirigidas, no fundamental, para modificar os atuais padrões de produção e consumo de energia.

Ao nível internacional, os princi­pais responsáveis pelo aquecimento global são os países industrializados, que basearam seu desenvolvimento, em grande medida num consumo intensivo de combustíveis fósseis. Cálculos conservadores assinalam que os países altamente industriali­zados, com apenas 15% da popula­ção mundial, absorvem 50% do consumo mundial de combustíveis fósseis e lançam mais de 50% das emissões mundiais de gases causa­dores do efeito estufa.

Por outro lado, os países subde­senvolvidos, onde residem três quar­tos da população mundial, absorvem menos de 18% do consumo global de combustíveis fósseis. A relação entre os consumos per capita de combustí­veis fósseis em países altamente in­dustrializados e subdesenvolvidos é de 8 para 1 Segundo fontes especia­lizadas, a principal contribuição das nações subdesenvolvidas ao aqueci­mento global ocorre pela via das emissões de dióxido de carbono associado ao desmatamento. Este pro­cesso é provocado, em parte, pela utilização ineficiente e irracional dos combustíveis tradicionais da biomassa, tais como a lenha, em países do Terceiro Mundo. Na atualidade, cerca de 70% da população dos paí­ses subdesenvolvidos utiliza a lenha com fins energéticos. Estima-se que para o ano 2000, cerca de 2,4 bilhões de pessoas residirão em áreas de grande escassez, de lenha.

Neste momento de delimitar as responsabilidades no que se refere ao aquecimento global, não é possível equiparar os efeitos do desmatamen­to tropical e das emissões de metano derivados de certos cultivos em paí­ses subdesenvolvidos, com as emis­sões de gases poluentes precedentes de outras fontes em países desenvol­vidos. Na realidade, se requer um tratamento diferenciado, pois são dois fenômenos de natureza bastante distinta. Enquanto a maior parte das emissões do Terceiro Mundo está condicionada pelo estado de subde­senvolvimento e pobreza em que se encontram esses países, as emissões procedentes do Norte industrializado têm sido o resultado, em grande me­dida de um consumo energético superdimensionado e dilapidador.

Os programas de conservação energética no Terceiro Mundo foram extremamente limitados, devido, en­tre outras coisas, severas restrições financeiras e tecnológicas que en­frentam esses países. Em 1989, o consumo de petróleo por unidade de produto interno bruto neste grupo de países superava em quase 65% o ní­vel correspondente aos países desen­volvidos. A crise energética que enfrentam estas nações se traduz em baixos níveis de consumo per capita de energia comercial, a carência de redes modernas e diversificadas, a enorme dívida do setor, a elevada ineficiência energética, o pouco de­senvolvimento de novas e renová­veis fontes, as limitações para assimilar tecnologias de ponta como a energia nuclear, entre outros pro­blemas. Diante desta realidade, os setores majoritários da população do Terceiro Mundo não têm outra alter­nativa a não ser degradar o meio para sobreviver. Assim, por exemplo, uma casa africana utiliza cinco vezes mais energia no preparo dos alimentos que uma família europeia.

Alguns autores demonstraram que os países subdesenvolvidos poderiam alcançar um nível de vida similar ao que tinham os países da Europa Ocidental nos anos 70 sem necessidade de aumentar substancialmente o consumo de energia per capita. Este cenário pressupõe um emprego de tecnologias energéticas mais eficientes e, portanto, a inver­são de grandes quantidades de recur­sos financeiros para substituir a atual estrutura de consumo energético ba­seada, na maioria dos casos, no uso irracional de combustíveis tradicio­nais da biomassa, como a lenha e os resíduos animais e vegetais.

Por tudo o que foi exposto anteriormente, o setor energético deve ocupar um lugar prioritário na hora de avaliar as necessidades financei­ras e tecnológicas do Terceiro Mun­do para romper o círculo vicioso existente entre a crise energética, o subdesenvolvimento tecnológico e a degradação do meio. Em geral, nos marcos das negociações internacio­nais em matéria de mudança climáti­ca, os países subdesenvolvidos se pronunciaram a favor da criação de um sistema global para a transferên­cia de recursos financeiros e tecnolo­gias ambientalmente idôneas, que permita a estas nações reduzir suas emissões de gases do efeito estufa e, no tempo certo, assentar as bases para um processo sustentado de de­senvolvimento econômico. Neste contexto, os níveis de emissões de gases do efeito estufa, tão desiguais entre os países desenvolvidos e sub­desenvolvidos, devem constituir o ponto de partida nas negociações e devem ser analisados a partir de uma perspectiva histórica, que permita re­conhecer o efeito acumulado da de­gradação ambiental causada pelas emissões dos países industrializados. Assim mesmo, deve ser observado o princípio de que cada habitante do planeta tenha igual acesso aos recur­sos da atmosfera e, portanto, o esta­belecimento de quotas de emissão deve buscar-se em todo caso numa distribuição per capita.

Entre as múltiplas iniciativas lan­çadas para limitar as emissões de gases do efeito estufa, as duas pro­postas que geraram maior debate são as que se referem ao estabelecimento de impostos sobre o consumo das diferentes fontes energéticas, em função da carga de carbono de cada uma delas e as permissões de emissões, que poderiam ser comercializada ao nível internacional segundo as leis do mercado.

Alguns estudos coincidem ao de­monstrar que a aplicação dos impos­tos sobre o carbono se traduziria na elevação dos preços internos da energia nos países desenvolvidos, com a consequente desaceleração do ritmo de crescimento destas econo­mias. Desta forma, se produziria uma contração dos principais merca­dos externos dos países subdesenvolvidos, o que provocaria pressões financeiras adicionais sobre essas nações, em termos de aumento da inflação importada, elevação das ta­xas de juros internacionais e redução dos fluxos mundiais de créditos. Al­gumas estimativas assinalam que a cada ponto percentual anual que se reduza a atividade econômica dos países da OCDE, a taxa de cresci­mento econômico dos países subde­senvolvidos se reduziria em 0,7 pontos percentuais, o que revela o alto grau de subordinação e depen­dência das economias subdesenvolvidas em relação ao Norte indus­trializado.

Segundo estudo realizado pelo secretariado da OPEP, o PIB dos paí­ses subdesenvolvidos registraria per­das acumuladas de 600 a 3.700 bilhões de dólares no período de 1991-2010, como consequência das políticas impositivas sobre o carbo­no aplicadas na OCDE. Uma parte considerável de tais perdas corres­ponderia aos países exportadores de energia, que veriam reduzir-se nota­velmente suas receitas em divisas. Nos países subdesenvolvidos não membros da OPEP, a taxa de cresci­mento médio anual do PIB no perío­do de 1991-2010 sofreria uma queda de 0,1 a 0,8 pontos percentuais. Estes países, que em sua grande maioria são importadores líquidos de ener­gia, sentiriam, entretanto, certo alí­vio em virtude da redução dos preços internacionais do petróleo que poderia derivar-se da aplicação dos im­postos sobre o carbono na OCDE.

Em caso de generalizar-se a aplicação dessas políticas na OCDE, os países desenvolvidos deveriam assumir a responsabilidade que lhe corresponde na compensação das perdas que possam sofrer os países subdesenvolvidos por esta política. Alguns estudos patrocinados pelas Nações Unidas sugerem que uma parte dos fundos captados por meio dessas políticas tributárias seja destinada ao Terceiro Mundo, como financiamento no desenvolvimento sustentável. Do contrário, as nações subdesenvolvidas seriam as que assumiriam uma parte substancial do custo do ajuste que, sem dúvida alguma, devem pôr em prática os países desenvolvidos para aliviar a degradação ambiental.

Desta forma, se reforçaria a tendên­cia a transferir tecnologias poluidoras para o Terceiro Mundo e, em consequência, se anularia, ao menos parcialmente, o efeito das políticas impositivas antes analisadas sobre as emissões globais de dióxido de car­bono. Por isto, essas políticas impositivas devem estar acompanhadas de regulamentações para a atividade das empresas transnacionais fora de seus países de origem, de modo que tais empresas também assumam compromissos com o desenvolvi­mento sustentável.

Por sua vez, as permissões de emissão constituem um mecanismo de mercado, que, segundo seus pro­motores, representa a via mais efeti­va para controlar as emissões de dióxido de carbono e, ao mesmo tempo assegurar os recursos finan­ceiros de que precisam os países sub­desenvolvidos para enfrentar os problemas do subdesenvolvimento e da destruição ambiental. Os defenso­res deste mecanismo assinalam que com a concessão de permissões de emissão para cada país a partir de quotas per capita, para a maioria dos países subdesenvolvidos, se lhes fi­xariam permissões num montante superior a seus níveis de emissão em curto prazo e, portanto, poderiam vendê-las aos países industrializados que tenham superado suas cotas. Dessa forma, os países subdesenvol­vidos receberiam quantidades subs­tanciais de recursos financeiros, que poderiam ser utilizados para finan­ciar programas e políticas tecnológi­cas dirigidas a enquadrar-se num menor nível de emissões. Assim, os países desenvolvidos seriam estimu­lados a incrementar a eficiência energética e a transferir tecnologias neste setor mais eficientes para as nações do Terceiro Mundo.

Não obstante, por trás das aparen­tes bondades desta proposta, se ocul­ta um enorme perigo para as nações subdesenvolvidas. Frente as severas restrições financeiras que enfrentam as nações subdesenvolvidas e dado o elevado poder de decisão dos países desenvolvidos, grande parte das per­missões de emissão dos países sub­desenvolvidos poderiam ser liquidadas a baixos preços e uma par­te significativa das entradas deriva­das de tais vendas poderiam ser absorvidas pelo serviço da dívida ou destinados a cobrir outros deficits financeiros, sem provocar um im­pacto significativo sobre o desenvolvimento de tecnologias ambientalmente seguras. O mais provável é que não tardasse em apa­recer inclusive quem promovesse as trocas de títulos de dívida por per­missão de emissão, o que sem dúvida tem sérias implicações para o Ter­ceiro Mundo.

Não é a toa, ainda que bastante preocupante, que em meio à atual onda neoliberal que percorre o pla­neta, se pretenda conceder aos meca­nismos de mercado um lugar central na solução dos problemas ambien­tais. Sob as condições desse esquema de comercialização de permissões de emissão - permissões de contamina­ção, para utilizar um termo mais ade­quado -, a atividade sócio econômica das nações subdesenvolvidas poderia ver-se seriamente limitada, na medida em que vendam essas per­missões sem realizar os ajustes estru­turais requeridos para melhorar a eficiência energética, em particular, e econômica, em geral. Nos marcos da nova ordem mundial ainda em estágio inicial, se trataria de uma das possíveis manipulações da tese do desenvolvimento sustentável em fa­vor dos interesses dos países desen­volvidos e do reforço das relações de subordinação e dependência do Sul subdesenvolvido em relação ao Nor­te, industrializado.

Biodiversidade e desenvolvimento

O homem tem afetado permanentemente o habitat natural das espé­cies vivas - inclusive o seu próprio -, à medida que foi procurando sua adaptação, em busca de alimento, moradia energia e vestimenta entre outras. Sem dúvida como resultado da atuação depredadora do homem, o processo de alteração do habitat e a consequente extinção de espécies de plantas, animais e micro-organismo, adquiriu na atualidade um ritmo muitas vezes superior. Calcula-se que o ritmo de perda de espécies era em 1980 de uma por dia e em 1990 é de uma por hora.

Em termos gerais, estima-se tal­vez em tomo de 250 mil espécies - uma quarta parte da biodiversidade total da terra - corre um grave perigo de extinção nos próximos vinte ou trinta anos. Há especialistas que es­timam que em média de 350 espécies de aves, 200 de mamíferos e cerca de 25 mil espécies de plantas estão boje à beira da extinção. A perda destes recursos genéticos mundiais consti­tui a mais grave e irreparável conse­quência do desmatamento e, em geral, da degradação do meio físico global.

Este problema está vinculado, como nenhum outro dos muitos que compõem a chamada crise ecológi­ca, ao fenômeno do subdesenvolvi­mento. Os países subdesenvolvidos, pela área geográfica que ocupam, são possuidores das principais rique­zas naturais e das maiores e mais variadas reservas biológicas, uma vez que, em essência, se desenvol­vem em condições socioeconômicas favoráveis à sua superexploração. Por exemplo, nos bosques tropicais, que podem chegar a conter até 90% da diversidade bio­lógica mundial, o processo de extin­ção de espécies e a alteração de seu habitat se aceleraram como resulta­do, em certa medida, do avanço do desmatamento.

Outros habitats ricos em espécies que também estão em perigo de ex­tinção são os recifes de corais, assim como os lagos geologicamente anti­gos e os manguezais. Os recifes de corais em particular, com uns 400 mil quilômetros quadrados de exten­são mundial e uma estimativa de meio milhão de espécies, estão so­frendo a ação do aquecimento gra­dual, a contaminação dos oceanos e a depredação humana, em um ritmo de degradação que ameaça deixar um pequeno e degradado remanes­cente para os princípios do próximo século. Isto significaria uma enorme perda de organismo e toxinas impor­tantes para a medicina.

O processo de perda da biodiver­sidade se identifica também com a degradação da diversidade genética dentro de cada espécie, fenômeno que supõe a redução progressiva, e o possível desaparecimento, da varia­bilidade de espécies e raças. É um paradoxo observar que, justo quando a ciência a técnica estão permitindo explorar, pesquisar mais a variabili­dade genética de todas as espécies vegetais e animais, esta variabilida­de genética se encontre tão ameaça­da. E o que é pior, toma-se preocupante a diminuição ou desa­parecimento relativamente mais rápido de espécies sobre as quais se conhece muito pouco ou nada. Até agora os cientistas tem realizado investigações intensivas de uma de cada cem espécies vegetais e de uma porção muito menor das espécies animais. No ritmo atual inumeráveis espécies desaparecerão antes de se­rem sequer conhecidas pelo homem e aproveitadas em suas ignoradas po­tencialidades. Isto teria graves consequências ecológicas e econômicas.

Neste processo tem tido influên­cia também fatores de tipo sócio econômico e, em especial, fatores, tecnológicos. Se reconhece hoje que, como resultado da chamada Revolu­ção Verde, se converteu a agricultura em um processo fortemente depend­ente de produtos químicos, com gra­ves efeitos para o meio ambiente, além de propiciar uma degradação da diversidade genética em conse­quência da preferência pelo cultivo dos híbridos de alto rendimento.

Neste mesmo sentido, vem se destacando com força crescente as implicações positivas e negativas que podem ter sobre o processo de perda da biodiversidade, em um fu­turo previsível, o acelerado desen­volvimento biotecnológico dos últimos anos, em especial no campo de suas aplicações na indústria ali­mentícia. Com o avanço das técnicas de manipulação genética é possível prever - de fato, algo já foi obtido - o melhoramento de plantas e animais, tanto em suas possibilidades de adaptação ao meio ambiente como em suas possibilidades produtivas, a incorporação à produção de terras hoje estéreis e, inclusive, a produção de alimentos a partir de matérias pri­mas não naturais, entre outras muitas aplicações. De imediato tudo isto es­tabelece, de fato, a necessidade de conservar tal variabilidade, como único meio de garantir a fonte bioló­gica da engenharia genética.

Hoje mais que nunca urge aos países subdesenvolvidos o acesso ao saber ao desenvolvimento científico e técnico, não só porque os permitiria solucionar inúmeros problemas eco­nômicos, sociais e ideológicos, se­não porque, na etapa atual de desenvolvimento capitalista, o co­nhecimento científico tem um papel central na acumulação de capital. A biotecnologia moderna poderia constituir uma via para o desenvolvi­mento econômico e para a satisfação de muitas das necessidades alimentí­cias, energéticas e de saúde dos paí­ses do Sul, possuidores dos ecossistemas de maior biodiversida­de e da maioria dos chamados cen­tros de diversidade fitogenética.

A partir das possibilidades deri­vadas do desenvolvimento da biotec­nologia moderna tem adquirido um valor extraordinário os recursos ge­néticos do mundo subdesenvolvido. De se produz em um contexto de grande dependência tecnológica ex­terna destes países, os quais contam além disso com precaríssimos siste­mas de proteção contra a apropriação comercial do material genético exis­tente.

As características essenciais do desenvolvimento biotecnológico atuais não parecem favorecer aos paí­ses subdesenvolvidos, que seriam os produtores mais necessitados desta nova tecnologia. Tal como ocorreu com a Revolução Verde, os produto­res pobres do Terceiro Mundo não terão acesso, em termos gerais a es­tes desenvolvimento, nem se reduzirá sua dependência dos insumos externos. Mais ainda, com o proces­so de economia e substituição de matérias-primas que o avanço biotecnológico - e tecnológico em geral - vem possibilitando nos países industrializados, as principais expor­tações do Terceiro Mundo estão sen­do fortemente golpeadas.

De fato, o controle e domínio dos recursos genéticos constitui uma nova forma de saque do Terceiro Mundo, e se converte no objetivo principal das corporações transnacionais deste ramo. O monopólio que exercem estas grandes empresas so­bre a investigação biotecnológica avançada, se traduzem, na prática, não no que é necessário, mas sobre o que oferece maiores possibilidades comerciais. O exemplo das sementes é bastante eloquente A expansão das grandes empresas transnacionais dos setores químico e farmacêutico para o setor das sementes, coloca os pro­dutores do Terceiro Mundo em uma posição de maior subordinação e de­pendência agora como compradores de um pacote tecnológico mais caro, delineado em função dos interesses destas empresas em detrimento dos interesses econômicos e ecológicos da produção agrícola dos países subdesenvolvidos.

O caráter privado da investigação biotecnológica avançada nos países desenvolvidos impõe que esta ativi­dade se realize em condições de cres­cente sigilo, pois o objetivo central é obter um novo produto patenteável e, com isto, a apropriação dos rendi­mentos tecnológicos. Isto constitui um grande obstáculo para a transfe­rência tecnológica aos países subde­senvolvidos, além de impedir-lhes o acesso aos centros acadêmicos supe­riores para formação dos seus qua­dros científicos.

O auge do processo de privatiza­ção, unido ao supremo interesse de maximizar lucros, têm um crescente impacto sobre os novos mecanismos de controle dos direitos de proprie­dade intelectual do avanço biotecno­lógico e do controle do patrimônio nacional dos países subdesenvolvi­dos. Pretende-se impor aos países subdesenvolvidos um sistema de pa­tentes que, em primeiro lugar, desco­nhece o direito de participação nos benefícios finais destes países, que contribuem com a fonte viva para os novos conhecimentos e durante cen­tenas de anos tem contribuído para seu melhoramento e seleção natural, fazendo com isto uma contribuição nada desprezível. Em segundo lugar, as nações subdesenvolvidas se veriam ainda mais impossibilitadas, so­bretudo financeiramente, de ter acesso a tais avanços. Porém o mais grave é que, com a extensão dos me­canismos de mercado aos problemas relacionados com a conservação da biodiversidade, poderia estar desapontando o caminho de perda da so­berania nacional sobre os recursos naturais.

Com as preocupações pela perda ou desgaste da biodiversidade sur­gem as propostas para sua conserva­ção. Todos os especialistas concordam na superioridade da conservação dos ecossistemas e espécies em seus contornos naturais, porém de modo geral os países subdesenvolvidos carecem dos recursos fi­nanceiros necessários para isto. A conservação ex situ de germoplasma é desenvolvida em mais de 450 ins­tituições em todo o mundo: 50% des­tas coleções se encontram nos países industrializados, 21% nos bancos de germoplasma de centros internacio­nais e 29% nos países subdesenvol­vidos.

Atualmente são exercidas fortes pressões em favor da privatização das coleções de centros internacio­nais de investigação agrícola que, como os vinculados a FAO e a UNESCO, tem permitido até agora o livre acesso a seus recursos genéti­cos. O Banco Mundial tem recomen­dado a estes centros estabelecer convênios de colaboração com o se­tor privado para a obtenção de recur­sos financeiros e a aplicação de patentes e outras formas de direitos de propriedade. Diversas iniciativas da própria FAO encaminhadas para proteger o livre acesso aos recursos filo genéticos tem tropeçado nos inte­resses das empresas transnacionais e dos países industrializados.

Todas estas são razões pelas quais a negociação em tomo de uma con­venção sobre biodiversidade, como parte do processo preparatório desta Conferência do Rio, suscitou uma preocupação particular nos países subdesenvolvidos. Tudo parece indi­car que os países desenvolvidos, e em especial os Estados Unidos, pre­tendem alcançar uma convenção que lhes garanta livre acesso e maior con­trole sobre os recursos nacionais e soberanos dos países subdesenvolvi­dos, sem reconhecer seus direitos como proprietários de recursos bio­lógicos e genéticos que são fontes de conhecimento e de desenvolvimento científico e tecnológico. Ao mesmo tempo, os países altamente industria­lizados tentam estabelecer na Roda­da Uruguai um controle mais rígido sobre os direitos de propriedades in­telectual, incluindo os avanços biotecnológicos.

Nunca é demais insistir que qual­quer convenção sobre biodiversida­de que favoreça de maneira preferencial os interesses dos países industrializados, assim como qual­quer intenção alternativa destes Es­tados em impôr declarações de princípios nesta matéria, não só rep­resentariam uma ameaça para a so­berania dos países subdesenvolvidos, como também constituiriam instrumentos jurídicos que serviriam para condicionar a aju­da econômica ao Terceiro Mundo. Se qualquer modificação nos orga­nismos vivos é patenteável e pode gerar lucro, como se compensará aos países subdesenvolvidos por sua contribuição em diversidade genética que serve e servirá de base para a obtenção do organismo vivo modifi­cado? Como poderá proteger o Ter­ceiro Mundo seus recursos naturais e, em particular, sua diversidade bio­lógica, para que sirva a si próprio? Desenvolvimento?

Recursos financeiros e transferência de tecnologia

Segundo cálculos preliminares, os países subdesenvolvidos em seu conjunto necessitariam pelo menos de 40 bilhões de dólares adicionais por ano para utilizar programas des­tinados a obter uma sustentabilidade ambiental, tendo por base o nível de atividade econômica de 1990. Esta quantia representa 25% do total de pagamentos feitos por estes países por conta do serviço da dívida exter­na neste ano. No ano 2000 a cifra necessária crescerá para uns 60 bi­lhões de dólares.

Algumas organizações ecológi­cas asseguram que para pôr em prá­tica a Agenda 21 é necessário uns 125 bilhões de dólares anuais em ajuda para o Terceiro Mundo até o final do século, sem considerar a contribuição que virá dos próprios países subdesenvolvidos. Outra esti­mativa conclui que somadas as ne­cessidades do Terceiro Mundo em matéria de proteção ambiental às de crescimento socialmente necessário, o volume de capital suplementar ne­cessário, aumentaria de 60 bilhões de dólares em 1990 para 140 bilhões no ano 2000.

Tendo em conta a magnitude dos recursos solicitados e as sérias restri­ções financeiras que enfrentam os países subdesenvolvidos, a realiza­ção de investimentos substanciais com fins ambientais dependeria, em primeiro lugar, de uma solução inte­gral, justa e duradoura dos graves problemas que enfrentam estas eco­nomias, tais como o enorme endivi­damento externo, a transferência de recursos para o exterior associada ao problema da dívida, as barreiras co­merciais que freiam o acesso destes países aos mercados mundiais em condições de igualdade, e as limitações existentes para a transferência de tecnologias para o Terceiro Mun­do, entre outras coisas. Ninguém dis­cute a necessidade dos países subdesenvolvido trabalharem estra­tégias próprias de desenvolvimento socioeconômico, que permitam as­segurar a expansão sustentável da capacidade produtiva, fazer frente aos graves problemas sociais, corri­gir os problemas ambientais do pas­sado e evitar uma degradação futura do meio, em função dos recurso disponíveis. Entretanto, é evidente que ao financiamento externo correspon­de um papel significativo. Eis aqui a primeira forma de saldar a dívida ecológica do mundo desenvolvido.

O financiamento externo para o desenvolvimento sustentável não pode ser o resultado de uma redistribuição dos escassos recursos finan­ceiros que chegam aos países subdesenvolvidos, senão um fluxo novo de capitais. Do contrário, o tema ambiental só constituiria numa nova condicionante para a ajuda ao desenvolvimento. Estes fluxos adi­cionais de capitais, por outro lado, devem ser cedidos sob condições de pagamentos favoráveis, tanto em ter­mos de juros como de prazos de pa­gamento, incluída a possível dotação de um volume considerável de crédi­tos não reembolsáveis.

Estes cál­culos excluem os fluxos financeiros para os países ex-socialistas da Eu­ropa Oriental. A realidade, no entan­to, é que, em geral, os países desenvolvidos tem sido relutantes em concretizar compromissos em matéria de financiamento adicional para o desenvolvimento sustentável, com raríssimas exceções.

Em torno das discussões acerca da necessidade de recursos adicio­nais para fins ambientais, se manipu­la com frequência o conceito de "associação para a adicionalidade", quer dizer, a necessidade de concre­tizar uma articulação das políticas e estratégias dos países em desenvolvimento entre si como pré-condição ao estímulo de fluxo de recursos fi­nanceiros destinados a fins ambien­tais. Sem dúvida, todo esforço dirigido para lograr uma maior coor­denação de políticas econômicas entre os países subdesenvolvidos, tende a aumentar a complementação entre suas economias, sobretudo nos limi­tes da integração econômica. Porém sob este rótulo de "associação para a adicionalidade” se pretendera gene­ralizar entre os países do Terceiro Mundo fórmulas neoliberais com o propósito de atrair capitais do exte­rior, os efeitos contraproducentes de semelhante intento gera graves efei­tos negativos para o futuro sócio econômico desses países.

Um dos novos mecanismos de fi­nanciamento que se menciona com frequência nos últimos tempos é a chamada troca de títulos da dívida pela natureza. Em virtude deste prin­cípio, parte da dívida externa de um país subdesenvolvido pode ser com­prada no mercado por governos estrangeiros ou organizações não governamentais, com determinada margem de descontos O equivalente dessa dívida em moeda nacional do país em questão, por ocasião do res­gate, poderia ser então investida no país devedor em programas de con­servação do meio, que incluiria, en­tre outras coisas, o estabelecimento de áreas protegidas.

Até agora o alcance real destes programas tem sido bastante limita­do. De acordo com um informe do Congresso norte-americano, entre 1986 e 1990 se realizaram um total de 26 operações deste tipo em 13 países subdesenvolvidos. O montan­te nominal da dívida resgatada tota­lizou 126 milhões de dólares, que equivale a menos de 0.05% do total da dívida destes países. Dois terços da dívida trocada corresponde a um país. Costa Rica, cuja dívida total se reduziu em apenas 2% desta manei­ra.

A troca de dívida pela natureza, independentemente das boas inten­ções dos ambientalistas, não resolve nenhum dos problemas que vincula. Em primeiro lugar, não soluciona o problema da dívida enquanto não ataca as causas que a geram. Mas, sobretudo, aumenta a perda poten­cial de soberania do país em questão, quando os acordos limitam os direi­tos do Estado devedor sobre determi­nados recursos naturais ou áreas que são declaradas protegidas por este procedimento. Este mecanismo so­fre também dos aspectos negativos comuns a todas as operações de ca­pitalização da dívida externa, como é, entre outros o impacto inflacioná­rio sobre a economia do país deve­dor. Em geral, nestes programas são prioritários aqueles projetos de inte­resse da parte que promove a opera­ção ou os de repercussões internacionais, que em muitos casos não são os que mais interessam aos países subdesenvolvidos por não be­neficiar de maneira clara e imediata a população do país em questão.

Além das operações bilaterais de troca da dívida pela natureza, se ana­lisou a possibilidade de criar uma entidade multilateral que, mediante um fundo central, adquiriria títulos de dívidas com descontos e utilizaria logo esses títulos para financiar pro­gramas de desenvolvimento susten­tável mediante negociações com os países devedores. Porém ainda desta forma parece evidente que os progra­mas de troca da dívida pela natureza estão distante de ser o mecanismo idôneo para vincular uma solução justa entre o problema da dívida e os esforços para enfrentar os problemas do meio ambiente no Terceiro Mun­do.

As sérias dificuldades financeiras dos países subdesenvolvidos para enfrentar os problemas do meio am­biente e o desenvolvimento têm uma notável significação na hora de exa­minar as limitações existentes trans­ferência de tecnologias ambiental mente idôneas ao Terceiro Mundo.

Devido à fragilidade dos ecossis­temas das nações subdesenvolvidas e os escassos recursos de que dispõ­em estes países para enfrentar a de­gradação do meio, a transferência de tecnologias ambientalmente idôneas constitui um componente essencial do desenvolvimento sustentável. En­tre os obstáculos mais frequentes à transferência de tecnologias avança­das para as nações subdesenvolvidas se encontram, além das restrições fi­nanceiras associadas de maneira di­reta ou indireta ao problema da dívida, a falta de informação, o defi­cit da força de trabalho qualificada e a falta de infraestrutura adequada para assegurar a difusão das novas tecnologias.

Como consequência das profun­das transformações associadas com a atual revolução cientifico técnica, se produziram importantes mudan­ças nas estratégias corporativas das empresas transnacionais, que favo­recem a formação de alianças estra­tégicas entre firmas radicadas em países desenvolvidos para fazer fren­te aos elevados custos de pesquisa e desenvolvimento, e para garantir uma maior proteção dos direitos de propriedade intelectual. Desta forma aumenta a transferência de tecnolo­gias de ponta entre essas empresas que colaboram entre si, em detrimen­to da transferência de tecnologias para o Terceiro Mundo.

Estas novas estratégias corporati­vas encontraram grande respaldo nas políticas comerciais dos países in­dustrializados. De fato, os governos destes países, particularmente o dos Estados Unidos, fizeram fortes pres­sões nas negociações da Rodada Uruguai para liberalizar os serviços e impor normas mais estritas e uni­formes para a proteção dos direitos de propriedade intelectual.

O Estabelecimento deste tipo de regime de proteção se traduziria no encarecimento das tecnologias im­portadas, sobretudo no caso das in­dústrias que são intensivas na utilização de patentes. Isto implica­ria demandas adicionais de recursos financeiros por parte das nações sub­desenvolvidas, que devem ser leva­das em conta nos novos convênios e protocolos que se firmem em relação à proteção do meio.

Ao mesmo tempo, como a de­manda de tecnologias ambiental­mente idôneas está determinada, em elevado grau, pelas condições geo­gráficas e sócio econômicas especificas dos países subdesenvolvidos, em muitos casos essas tecnologias não podem ser transferidas do exte­rior. Em consequência, é necessário desenvolver capacidade tecnológica interna, que permita, além de assimi­lar, adaptar e desenvolver as tecno­logias importadas, criar um novo conhecimento e gerar tecnologias próprias.

Diante da vulnerabilidade finan­ceira e tecnológica dos países subde­senvolvidos, resulta inadiável firmar compromissos internacionais que garantam as condições básicas para o trânsito das economias do Sul a padrões sustentáveis de desenvolvi­mento. Do contrário, se perpetuará o círculo vicioso existente entre sub­desenvolvimento, pobreza e degra­dação ambiental, com suas consequências ecológicas, econômi­cas e sociais não só para o Terceiro Mundo, como para a toda a humani­dade.

Desenvolvimento sustentável, neoliberalismo e meio ambiente

Aproveitando as mudanças trans­cendentais ocorridas na correlação de forças econômicas e políticas ao nível internacional, os países indus­trializados insistem no caráter global dos problemas ambientais com o cla­ro propósito de diluir suas grandes responsabilidades neste aspecto e, sobre esta base, exigir concessões onerosas ao Terceiro Mundo. Se pre­tende desta maneira converter o pro­cesso de internacionalização do movimento ecológico em um ele­mento a mais da nova ordem mun­dial em perspectiva.

Como se sabe no calor do debate internacional e no contexto do pro­cesso de internacionalização da consciência ecológica, tem tido grande difusão o conceito de "desen­volvimento sustentável", entendido como o desenvolvimento capaz de permitir a satisfação das necessida­des do presente sem comprometer a habilidade das gerações futuras para satisfazer, por sua vez, suas próprias necessidades. Aspira-se com este conceito definir uma forma su­perior de desenvolvimento, mais equitativa e humana.

Entre os aspectos corretos do con­ceito de desenvolvimento sustentá­vel está em colocar o problema ecológico em lugar relevante e recla­mar a necessidade de uma ação glo­bal, transcendendo o presente e projetando para o futuro a urgência de proteger a base natural da vida. A pobreza é entendida como uma situa­ção de iniquidade que deve ser com­batida de forma integral, e o crescimento demográfico é visto cor­retamente como consequência da miséria.

Entretanto, apesar de sua aceita­ção cada vez mais extensa a tese do desenvolvimento sustentável não está isenta de contradições e limita­ções. Uma delas é seu caráter ambí­guo que identifica as disparidades sociais existentes no mundo atual, porém não reconhece os mecanis­mos que geram esta desigualdade. Uma interpretação consequente do desenvolvimento sustentável deve partir do reconhecimento de que o subdesenvolvimento é consequência do saque ao Terceiro Mundo, prolon­gado em nossos dias por uma ordem econômica internacional que se vale dos mecanismos do endividamento, da injusta divisão in­ternacional do traba­lho, do protecionismo comercial e da mani­pulação dos fluxo financeiros para aprofundar a exploração dos países subdesen­volvidos e, portanto, a consequente depre­dação ecológica resultante dessa si­tuação.

Por outro lado, existe a tendência de considerar o desenvolvimento sustentável como uma fórmula onde podem ser reconciliadas a conserva­ção do meio, a igualdade social, o crescimento econômico e as forças do mercado. Não é difícil perceber o novo contorno utópico em que se quer envolver este conceito, assim como o perigo que é vislumbrado para o futuro sócio econômico dos países subdesenvolvidos no que diz respeito a ideia, associada ao desen­volvimento sustentável, do chamado "mercado verde", segundo o qual as forças de mercado garantiriam por si só um desenvolvimento sócio econômico e ambiental equilibrado e equitativo. O conceito de "mercado verde", que revela a presença do fu­nesto carimbo neoliberal nas discus­sões sobre meio ambiente e desenvolvimento, tende a favorecer os agentes econômicos interessados em legitimar o direito de causar da­nos ao meio ambiente e a comercia­lizar esse direito.

Outra limitação importante que se pretende impor à teses do desenvolvi­mento sustentável, em sua aplicação prática até hoje, é a sugestão de que sejam as mesmas agências multilaterais dominadas pelos países mais de­senvolvidos, e responsáveis em grande medida pelas atividades que causam maior destruição ao global, as que conduzam à transição a um desenvolvimento harmônico, equitativo e ambientalmente seguro. A orientação do processo de desenvol­vimento sócio econômico sobre ba­ses "sustentáveis", parte do pressuposto de que se consiga um clima internacional de entendimen­to, justiça e igualdade. É indubitável que o reconhecimento dos principais desafios ambientais como problemas de caráter global, tende a unir os Estados na busca de soluções co­muns. Porém o consenso desaparece na hora de precisar as responsabili­dades entre as nações e de estabele­cer os compromissos relacionados com a imprescindível cooperação in­ternacional, as regulamentações co­merciais, ajuda financeira externa e a transferência de tecnologias, entre outras questões.

O auge alcançado ao nível inter­nacional desde o início dos anos 80 pelo discurso e as práticas neoliberais, com o ressurgir de velhas teo­rias acerca do "mercado perfeito", tem tido um efeito considerável no debate ecológico mundial. O resgate da filosofia do livre jogo das forças de mercado como fórmulas, infalíveis para corrigir os desequilíbrios econômicos, tem sido promovido por determinadas forças políticas conservadoras que tem prevalecido desde o início da década passada em alguns dos principais Estados alta­mente industrializados, como os Es­tados Unidos e o Reino Unido.

Em matéria ambiental, ainda que a prática internacional tenha de­monstrado que a participação ativa dos governos na preservação dos re­cursos naturais toma-se insubstituí­vel, aqueles que promovem a ideia do "mercado verde" minimizam o papel do Estado na esfera ecológica e encobre a contradição existente en­tre os interesses comerciais a curto prazo, que tende a acelerar a depre­dação dos recursos naturais, e a ne­cessária conservação dos ditos recursos, de acordo com os interes­ses da sociedade a mais longo prazo.

Na atualidade, existem determi­nados países e forças que pretendem, inclusive, impor a ideia do "mercado verde" nas relações entre desenvol­vidos e subdesenvolvidos, com o pretexto de enfrentar os desafios am­bientais globais. E o caso, por exem­plo da proposta de estabelecer e comercializar ao nível internacional as permissões para a emissão de ga­ses contaminantes, o que, ao genera­lizar-se, poderia ter efeitos muito negativos para o futuro das nações subdesenvolvidas.

Em geral, são muito preocupantes as fortes pressões que se exercem ao nível internacional para ampliar o raio de ação das políticas neoliberais, sobretudo quando tais práticas são impostas s nações subdesenvolvidas ou quando são incorporadas aos vín­culos Norte-Sul. Neste sentido, pode-se destacar o impacto ambien­tal sumamente nocivo, derivado do enfoque monetarista, restritivo, aberto e privatizador que os caracte­riza, dos programas de ajuste ma­croeconômicos recomendados pelo Fundo Monetário Internacional aos países devedores. Com o intuito de assegurar os pagamentos dos servi­ços da dívida, tais programas de ajus­te, entre outras coisas, sugerem redução do gasto público e obtenção, a qualquer custo, um equilíbrio co­mercial externo. Assim mesmo, par­tindo do critério neoliberal de que a atividade estatal é intrinsecamente ineficiente, se propõe reduzir ao mí­nimo a participação do Estado na economia e se opta por um processo de privatizações em grande escala.

Com a diminuição do gasto públi­co, o investimento na conservação do meio ambiente é um dos primei­ros a ser postergado. Além disto, como parte dos esforços para equili­brar a todo custo a balança comercial externa se recorre com muita frequência ao expediente de incremen­tar os volumes de exportação expensas de uma superexploração dos recursos naturais renováveis e não renováveis. Porém ainda assim os resultados deste esforço nem sem­pre tem sido os esperados.

Alguns estudos recentes dedica­dos a analisar o impacto sócio econômico dos programas de ajuste do FMI, revelam que as receitas dessa organização financeira internacional não só ignoram os problemas da po­breza e do meio ambiente como tam­bém levam aos países subdesenvolvidos a se desentende­rem acerca destes problemas. Um desses estudos mostra que de 48 pro­gramas de ajuste do FMI postos em prática entre 1986 e 1990, 78% deles incluía a redução do gasto público, sobretudo na esfera social, e esta exi­gência foi acolhida da seguinte for­ma pelos governos dos países devedores: 92% dos casos se redu­ziram as verbas para moradia, saúde pública e assistência econômica po­pulação, 62% diminuiu os recursos destinados a dois desses três setores e 29% reduziu o gasto social em mais de 20%.

Por conseguinte, estes programas de ajuste não só tem um alto custo ambiental direto, como também é um fator fundamental do incremento dos desequilíbrios sociais, em especial da pobreza que tem sofrido os países subdesenvolvidos nos últimos anos e, desta forma também contribuem indiretamente para a degradação do meio. As fórmulas de ajuste neoliberal são, sem dúvida um elo funda­mental que nos anos 80 se somou a própria crise, para completar a ca­deia de fatores compulsivos da po­breza estrutural que acompanha, desde sua gênese, qualquer econo­mia subdesenvolvida.

Política Ecológica e realidade cubanas

A preocupação pela proteção e conservação dos recursos naturais, considerados como patrimônio de todo o povo, iniciou-se em Cuba des­de o triunfo revolucionário em 1959. Naqueles primeiros anos foram em­penhados todos os esforços para re­cuperar os bosques devastados desde a época colonial e depois com a ex­pansão dos latifúndios canavieiros e bovinos.

Em Cuba, país Socialista, o meio ambiente e os recursos naturais são patrimônios comuns da sociedade e constituem, portanto, interesse fun­damental da nação em seu conjunto. Deste modo, a atenção aos proble­mas ambientais sc realiza de forma integral em toda a sociedade. A Constituição da República, promul­gada em 1976 após sua aprovação em referendo popular, inclui expressamente em seu artigo a obrigatorie­dade da proteção do meio e dos recursos naturais do país tanto pelo Estado como por cada cidadão. Em 1981, a Assembleia Nacional do Po­der Popular, órgão legislativo máxi­mo do país, aprovou a Lei de Proteção do Meio Ambiente e Uso Racional dos Recursos Naturais como continuação dos trabalhos de­senvolvidos no país com vistas criação de um sistema de normas para a proteção do meio ambiente, em 1990 se aprovou o chamado Sistema Na­cional de Proteção.

Fim 1977 criou-se uma Comissão Nacional para a Proteção do Meio Ambiente e o Uso Racional dos Re­cursos Naturais, integrada por repre­sentantes de diferentes organismos estatais e setores da sociedade civil. Em 1980 organizaram-se comissões semelhantes em todas as províncias e municípios do país.

A transformação social radical advinda da Revolução Cubana teve efeitos diretos e positivos sobre o meio ambiente, ao modificar as con­dições de vida e criar com isto os pré-requisitos para que o homem não se veja obrigado a atuar como agres­sor do meio. O acesso ao trabalho, o desenvolvimento de um único siste­ma de saúde centrado no bem-estar do homem e na sensível elevação do nível geral de escolaridade da popu­lação e de sua qualificação técnica e profissional foram fatores funda­mentais de proteção ambiental.

Sobre estas sólidas bases sociais, ao longo de 30 anos de Revolução, foram obtidos importantes ganhos ambientais, como a recuperação e emprego adequado dos recursos hí­dricos, a criação de um vasto sistema de parques e áreas protegidas, a aplicação de políticas coerentes para a proteção da fauna e flora e a conservação da biodiversidade, entre mui­tos outros que poderiam ser mencionados. Entretanto, ainda sub­sistem problemas ambientais no país, e sobre estes se trabalha para seu controle e eliminação.

Um fator importante desta situa­ção refere-se aos focos de contami­nações nas baías. No caso da Baía de Havana, contou-se com uma valiosa cooperação internacional para o diagnóstico do problema e o início de soluções. Trabalhou-se também para reverter a situação de alguns solos degradados e erodidos, em particular, em regiões submetidas a ex­ploração mineira, assim como alguns problemas locais de contaminação das águas superficiais pelo efeito fundamentalmente dos resíduos da indústria açucareira.

Avançou-se quanto à recuperação de praias e zonas costeiras aba­ladas por processos erosivos. Uma obra de considerável magnitude é o chamado Dique Sul da província de Havana. Com a sua recente conclu­são, será detido e revertido o proces­so de salinização de várias dezenas de milhares de hectares de terras potencialmente agrícolas e se recupera­rão recursos hídricos de importância capital na satisfação de necessidades de água para agricultura, a indústria e a população das províncias de Ha­vana.

A partir da prioridade estratégica concedida ao turismo como instru­mento de desenvolvimento nas con­dições concretas do país, todas as obras de infraestrutura que aconte­cem em praias, recifes e outras zonas de potencial turístico são executadas após uma cuidadosa avaliação de seus possíveis impactos ambientais, e se mantém um permanente e estrei­to controle das implicações de cada inversão no meio. De fato, as favorá­veis condições de Cuba partindo do ponto de vista ambiental, são premis­sas fundamentais nas perspectivas de desenvolvimento da indústria turísti­ca, incluindo um apreciável compo­nente de turismo estritamente ecológico.

Outra esfera ambiental que rece­be atenção prioritária em Cuba refe­re-se ao fundo do mar. São destacáveis neste sentido as estritas medidas de proteção aplicadas no caso dos recifes de corais.

A criação e generalização pro­gressiva de uma consciência ecoló­gica é hoje em Cuba uma das armas mais importantes para a proteção do meio. A aplicação consequente des­tas políticas teve alguns êxitos signi­ficativos: a superfície coberta por bosques aumentou nos últimos 30 anos de 14% para 20% no país, e as cifras planificadas para semeadura de árvores no presente quinquênio chega a 1,5 bilhões. Em Cuba não existem problemas significativos de contaminação atmosférica.

Nas regiões montanhosas do país se iniciaram ainda na década de 60 as primeiras ações para o aproveita­mento integral dos recursos naturais nessa área. Hoje este programa que juntamente à proteção do meio se propõe a fortalecer as comunidades rurais, a conservação dos valores culturais e a elevação do nível de vida da população, se estende a todas as montanhas cubanas, que ocupam 18% do território nacional. Seus re­sultados süo notáveis no reflorestamento e no incremento de plantações de café e cacau, e alcançam impor­tante repercussão social. Nos últimos anos, começou a se reverter o proces­so de migração da população em quase todas as regiões montanhosas do país.

O desenvolvimento alcançado, pela sociedade cubana tem uma ex­pressão característica no alto grau de igualdade e participação coletiva al­cançadas. Inclusive diversos estu­diosos estrangeiros chegaram a conclusões bastante ilustrativas como resultado de investigações in­dependentes: o crescimento do PIB per capita foi estimado em 3,1% anual entre 1960 e 1985; de toda a população do país, 40% de menor poder aquisitivo se apropriam de 26% do total da renda nacional, e o coeficiente de Gini para a distribui­ção da renda - fórmula de mensuração estatística do grau de equidade reconhecido internacionalmente - era de 0,22 em 1986. Isto coloca Cuba entre os mais equitativos paí­ses do mundo sobre este aspecto.

A igualdade em Cuba está garan­tida também, pelo acesso coletivo e sem distinção aos serviços sociais fundamentais que determinam o ní­vel e a qualidade de vida. Esta situa­ção é perfeitamente mensurável pelo comportamento dos principais indi­cadores sociais. Neste sentido, sur­preende a alguns o fato de Cuba, com um produto per capita 10 vezes me­nor que os sete países mais industria­lizados, obter nos últimos 30 anos indicadores de saúde e educação se­melhante e em alguns casos supe­riores a esses sete países mais desenvolvidos do mundo. Por exem­plo:

  • a expectativa de vida superior a setenta e cinco anos é igual a esses países;

  • a mortalidade infantil em 1991 alcançou um índice de 10,7 por mil nascidos vivos, um pouco acima que a média desses países, posicionando-se entre a Itália e os Estados Unidos;

  • há em Cuba mais médicos por habitantes e mais professores de ensino primário por alunos que o conjunto desses países;

  • é igual a quantidade de partos atendidos pelo pessoal de saúde;

  • a porcentagem de crianças imunizadas contra as principais enfermidades é superior em Cuba;

  • a escolarização primária e secundária é semelhante e o número de anos de ensino obrigatório é o mesmo.

Se a comparação com os países mais ricos da Terra não bastasse para convencer quanto ao caráter iguali­tário da sociedade cubana, pode-se basear também na variação destes indicadores nas diferentes regiões do país. Se observadas as diferenças existentes nos principais indicadores sociais entre as cifras nacionais e provinciais, comprova-se que as va­riações entre máximas e mínimas para cada um dos indicadores anteriormente mencionados mostram-se pequenas, o que significa que essas médias nacionais não mascaram grandes diferenças regionais. Raramente os índices máximos revelado­res do melhor comportamento do indicador se encontram na capital: contrariamente aparecem com fre­quência em territórios que antes do processo revolucionário estavam en­tre os mais subdesenvolvidos do país.

Cuba enfrenta hoje o momento mais difícil de sua história. Sabe-se que as mudanças ocorridos nos anti­gos países socialistas do Leste europeu e da ex-URSS, repercutiram fortemente na economia cubana. Cerca de 85% do intercâmbio co­mercial cubano era desenvolvido com estes países, pelo que o país neste momento, além do recrudescimento do bloqueio exercido há mais de 30 anos pelos Estados Unidos, deve resistir aos efeitos de um segun­do bloqueio provocado por estas mu­danças internacionais.

A partir de setembro de 1990 co­meçou o chamado período especial em tempo de paz, processo de reajus­te ante esses acontecimentos, que exigem a máxima racionalidade e austeridade nas políticas econômicas e sociais, junto ao surgimento de nu­merosas iniciativas criadoras, muitas delas geradas pelo povo. Muitas das medidas que foram condicionadas pelo próprio período especial se in­serem em linhas estratégicas traça­das pela Revolução. Assim algumas delas têm contribuído para a acelera­ção das políticas instrumentadas no país em defesa do ambiente. Um exemplo disto são as medidas toma­das para enfrentar o boicote do petró­leo.

No que diz respeito a estas medi­das, o mais destacável é que se tem podido enfrentar a necessária redu­ção do consumo energético com fór­mulas que garantem a igualdade social e a participação popular, e com benefícios significativos inclu­sive do ponto de vista ecológico. Para diminuir o consumo doméstico de eletricidade não se aumentou o preço, o que teria afetado os setores de menor poder aquisitivo, mas esta­beleceu-se um limite máximo de consumo, com variações de acordo com a média de comportamento his­tórico. As famílias conheciam esta informação e podiam planificar a re­dução necessária do consumo.

Com o transporte se introduziu uma solução inovadora por sua massividade: o uso da bicicleta. Importaram-se centenas de milhares de bicicletas, foram readaptadas várias fábricas para produzi-las no país, e já se distribuiu quase um milhão de bi­cicletas a trabalhadores e estudantes. A proliferação de ciclistas de todas as idades é perfeitamente coerente com as políticas dirigidas durante anos para a saúde de todos, incluindo os programas de ginásticas para os idosos. Deste modo, as carências atuais de combustível, ainda que im­pliquem uma interferência na vida cotidiana, possuem também um efei­to positivo ao meio.

Outros exemplos deste caráter, que implica soluções coletivas e eco­logicamente valiosas são intensifica­ções do uso da medicina verde, a criação de áreas de alto consumo, inclusive em zonas residenciais aproveitando jardins e terraços, a uti­lização progressiva da tração animal na agricultura, da cultura de minho­cas e muitas mais.

Na solução alternativa ás dificul­dades do período especial, existe no país a possibilidade de utilizar um dos nossos mais importantes feitos: a qualificação técnica e científica do povo. Os frutos da inversão priorizada na formação de recursos huma­nos, são hoje significativos no país. Isto se expressa numa acumulação cultural, e se traduz, em resultados importantes da pesquisa científica com aplicação imediata à produção e com fórmulas que não agridam o meio.

Durante o período especial tam­bém se fez necessário buscar solu­ções alternativas na produção agro­pecuária, a partir da notável redução das importações de fertilizantes e pesticidas químicos e de ração para o gado. Foram colocados em prática aceleradamente alguns resultados das pesquisas científicas realizadas nos últimos anos, dos quais aqueles que mais se destacaram pelo seu va­lor ecológico e seu grau de generali­zação são o uso de biofertilizantes como o azotobacter, o rhizobium e a mycorrhiza; o desenvolvimento de controles biológicos de pragas e en­fermidades, sobretudo nos chama­dos Centro de Reprodução de Entomófagos e Entomopatogenos, dos quais surgiu num breve tempo, uma ampla rede no país; a busca de soluções para o alimento animal como aplicação do sistema de pasto­reio racional baseado na rotação dos pastos e sua fertilização natural pelo gado bovino, a elaboração de ali­mento natural a partir da cana-de-açúcar ou subprodutos da indústria açucareira, e outras soluções inova­doras cuja aplicação em todo o país é introduzida com particular rapidez uma vez comprovadas sua viabilida­de e conveniência.

No caso da indústria açucareira, principal renda industrial do país, avançou-se de maneira notável no tratamento dos resíduos e em seu aproveitamento no solo e na alimen­tação animal, além de outras aplica­ções, tais como a obtenção de novas fontes de energia, fertilizantes e a fabricação de papel.

O ritmo e a intensificação destas soluções só é possível pela acumula­ção de conhecimento. Sua convergência ecológica não é tampouco casual, responde a uma estratégia de­finida de desenvolvimento, que sou­be harmonizar o cuidado do meio com o progresso econômico social.

Uma proposta de ação

O potencial de investigação cien­tífica e de recursos humanos com que Cuba conta lhe permite traduzir em ações concretas sua disposição em colaborar, na medida de suas possi­bilidades com as Nações Unidas e demais organizações internacionais governamentais e não-govemamentais em programas de assistência am­biental e social a países do Terceiro Mundo. Uma primeira proposta, por­tanto, é o oferecimento de pessoal técnico em áreas tais como a saúde, educação, agricultura e proteção am­biental, entre muitas outras que poderiam ser planejadas, e a decisão de dedicar toda a cooperação possível na esfera da investigação científica onde Cuba possui considerável avanço.Não há dúvida de que a Conven­ção sobre Biodiversidade submetida a esta Conferência, assim como os passos posteriores que dela se deri­vam, constituem um valioso esforço encaminhado à proteção tanto da ri­queza atual e futura encerradas na biodiversidade, como o uso seguro e racional dos resultados da investiga­ção biotecnológica. Entretanto, pare­ce indubitável que nas atuais circunstâncias os países do Terceiro Mundo necessitam desenvolver e aprofundar sua cooperação nessas esferas. Essa é a razão pela qual Cuba tem considerado pertinente propor a criação de um fórum perma­nente do Sul sobre proteção e conser­vação da biodiversidade e sobre o acesso ao desenvolvimento das biotecnologias. O que se pretende com esta proposta era a criação de um mecanismo de consulta e conciliação de ideias e pesquisas, sem infraestrutura burocrática, capaz de dar aos países subdesenvolvidos a opor­tunidade de prosseguir o debate so­bre estes temas de significação tão vitais para eles, e de formar critérios comuns com vistas à Conferência das partes que se constituiriam uma vez ratificada a Convenção. Este fó­rum permanente poderia centrar a atenção de suas análises e questões, entre outras, como as seguintes:

  • o estabelecimento de um sistema comum de proteção legal sobre os recursos genéticos, que incluiria procedimentos apropriados de compensação pelo acesso a esses recursos;

  • a implantação de mecanismos comuns capazes de propiciar o acesso às biotecnologias desenvolvidas a partir dos recursos genéticos concedidos;

  • a capacitação de assessoria por parte dos países do Terceiro Mundo, que mostrem avanços maiores na esfera científica, incluídas a capacitação técnica de pessoal e o intercâmbio de especialistas em diversos ramos da ciência;

  • a fundamentação de critérios comuns sobre a defesa dos povos indígenas em sua identidade - suas formas de vida, cultura, idioma, tradição - e em sua sabedoria secular no inter-relacionamento vital com o meio ambiente;

  • a elaboração de mecanismos comuns de proteção contra a introdução no meio ambiente de organismos modificados que possam ser potencialmente perigosos;

  • a capacitação de assessoria jurídica para a proteção legal dos recursos naturais e dos resultados das pesquisas que se realizem nos países do Terceiro Mundo.

Junto a este sistema de consulta pode ser priorizado o estabelecimen­to de um centro para a conservação da biodiversidade dos países do Sul, no qual poderiam ter participação to­dos os países signatários do convê­nio sobre biodiversidade nesta Conferência e cuja sede deverá estar localizada num país possuidor de uma rica diversidade biológica. O Brasil, anfitrião eficiente e apropria­do desta reunião, seria sem dúvida uma boa escolha para este propósito, O objetivo principal deste centro se­ria a preservação in situ de diversos ecossistemas e a conservação ex situ de recursos genéticos tropicais.

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Nos 20 anos transcorridos desde a primeira reunião sobre o meio am­biente em Estocolmo, a população mundial cresceu em 1,6 bilhão de habitantes, 80% deles no Terceiro Mundo; a pobreza extrema se esten­deu a mais de um bilhão de seres humanos; a fome alcançou dimen­sões nunca vistas; as enfermidades infecciosas e carências afetaram cen­tenas de milhões de pessoas. Nesse período morreram no Terceiro Mun­do cerca de 250 milhões de crianças menores de 5 anos e 10 milhões de mulheres por causas relacionadas com o parto. Durante esses anos, o mundo perdeu 480 milhões de tone­ladas métricas da camada agrícola do solo; foram arrasados 300 milhões de hectares de bosques; os desertos se expandiram em mais de 120 mi­lhões de hectares; a produção per capita de alimentos se estancou ou decresceu no Terceiro Mundo; con­taminaram-se ou esgotaram-se incontáveis fontes de água; dezenas de milhares de espécies animais e vege­tais se extinguiram.

Planeja-se hoje estabelecer um sistema global de segurança ambien­tal com o engajamento e participação de todas as nações. Muito se tem falado em acordos políticos e milita­res sobre a segurança global. Cria­ram-se para esse fim gigantescas forças militares; tem-se sacrificado, com esses interesses, milhões de in­teligências e o peso fundamental da investigação científica ao nível mun­dial; tem-se dilapidado recursos es­senciais necessários para enfrentar um desastre econômico e social do mundo subdesenvolvido cujos resul­tados políticos, sociais e ecológicos eram previsíveis. Nas condições atuais, a partir das quais se criou um clima real de paz e distensão interna­cionais, a segurança global repousa­ria na proteção da natureza, que cabe a todos nós, e a solução efetiva do subdesenvolvimento e da pobreza no Terceiro Mundo. A humanidade pode ainda deter e inverter o destru­tivo processo de agressão contra o meio ambiente. Cabe perguntar, en­tretanto, de quanto tempo dispõe. Se continuarem as tendências atuais, nos próximos 40 anos a população mundial se duplicará, o clima terá sofrido alterações profundas e irre­versíveis, os bosques tropicais praticamente terão desaparecido; imensos desertos, terras estéreis e degradadas substituirão a grande parte das que hoje servem para o trabalho ou a criação de gado; a água pura será uma raridade ou quase im­possível em imensas regiões; a fome se estenderá incontrolável e irremediavelmente.

Há os que por razões políticas e econômicas minimizam a gravidade destes problemas. A insensível atitude assumida anos atrás pelos que pretenderam esconder-se na posição privilegiada derivada da opulência, do desperdício e do consumismo, conduziram a humanidade á encru­zilhada em que se encontra. Se não forem tomadas a tempo medidas concretas e efetivas, ao homem res­tará não mais que um futuro incerto, no qual estarão unidos e igualados, diante da ameaça à sua existência e ausência de perspectiva , os desen­volvidos e ricos e os pobres da Terra.

É necessário, sem dúvida, uma inequívoca vontade política para so­lucionar esta crise. São necessários ainda enormes recursos financeiros que existem e podem ser obtidos nas atuais condições internacionais. Nos últimos 20 anos, o mundo desperdi­çou mais de 13 trilhões de dólares em gastos militares. Ainda em 1991, ter­minada a guerra fria e os perigos do confronto entre as grandes potências, o gasto militar alcançou quase 1 tri­lhão de dólares. Aí estão os recursos para o financiamento destes progra­mas.

O êxito desta Conferência se me­dirá pelas ações que delas resultem. Representamos a humanidade, esse dever moral, essa obrigação política, essa responsabilidade excepcional e histórica, exige decisões, medidas concretas e um compromisso que não é possível adiar.

Fidel Castro Ruz

Tradução pelo Jornal INVERTA da Mensagem oficial apresentada à Conferência das Nações Unidas Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento no Rio da Janeiro, em Junho de 1992.

Fonte: Prensa Latina

Publicado na edição do Jornal INVERTA, (Julho/92 - Ano II – nº 5)