Profundos laços possibilitaram a união entre estudantes e Revolução

NA AULA INAUGURAL DA UNIVERSIDADE, FIDEL AGRADECE A HOMENAGEM PELOS 50 ANOS DE SUA VIDA REVOLUCIONÁRIA. DISCURSO DO PRESIDENTE FIDEL CASTRO NA AULA INAUGURAL DA UNIVERSIDADE DE HAVANA EM 4 DE SETEMBRO DE 1995. COMENTA A SITUAÇÃO DA FACULDADE DE DIREITO, ONDE INICIOU, SUA VIDA REVOLUCIONÁRIA (TAQUIGRAFIA DO CONSELHO DE ESTADO)

Caros amigos,

Antes de tudo, devo pedir desculpa pelo calor olímpico que temos esta noite aqui na Aula Magna. Em 35 anos de Revolução, nada conseguiram para ventiladores nem para ar-condicionado nem para nada. (Risos) . Não sei se é falta de arquitetos ou falta de recursos, ou se é que a arquitetura não o permite. Mas vocês têm de inventar alguma coisa, porque se é verdade que a atmosfera está esquentando, e parece ser verdade, não sei como vão continuar realizando cerimônias nesta Aula Magna da Universidade.

Por generosidade, vocês uniram a data do início deste ano letivo com o dia aproximado, talvez uns dias mais tarde, em que se completam 50 anos de meu ingresso nesta universidade. Vocês têm certeza de que não se enganaram? (Risos)

Hoje é um dia privilegiado para mim, embora seja um dia árduo, pois tivemos reunião do Congresso Nacional o tempo todo, embora me fizessem percorrer o inferno da escola de Direito, muito bem reparada, mas sem nenhuma janela aberta. Delio, você não tem nada com isto, o seu é a História. E o fulgor de todos os acompanhantes, não deixa dúvida que nos transmite a sensação de termos a energia necessária para cumprir esta delicada missão que vocês me deram de dirigir-lhes a palavra na noite de hoje.

Eu disse privilégio, porque isto só pode ser considerado um privilégio. São coisas que nunca se podem imaginar: que um dia, 50 anos depois, no meio de uma Revolução, inclusive num momento difícil da Revolução, no meio de um Período Especial, se produziria este encontro.

É possível que os pais de muitos de vocês ainda não tivessem nascido há 50 anos, de maneira que estou reunido, podemos dizer, com os netos daquela geração que ingressou na universidade em 1945. Nem sequer uma imaginação fértil poderia conceber uma coisa assim. Foi um privilégio ingressar nesta universidade também, sem dúvida, porque aqui aprendi muito, e porque aqui aprendi talvez as melhores coisas de minha vida. Aqui descobri as melhores idéias da nossa época e de nossos tempos, aqui me tornei revolucionário, aqui me tornei martiano e aqui me tornei socialista. Primeiramente, socialista utópico, graças às conferências daquele professor que mencionávamos anteriormente, Delio, que dava aulas de Economia Política e de Economia Política capitalista, tão difícil de compreender e tão fácil de descobrir sua irracionalidade e suas coisas absurdas. Por isso, fui primeiramente socialista utópico, embora também graças aos contatos com a literatura política, aqui na universidade e na Escola de Direito, me convertesse ao marxismo-leninismo.

Nesta universidade vivi momentos difíceis, muito difíceis, tão difíceis que é uma verdadeira sorte, até, ter sobrevivido àqueles anos universitários. Travei lutas muito duras, com toda a persistência e toda a decisão necessárias, até que depois vieram outros anos e outras épocas.

QUE SABIA EU DE POLÍTICA NAQUELA ÉPOCA?

Devo dizer que quando ingressei na universidade, sabia muito pouco de política, muito pouco. Que sabia eu de política naquela época? Do que mais me lembro é de que tive um irmão ou um meio-irmão, proposto para deputado pelo Partido Autêntico, lá na província de Oriente. Lembro-me que naquele momento, eram 42 deputados por Oriente, e que cada partido tinha seus candidatos. Eu devia ter uns 14 anos e estava ensinando a votar, andava por lá com umas cédulas percorrendo as choças e as casas de Birán, ensinando a votar por Pedro Emilio Castro. Não recordo o número exato dele, mas eu tinha de dar explicação àquela gente, que era quase toda analfabeta, o lugarzinho, o partido e tudo, onde tinha de fazer, a cruz.

Mas não pensem que eu era revolucionário, aos 14 anos ou que eu era político aos 14 anos e que tinha feito uma opção política determinada, senão que o outro era meu irmão e me tinha oferecido um cavalo se ganhasse as eleições.(Risos) Na realidade foi uma campanha (sim, sim, isso foi por volta de 1939) muito pouco desinteressada que eu fiz. Mas ele me falava, ele tinha aquela amabilidade de me cumprimentar; os garotos gostam sempre que os cumprimentem, que os considerem. E deu-me aquela tarefa que eu estive realizando até o dia das eleições. E todo o meu esforço veio abaixo, chegou a guarda rural e não deixou ninguém votar.

Talvez eu tenha de corrigir o ano, creio que foi antes. Teria de recordar em que eleições foi. Talvez eu não tinha 14 anos quando fiz aquela campanha eleitoral. E Pedro Emilio ficou como primeiro suplente entre os deputados daquele partido. Teria sido uma questão de sorte, se por acidente morresse algum daqueles deputados e Pedro Emilio chegasse à Câmara e cumprisse a promessa do cavalo. Vocês podem imaginar (talvez alguns não, mas os que são do campo, os que moram no campo, sim) o que significa fazer uma promessa como essa que me fizeram a mim. Creio que era árabe, não sei, ele me prometeu tudo naquela campanha. Era minha primeira experiência política.

E as eleições foram resolvidas à força, porque ali, realmente, os autênticos tinham ampla maioria. Chegaram os soldados, organizaram duas filas, os eleitores a favor do governo de um lado e os que estavam contra o governo do outro os primeiros votaram, mas os outros, não. Isso foi em todas as escolas daquela zona, sobretudo no campo. Assim faziam as eleições e assim foram as primeiras que conheci.

Lembro-me da grande amargura que senti quando vi agredirem, maltratarem, subjugarem as pessoas. E assim presenciei a primeira grande farsa política, as eleições fraudulentas que eu tive oportunidade de ver.

Depois, nas eleições presidenciais, acontecia o mesmo. E assim, em 1940, Batista chegou à presidência da República. Batista era realmente o homem truculento, do abuso da autoridade. Os militares eram reis, estavam à serviço das grandes companhias, dos grandes latifúndios, dos grandes interesses, recebiam privilégios, prebendas de todo tipo.

No campo, havia um abuso tremendo, era incrível que se pudesse manter durante tanto tempo uma situação como aquela, com os guardas rurais daquele exército criado após a dissolução do Exército Mambí, com farda norte-americana, espada norte-americana, fuzil norte-americano. Os cavalos vinham do Texas. E assim impunham o terror nos campos do nosso país, razão pela qual se explica aquela fatal situação dos camponeses e dos trabalhadores agrícolas que passavam tome, viviam desempregados a maior parte do tempo.

Eu tive oportunidade, naqueles tempos de garoto, de conviver com todas aquelas famílias muito pobres. Eram os amigos com quem nos juntávamos, com quem brincávamos. Pensei muito nisso ao longo de minha vida, ao recordar a infância. Talvez essas tenham sido pelo menos algumas imagens, algumas lembranças, algumas impressões que foram criando certo sentimento de simpatia e de solidariedade por aquela gente.

Durante minha vida, as circunstâncias especiais do lugar onde nasci, o trabalho de meus pais, me levaram a tomar decisões. Talvez não acreditem se lhes disser que a minha primeira decisão foi tomada ao entrar na primeira série. Tive, então, de obrigar uma família que tomava conta de mim ou me hospedava lá em Santiago de Cuba, a me levar para o Colégio de La Salle, como aluno interno (eu estava como externo), de maneira que entrei ao colégio como interno na primeira série.

Na quinta série tive de tomar outra decisão e abandonar aquela escola, sobretudo devido aos abusos que os professores cometiam, por terem usado violência física contra mim. Obrigaram-me também a fazer uso da violência contra aquele inspetor — cujo nome não quero dizer. Para quê? se essas coisas pertencem ao passado — e tive de me rebelar e brigar quando estava na quinta série, no primeiro trimestre do ano letivo.

Daí fui para o Colégio Dolores. Ali passei trabalho — não se trata de fazer história sobre tudo isso. Apesar de que tinha chegado a uma escola melhor, pude, mais ou menos, cumprir com as exigências dela. E novamente me matricularam como aluno externo, não interno, de maneira que tive de travar, um pouco mais tarde, uma terceira batalha para me colocarem como interno.

Estive lá até a segunda série do segundo grau — este já tinha passado para cinco anos; eram quatro — e dali decidi ir sem conflitos para o Colégio de Belém, o melhor que os jesuítas tinham no País. A ideia atraiu-me, sentia-me mais satisfeito com a disciplina dos jesuítas e seu comportamento em geral.

Então, eu tinha muita atividade esportiva. Como gostava de escalar montanhas desde criança, sempre que havia excursões a El Cobre ou a outro lugar, eu desaparecia para tentar escalar algumas das montanhas que via no horizonte. Se havia aguaceiros torrenciais, eu atravessava os rios transbordados. Eu gostava de todas aquelas aventuras. Era uma modalidade que eu praticava. Os professores eram tolerantes, às vezes eu chegava tarde, eles atrasavam duas horas o ônibus e não havia problema.

Desde que entrei ao colégio Belém, tive facilidade para atividades esportivas e também para escalar montanhas. Era bom estudante? Não, não era bom estudante. Devo começar por dizer a vocês que não posso me apresentar a esta geração como bom estudante. Ia às aulas, é verdade, e como lhes contou hoje o professor Delio, insatisfeito, porque ele gostaria que eu tivesse sido um modelo em tudo, o professor estava em minha sala de aula por aqui e eu estava com a mente em outra coisa. Expliquei que eu estava ali sentado com os outros garotos. O professor explicava uma matéria e eu estava pensando, sabe-se lá em quantas coisas, ou em montanhas ou em jogar ou em qualquer das coisas que os rapazes e as moças, às vezes pensam.

Depois, tornei-me um estudante finalista, que é a pior recomendação que sé poderia dar a qualquer um. Agora, era um bom finalista. Acho que nisso talvez pudesse competir com Ana Fidelia nessa última corrida em que ganhou o campeonato do mundo, porque os outros iam a frente e eu, no fim, eu empregava todo o tempo ao estudo: recreio, almoço, jantar, como autodidata.

Contei ao professor que até Matemática, Física, Ciências, eu as estudava por minha conta quando chegava o fim do ano letivo e obtinha boas notas, muitas vezes melhores que as dos melhores alunos. Esse era o meu esforço final. Os professores jesuítas me aplaudiam muito na época do campeonato; me perdoavam tudo e me criticavam no fim do ano, quando escreviam para minha casa advertindo sobre um fracasso seguro no ano.

Nunca me esqueço de um professor enérgico, era inspetor. Foi ele quem me chamou uma vez e chamou um homem que me representava aqui ou representava meu pai, e disse que eu ia perder o ano. Não me lembro se foi o segundo ano dos três que passei naquela escola. Deu queixa. Eu observei, como ele fazia isso sempre. E me lembro que um dia, ao sair do refeitório, aquele inspetor severo me perguntou: Sabes quanto tiveste em Física? — com um sotaque espanhol.

Eu fiz cara de bobo e pensei: Alguma coisa deve haver para ele me vir com esta pergunta. E lhe disse: — Não! E ele expressou — 100! O melhor da escola tirou 90... o homem brilhante daquela escola ficara com 90! Não sei bem se o exame era na escola ou no instituto.

Também houve uma cadeira, Geografia de Cuba, em que de todos os alunos, só um obteve 90 e coube-me a mim essa honra. Todos os outros tiveram menos. Houve uma grande polêmica da escola com o instituto, como era isto, como era aquilo, que livros, que textos... Enfim. Bem, e Castro, por que livro estudou? Que fez Castro? Eu estudara pelos mesmos livros que os outros, só que lhes acrescentava coisas da imaginação. (Risos) Não inventava um cabo nem uma baía, nem um rio, mas acrescentava ao exame sempre alguma coisa da minha cabeça. Ou por alguma razão gostaram do meu exame e deram-me 90. Essa maneira de ser é que eu lhes recomendo que não sejam nunca: finalistas.

Não conseguiram inculcar-me o hábito de estudar todos os dias e admitiam tudo pelas medalhas esportivas. Tratavam-me melhor que a equipe nacional. As críticas eram no fim. Realmente, não me ensinaram a estudar todos os dias.

O colégio era de jesuítas; como estava dizendo, eram espanhóis. Fazia dois ou três anos que a República Espanhola tinha sido derrubada; um dos professores ou dos responsáveis pelos estudantes, que era bom amigo meu, me contava como eram os fuzilamentos depois da guerra. Ele era trabalhador sanitário e contava longas histórias da quantidade de prisioneiros que fuzilaram na Espanha, quando acabou a guerra civil. Realmente, era revoltante. Ele contava isso como a coisa mais natural do mundo, não dava opinião, mas era dramática a história que contava de tudo o que lá aconteceu.

Logicamente, as posições dele eram conservadoras, eram de direita, embora a escola, tecnicamente, fosse em muitas coisas uma boa escola, mas com todo o ensino dogmático. Não devemos esquecer que tivemos de ir à missa e estudar história sagrada. Quase, quase a única coisa, Delio, em que eu poderia competir com você seria, em História Sagrada, porque todos os anos tínhamos curso... primeira série, na segunda... tivemos sempre o ensino dogmático, o ensino absolutamente dogmático. Em geral, havia alguns laboratórios, algumas pesquisas, algumas coisas. Mas eu penso que esse sistema de ensino tinha de ser revolucionado, porque não ensinava a pensar realmente. Era preciso acreditar nas coisas, mesmo que não fossem compreensíveis. Não acreditar era pecado digno do inferno.

Sem intenção de criticar, na verdade não tenho qualquer intenção de fazer críticas àquela escola. Apenas estou explicando que o tipo de ensino recebido estava muito afastado do que se toma como ideal do ensino para qualquer jovem.

De resto, a vida ia bem para mim na escola devido aos jogos, às explorações, às excursões, a todas essas coisas. Tinha boas relações com os outros rapazes, excelentes relações. Observei isso no dia em que acabou o curso, pela maneira em que receberam o momento quando me entregavam o diploma de bacharel na escola.

Eu não imaginava que tinha tantos amigos na escola. Creio que era o resultado do tipo de relações que tinha com os demais, sem fazer política, nem nada. Mas quando eu entrei na universidade, que podia saber de política?

Que tinha trazido da escola, que tinha trazido de minha casa, que tinha trazido? Um profundo sentido de justiça, uma ética determinada que se vai adquirindo. Essa ética deve ter preceitos cristãos, inevitavelmente, a que uma pessoa aprendeu de uma maneira ou de outra, a que se aprendeu lutando contra injustiças desde muito cedo, lutando contra abusos desde muito cedo, e indiscutivelmente, de um temperamento ou de um caráter rebelde, por assim dizer. Reagia, jamais me resignava ao abuso e à imposição das coisas pela força.

NO FINAL DE 1945 ESTÁVAMOS VIVENDO UMA DAS PIORES ÉPOCAS DE NOSSA HISTÓRIA

Quando cheguei nesta universidade, nos finais de 1945, estávamos vivendo uma das piores épocas da História de nosso país e uma das mais decepcionantes. Estava-se vivendo, realmente, os restos de uma Revolução frustrada, que foi a Revolução de 1933, onde teve lugar uma verdadeira Revolução porque a luta contra Machado tornou-se uma revolução.

Alguém mencionava hoje o 4 de setembro, como se diz, data azarenta porque nasceu o «batistato». Não, o 4 de setembro não foi uma data infausta, o 4 de setembro foi uma data revolucionária. Hoje, não temos porque envergonhar-nos de começar o ano letivo, porque todos os sargentos se revoltaram, simplesmente, contra todos os chefes comprometidos. Muitos revolucionários participaram daquele movimento e participaram os estudantes, inclusive, naquele movimento que desalojava do poder toda aquela velha oficialidade do Exército. Visto assim, Batista começa sua vida numa atividade que era revolucionária, os problemas vêm depois quando interferem os ianques, se intrometem na política interna de Cuba e convertem Batista num instrumento de seus interesses neste país. Formou-se um governo, primeiramente uma pentarquia, depois foi presidido por Ramón Grau San Martin, professor universitário de Fisiologia, que tinha tido muito boas relações com os estudantes. Nomeiam um gabinete onde estava Antônio Guiteras num cargo muito importante e são adotadas uma série de medidas revolucionárias naquele governo que apenas durou três meses. Medidas de tipo operárias, medidas com relação, por exemplo à empresa elétrica. Foi nacionalizada, acho, a companhia elétrica, uma coisa da qual se esteve falando muito tempo depois, e realmente, se formou um governo revolucionário que aplica uma série de leis, até que o imperialismo, utilizando seus instrumentos, desaloja aquele governo do poder e é quando se inicia a etapa dos governos com Batista atras dos bastidores; isto é, ele tirava e punha governos, e manteve o poder durante 11 anos, até 1944.

Cometeu abusos de toda classe, crimes de toda classe, roubos de toda classe! Nem se sabe quanto roubou aquela gente. O País foi saqueado! Ele era o homem dos ianques.

Aquela revolução se frustrou. Depois vieram grandes lutas» Veio a greve de março de 1935, uma tentativa de derrubar o governo. Foi reprimida a sangue e fogo pelo governo de Batista, pelos militares. Semearam o terror na cidade e em todo o País e frustraram a Revolução. Nem se sabe as sequelas de uma revolução frustrada, embora o processo político continuasse.

Depois, veio uma situação internacional complicada: o auge do fascismo; Hitler adquiria um tremendo poder na Europa e se armava até os dentes; na URSS continuava a política dos expurgos, onde se cometeram todo gênero de abusos e de crimes. É claro, todas essas coisas foram muito melhor conhecidas depois, pelas denúncias de Khruschov no ano cinquenta e tanto, depois da morte de Stálin. Praticamente esfacelaram o Partido, esfacelaram as Forças Armadas, esfacelaram tudo e contribuíram para criar as condições mais adversas quando chegou o momento da guerra, se excetuarmos o grande esforço da industrialização.

aquela época, também funcionava a Internacional Comunista, Komintern, que traçava a política de todos os partidos comunistas do mundo. Foi quando lançaram a palavra de ordem da frente ampla, diante do perigo do fascismo, política à que aderiram todos os partidos comunistas, com grande disciplina; diríamos que com exemplar disciplina o que criou nova situação.

Batista começou a se declarar também antifascista e concordou com a criação da Frente Ampla: o Partido Comunista participa dessa política de Frente Ampla, cumprindo disciplinadamente, e não estou fazendo um julgamento histórico, nem criticando.

Talvez caiba a pesquisadores e a historiadores analisarem, nesse quadro e noutras circunstâncias, se era possível outra alternativa, mas, ainda que externamente, resultava uma política indiscutivelmente correta, pois o que permitiu o acesso ao poder de Hitler na Alemanha foi a divisão da esquerda alemã; entre a social-democracia e o Partido Comunista Alemão, abrindo as portas de par em par a Hitler, para este fazer o que faria depois. Isto é, uma política anti-hitlerista tinha que começar muito antes. Mas em Cuba coube a um partido marxista-leninista se aliar a um governo sangrento, repressivo e corrupto, como o de Batista.

Digo isso, porque esse fato teve consequências posteriores, segundo minha opinião, no futuro do País. Enquanto o Exército reprimia camponeses, reprimia operários, reprimia estudantes, o Partido era obrigado, pelos compromissos internacionais, a ser aliado desse governo; ainda quando se deva dizer que, realmente, foi incansável na defesa dos interesses dos trabalhadores.

Todos as greves, as batalhas fundamentais que se travaram naquele período, pelos salários, pela melhoria das condições de vida da população, foram feitas, realmente, pelo Partido Comunista e pelos líderes operários comunistas com grande lealdade, com dedicação total; mas grande parte do povo era antibatistiano, grande parte do povo rejeitava os abusos, os crimes e a corrupção. Essa contradição levou, logicamente, a que muitos jovens, pessoas com sentimentos revolucionários e gente de esquerda, deixasse de olhar com simpatia o partido marxista-leninista cubano. Essa é a realidade histórica objetiva.

Acabou a guerra. E depois da guerra contra o fascismo começou a guerra fria, a luta contra o socialismo por parte do imperialismo, que tinha surgido com enorme poder daquela guerra, muito mais riqueza, quase todo o ouro do mundo ele tinha conseguido. E começou a guerra fria.

Esse momento coincide com a mudança de governo em Cuba: Batista perde para Ramón Grau San Martin nas eleições presidenciais de 1944. Esse povo teve a ilusão de que finalmente tinha chegado um governo popular, um governo quase revolucionário, poderia se dizer: mas aquela força já tinha sido submetida à erosão da política, da politicagem e da corrupção.

Uma das maiores frustrações de nosso país foi a que começou a ocorrer poucos meses depois de tomar o poder o governo de Grau. Naturalmente, naquela época, todos se chamavam revolucionários. Todos que tinham lutado contra Machado, todos que tinham participado dos fatos de 1933, que tinham estado numa greve política, noutra, e em todas aquelas lutas durante esses anos se chamavam revolucionários e tinham o poder. Bem, o governo era dos políticos, mas havia muitas pessoas que procediam daquelas fileiras, que se chamava de revolucionárias.

Entrei na universidade um ano depois do triunfo de Grau; quando já começavam os protestos por todo lado, pelos negócios sujos, pelas negociatas. Na Universidade havia natural efervescência; muitos dos que estavam naquele governo foram do Diretório Revolucionário. Eram ministros. Existia enorme confusão.

Quando cheguei à Universidade com minha ignorância, para os comunistas, eu era um personagem estranho, porque diziam: «Este cara, filho de latifundiário e formado no Colégio de Belém, deve ser a coisa mais reacionária do mundo». Para os poucos companheiros comunistas que ficavam na universidade, eu era algo que assustava. Havia poucos, muito bons, muito lutadores, muito ativos, porem tinham de lutar em condições desfavoráveis.

Já a repressão começava a virar contra eles, porque paralelamente à guerra fria, começara a repressão contra os comunistas, começavam a marginalizá-los. Toda uma campanha, toda uma propaganda, uma campanha e uma propaganda anticomunista feroz em toda a mídia: rádio e jornais — não existia a televisão naquela época —, martelando contra o comunismo em todos os sentidos. Muitos de seus dirigentes operários mais capazes e abnegados foram assassinados mais tarde.

O sentimento anti-imperialista tinha se enfraquecido muito e em nossa universidade, que antes fora baluarte do anti-imperialismo — da época de Mella e da época de Villena, da época do Diretório, na etapa da luta contra Batista —, esse sentimento anti-imperialista já tinha desaparecido. Fui testemunha disso. Eu falava com colegas de todos os cursos, de Direito, de todas as faculdades e raras vezes se ouvia alguém expressar um sentimento anti-imperialista.

A universidade virou um baluarte nas mãos do governo de Grau as autoridades, os organismos judiciários nacionais, a polícia judiciária, a política secreta, o serviço de investigações de «atividades inimigas» — não me lembro exatamente como se chamava—, a Polícia, todas essas instituições estavam nas mãos do governo de Grau. O Exército era uma coisa à parte, para repressões maiores, se por acaso, fosse deflagrada uma grande greve; mas quem se ocupava dessas atividades era a Polícia. Na universidade existia uma polícia totalmente controlada pelo governo.

Dessa forma, meus primeiros meses na universidade foram compartilhados um pouco com o esporte, porque eu queria continuar jogando; e me iniciei em atividades políticas. Mas não era uma política que ultrapassasse ainda o recinto da universidade: era política interna.

Então, me auto candidato monitor pela cadeira de Antropologia. Essa era uma matéria especial, porque com ela se podia ajudar os estudantes de diferentes formas, com informações sobre os dias das práticas, com avisos sobre dias de laboratório e exames, porque havia muitos estudantes que não frequentavam a universidade. Estavam matriculados mas não assistiam. E também organizei a candidatura da primeira série. Muitos alunos da segunda série, do terceiro, ano, já estavam querendo captar-nos para poder obterem maioria, porque, então, os monitores das diversas cadeiras de uma série elegiam o monitor da série e os da série elegiam o representante da escola de Direito. Foi assim.

Comecei nessas atividades no primeiro ano. Claro, tinha que compartilhar isso com o esporte. Não passou muito e foi demonstrado que eram irreconciliáveis o tempo que tinha que dedicar ao esporte e o que tinha que dedicar às atividades políticas. Indiscutivelmente, me inclinei pelas atividades políticas, de maneira total, organizando a candidatura, apoiando, buscando apoio entre os estudantes. Trabalhamos bem. Deparamo-nos pela frente com alguns politiqueiros que eram donos daquilo, mas nossos métodos de trabalho deram resultado.

Recordo que no dia das eleições, foram votar mais de 200 alunos. Eu obtive 181 votos e meu adversário só 33. Nosso partido venceu em todas as cadeiras. E todos os monitores da primeira série completa — como foi na última eleição? votaram unidos; a maioria venceu e me elegeu então, monitor da série. Aí está escrito que depois me elegeram tesoureiro da escola. Realmente, se me elegeram tesoureiro da escola de Direito, não tinha nem nunca tive um só centavo. Assim que seria um cargo honorífico: tesoureiro de nada. Assim começou, esse foi o primeiro ano.

Já começava a me destacar. Começavam a reparar em mim e, ao mesmo tempo, o processo de descrédito do governo já avançava aceleradamente e nós estudantes, começamos a realizar manifestações contra aquele governo.

uase coincidindo com essa etapa, se produz a revolta de Eduardo Chibás, com os do Partido Ortodoxo (P.O.), que termina se rachando, surgindo o Partido do Povo Cubano Ortodoxo, como resposta à frustração que significou o governo de Grau e nós já realizávamos manifestações contra o governo. Aqueles dirigentes da universidade tinham espaços, tinham privilégios, tinham cargos e tudo no governo; todos dispunham dos recursos do governo.

MINHA LUTA TORNA-SE MAIS COMPLICADA NO SEGUNDO ANO

Desta maneira, minha luta torna-se mais complicada no segundo ano, quando a escola de direito se torna decisiva para a eleição da Federação de Estudantes Universitários (FEU). Então, fiz o mesmo trabalho na segunda série. Continuei trabalhando na segunda e na primeira. Fizemos a mesma política. Mas devo dizer que na segunda série, os adversários não conseguiram se candidatar, não encontraram ninguém para disputar. Essa é a verdade. E, na primeira série, com um método de trabalho semelhante, obtivemos outra vitória esmagadora. Já tínhamos as duas séries mais numerosas da escola de Direito. E foi aí que o governo se empenhou em manter a FEU de qualquer forma, querendo, primeiro, conquistar-nos e, depois, intimidar-nos.

Na escola de Direito, nesse segundo ano, nessa segunda eleição, nem todos meus adversários na escola, eram pró-governo. Tinham força e havia por isso certa divisão de forças. O resultado podia ter sido diferente, mas um dos indivíduos, da quarta série, como havia cinco séries e ele tinha um voto, este se tornou decisivo e ele foi eleito representante da escola. Embora de caráter fraco, estava comprometido a votar na FEU contra o candidato do governo. Acho que eu estava atuando um pouco precipitadamente e com muita paixão dentro da luta interna da escola, porque com um pouco mais de experiência, teria procurado alguma fórmula para eleger alguém mais capaz e leal dentro dos adversários, que ainda não estavam muito definidos numa posição ou noutra, mas que não fosse necessariamente da situação. Por isso estiveram divididas as séries superiores e inferiores. Com a divisão surgiu um indivíduo que tinha o compromisso solene de votar contra o candidato do governo na FEU. Esse indivíduo não cumpriu o compromisso de votar na FEU pela oposição ao governo. E então, nos vimos obrigados a destituí-lo. Simplesmente, reunimos uma maioria de quatro e o destituímos, porque os quatro candidatos, o de primeira, o de segunda, de terceira e o de quinta séries coincidíamos na questão da candidatura da FEU.

A escola de Direito tornou-se assim o polo da discórdia e o voto decisivo na universidade.

Devemos dizer que naquela época e em consequência de uma revolução gorada — como expliquei anteriormente — no País, havia uma série de facções chamadas revolucionárias, muito divulgadas pela mídia e geralmente aceitas por importante parte da opinião pública, todas por algum antecedente, porque tinham estado nisto ou naquilo. Surgiram assim uma série de grupos que começaram como grupos revolucionários. Todos estavam com o governo, embora tivessem certas rivalidades entre si.

Eu estava só na universidade, absolutamente só, quando de repente, naquele processo eleitoral universitário, me vi diante de toda aquela máfia que dominava a universidade. Ela estava decidida a impedir a todo custo a perda da universidade: como eu disse, o governo controlava a reitoria, a polícia universitária, a polícia da rua, tudo. E decidiu que aquela destituição não era válida, com o argumento simplista de que nos estatutos não se falava de destituição,apesar de ter havido antecedentes importantes em sentido contrário, aceitos pelas mesmas autoridades. Mas elas decidiram na reitoria que não era válida a destituição do presidente da escola de Direito. Portanto, esse era o voto que decidia se a universidade continuava nas mãos do grupo que apoiava o governo ou se ficava nas mãos da oposição. Essa é a história.

Aquilo traduziu-se para mim numa infinidade de perigos, porque o ambiente que eu observava na universidade, desde que cheguei, no primeiro ano — embora ainda fosse sustentável, ninguém se ocupava de nós — era um ambiente de força, de medo, de pistolas, de armas. E este grupo que dominava a universidade estava estreitamente vinculado ao governo, tinha todo o apoio do governo e todos os recursos e armas do governo.

Em que sentido eu penso que me pude ter precipitado um pouco? Talvez eu devesse prolongar um pouco mais aquela luta ou aquele enfrentamento. Mas não pude suportar as tentativas de intimidação, de ameaça e entrei em luta aberta com todas aquelas forças, em luta aberta, sozinho. Devo dizer que foi sozinho, porque não tinha nada, não tinha organização para enfrentar aquilo, não tinha um partido que me desse apoio, por isso foi a minha rebelião contra aquele intento de avassalar a universidade, de impor-se pela força na universidade.

Escreveram-se vários artigos acerca daqueles anos que passei na universidade. Os companheiros buscaram materiais, datas, tudo. Eu não estou muito satisfeito com os artigos, mas respeito a liberdade de publicá-los. E estão bastante bem, há muitas coisas, mas há muitas omissões, em geral, sobre aquela situação.

AS AMEAÇAS ERAM MUITO FORTES, AO SE APROXIMAREM AS ELEIÇÕES DA FEU

Não vou tentar contar agora uma história pormenorizada dos fatos. Mas sei que as pressões físicas eram muito fortes, as ameaças eram muito fortes, ao se aproximarem as eleições da FEU. E chegou o dia em que me proibiram de entrar na universidade. Não pude voltar à universidade.

Creio que Luís Báez Delgado escreveu um artigo por aí que diz que eu fui para uma praia pensar se voltava ou não, que finalmente voltei, diz Luisinho, mas não disse se regressei ou não armado.

Contei isso mais de uma vez aos amigos. Não só fui para uma praia meditar, mas também chorei. Com meus 20 anos, chorei, não por me terem proibido de entrar na universidade, mas porque de qualquer maneira voltaria à universidade. Eu não sei quanta gente era, uma pandilha, todas as autoridades, tinham tudo... e decidi voltar, mas voltei armado. Pode-se se dizer que se tratava do início da minha peculiar luta armada, porque a minha luta armada naquelas circunstâncias era quase impossível. A um amigo mais velho e com determinados antecedentes antimachadistas e antibatistianos, pedi que me arranjasse uma pistola. Ele conseguiu uma Browning com 15 tiros. Sentia-me super armado com uma Browning de 15 tiros, porque era bom atirador. Isso se deve ao fato de ter estado no campo e ter utilizado muitas vezes os fuzis de minha casa sem autorização de ninguém, assim como os revólveres e todas as armas possíveis e casualmente me tornei um bom atirador.

Agora, por que chorei? Chorei, porque pensava que tinha de me sacrificar de qualquer jeito. Porque depois da luta que eu travara na universidade, com o apoio dos estudantes universitários, com o apoio da escola, com um apoio grande, quase total — refiro-me aos alunos do meu ano e dos anos que vinham depois, além dos alunos de outras escolas — como podia aceitar a proibição de voltar à universidade? Tomei a decisão. Arranjei uma arma porém me entristecia pensar que talvez ninguém reconhecesse o significado daquela morte. Talvez os próprios inimigos escreveriam a versão do que acontecesse. Mas eu estava decidido a vir e não só a vir, mas também a vender caro minha vida. Não saberíamos quantos adversários teriam de pagar comigo o preço daquele encontro. E decidi voltar. Realmente, não hesitei um segundo.

O que impediu que eu morresse nesse dia? Realmente, este amigo tinha outros amigos e havia várias pessoas, várias organizações e bastante gente armada por toda a parte. Alguns eram rapazes novos, valiosos, valentes e ele tomou a iniciativa. Este era um amigo que tinha muito boas relações com os estudantes e disse: «Você não pode se sacrificar assim.» E convenceu sete ou oito a virem comigo. Pessoas que eu não conhecia, que conheci nesse dia. E digo que eram excelentes. Conheci homens, conheci combatentes, mas esses eram bons rapazes, valentes. Por isso não vim sozinho.

Hoje eu perguntava pelas duas escadarias e é porque nos reunimos lá, onde havia uma lanchonete — e devia continuar a haver, mesmo noutro lugar, e já não há nada. Ali se concentraram os da pesada e a máfia, nos arredores da escola de Direito e na própria escola. E eu disse aos outros: «Vocês três entram pela frente, três de nós vamos subir por uma escada dali, outros três por aqui». E lá chegamos de repente. E aquela gente, que eram 15 ou 20, começaram a tremer. Não imaginavam que se podia efetuar semelhante desafio, a semelhante poderio e a semelhante força. Mas dessa vez não aconteceu nada, o que fizeram foi tremer. Eu vim à universidade e continuei a vir à universidade, mas já vinha só de novo. Isso foi um dia, agora já vinha sozinho outra vez.

Tinha arma, sim, às vezes a portava. Mas então, surgia outro problema naquele enfrentamento: eles tinham a polícia universitária, a polícia da rua, todos os organismos repressivos que mencionei tinham os tribunais, tinham o Tribunal de Urgência. E havia uma lei, em virtude da qual, quem portava arma, ia preso. Então, me deparei com o terceiro dilema: enfrentar aquela máfia armada mas não podia usar armas, porque se usasse armas, me metiam na prisão. Aqueles tribunais eram muito rigorosos e a pedido do governo, punham qualquer pessoa fora de circulação. Então, tive de continuar aquela luta contra o bando armado, quase sempre desarmado, porque só em ocasiões excepcionais eu conseguia uma arma. Uma arma, nada mais! Mas a maior parte do tempo estava desarmado.

Tive de travar toda aquela batalha em volta da universidade e da posição da universidade contra o governo, praticamente desarmado. Por isso, eu digo que era uma luta armada em condições muito peculiares, em que eu muitas vezes o que tinha era só a pele. E se cansaram de fazer planos de vários tipos; ao acaso, à sorte... Houve uma ocasião em que saiu a turma inteira de Antropologia e foi comigo até o lugar onde eu morava, rodeando-me, porque eu andava desarmado, e lá os adversários, estavam organizados e armados.

Houve altos e baixos, porque no fim, aquela grande batalha pela FEU nesse ano foi resolvida. Era tão tensa a situação, que se resolveu numa espécie de acordo no fim de uma reunião no local da FEU onde estávamos misturados, amigos e inimigos, e procurou-se um candidato que não fosse nem dos que defendiam nossas posições nem dos que estavam a favor do governo. Houve certo período de conciliação e de calma.

NO MEIO DE TUDO ISSO, SURGIU A EXPEDIÇÃO DE CAYO CONFITES

Com isto explico brevemente por que foram tão difíceis aquelas condições para mim, durante um período relativamente longo e com muitas vicissitudes e passagens interessantes, exceto um período de calma. E no meio de tudo isso, surgiu a expedição de Cayo Confites.

Isto foi já no final do segundo ano, a luta era bastante intensa. Sim, foi em 1945, 1946 e em meados de 1947. Já me tinham designado presidente do Comitê Pró-Democracia Dominicana, presidente do Comitê Pró-Libertação de Porto Rico, havia grande consciência antitrujillista na universidade, e se defendia a libertação de Porto Rico. Estava Albizu Campos naquela época.

Ele foi protagonista de alguns levantamentos, dando lugar a importantes manifestações.

Não mencionei dentro de tudo isto, na luta contra o governo, o número interminável de manifestações que se dirigiram ao Palácio. Em algumas dessas fotografias que estão por aí eu estou no muro de Palácio, fazendo um discurso contra Grau. Estava ali em frente de seu gabinete. Ele queria receber uma representação, mas nós não quisemos nenhum diálogo. Era a crítica, o protesto contra a morte de um jovem. Não me lembro exatamente as circunstâncias. Foram vários casos como este.

Mas no meio daquelas lutas muito difíceis, que tinham altos e baixos, aquela gente tinha cada vez mais poder. E a época de Alemán, o famoso Bloco Alemán-Grau-AI-sina, com seu roubo desmedido. Ele tinha ambições políticas. Todos esses grupos que dominavam a universidade, se juntaram a Alemán, utilizando a nobre causa dominicana como bandeira de política revolucionária. Foi na época em que se pensava estarem criadas as condições para organizar a batalha final contra Trujillo, e realmente, os que organizaram a expedição de Cayo Confites, à parte dos dominicanos, muitos eram desta gente. E quem deu os recursos fundamentais foi Alemán, ministro de Educação. Foi uma das coisas mais mal organizadas que eu vi em minha vida. Levaram muita gente que andava pelas ruas de Havana, sem atender a condições de cultura, a condições políticas, conhecimentos. Era organizar a toda a velocidade um exército artificial. Juntaram mais de 1200 homens.

Eu, naturalmente, vejo que se ia produzir a luta contra Trujillo. Como presidente do Comitê Pró-Democracia Dominicana, não pensei muito, fiz as malas e sem dizer nada a ninguém, fui para Cayo Confites e me meti naquela expedição.

Mas talvez o mais importante de tudo isso, seja o fato de que eu próprio me metera onde estava a imensa maioria dos meus inimigos... E o curioso é que me respeitaram. Porque se alguma coisa eu aprendi, como uma lição, em todos esses anos em que era preciso desafiar a morte muitas vezes desarmado e quase todos os dias, é que o inimigo respeita os que não o temem, o inimigo respeita os que o desafiam. E aquele gesto meu de ir cumprir o meu dever que tinha como estudante inspirou respeito entre eles. Foi assim.

Enquanto estávamos lá, em Cayo Confites, Alemán, o czar do dinheiro, fornecia todos os recursos para aquela expedição. Na etapa final, Trujillo comprou Genovevo Pérez, o chefe de Exército, e foi então que as lutas se desencadearam abertamente entre vários daqueles grupos que se diziam revolucionários. E muitos acreditavam nisso, honradamente, porque não sabiam o que era uma revolução. Quem podiam ser ou eram os arautos de uma revolução ou expressavam as idéias revolucionárias? Os comunistas, os que defendiam os trabalhadores, os que tinham uma ideologia, os que tinham uma teoria revolucionária, e fora disso, qual poderia ser a teoria revolucionária? Para muitos deles, a Revolução consistia em castigar um esbirro da época de Machado ou da época de Batista, que tinha cometido crimes contra o povo. Nisso consistiam muitas das suas concepções do que era ser revolucionário.

Mas tudo isso foi degenerando e se produziu o massacre de Orfila. Este grupo que tinha todo o enorme poder policial e repressivo, total, quando numa casa de família se formou um tiroteio, numa tentativa de capturar ou matar um dos chefes adversários, matou até a dona da casa, matou aquela gente e o Exército foi acabar com aquela batalha que tinha durado quatro horas. Nós estávamos então em Cayo Confites.

Um jornalista tornou-se famoso, porque conseguiu fotografar tudo aquilo e foi publicado. Foi um escândalo imenso. Foi esse o momento que Genovevo, o chefe do Exército, aproveitou para liquidar a expedição de Santo Domingo, porque logicamente, via naquela expedição, um adversário da política interna, gente que representava um perigo para ele, no caso de aquele movimento ganhar na luta de Santo Domingo. Isso lhe permitiu aproveitar a ocasião para liquidar e prender muitos daqueles chefes. Demitiu todos os comandos da motorizada, do Bureau de Atividades Inimigas, da polícia secreta, do judiciário, da polícia nacional. Foram demitidos todos os comandantes.

Quando fracassou a invasão a Santo Domingo — e já nós íamos para Santo Domingo com os que persistiam — houve deserções, houve de tudo. Então, eu já alimentava a idéia da luta guerrilheira. Já me tinham dado uma companhia militar; via-se que aquilo era caótico: faltava organização, faltava eficiência, faltava tudo. Eu disse: mas é preciso ir. E pouco faltou para eu começar a luta guerrilheira em Santo Domingo, porque a partir das experiências cubanas e de muitas coisas, que demorariam a contar, a partir da convicção de que se podia lutar contra o Exército, eu já pensava na possibilidade de uma luta guerrilheira nas montanhas de Santo Domingo. Estou falando do ano 1947.

Quando voltei não fui preso, nem me resignei à idéia de ser preso. Essa história também seria longa de contar. Escapei, consegui salvar algumas armas que depois se perderam por uma delação. E quando em Havana, todos pensavam que eu fora devorado pelos tubarões da baia de Nipe, o morto apareceu na escadaria e todo o mundo estava com os olhos arregalados, porque eu tinha estado uma série de dias sem contato, até que cheguei a Havana.

Houve mudança na situação, porque se produziu aquela batalha de Orfila, aquela intervenção do Exército, aquele desarmamento do grupo principal que dominava a universidade. Era uma ótima situação de apoio total dos estudantes.

Mas então, havia um problema. Era o seguinte: como esta expedição foi em junho ou julho e se prolongou para além de setembro, eu tinha de fazer exames em setembro de algumas cadeiras que faltavam. E quando cheguei já não havia tempo. E tinha de escolher — outro dilema — se me matriculava como aluno oficial para continuar a trabalhar dentro das instituições oficiais da FEU na segunda série. Tinha de repetir ou me tornava aluno independente. E essa foi uma decisão muito importante, porque uma das coisas que eu repudiava eram os estudantes eternos e os líderes eternos, que se matriculavam uma vez, e outra, e outra, e eu tinha feito muitas críticas a tudo isso, e não podia fazer o mesmo papel e pensei: Por mais poderosas que sejam as razões, vou me matricular como independente.

Desde que me matriculei assim, viu-se a contradição de um apoio muito grande dos estudantes, muito grande. E minha condição de estudante externo não me permitia aspirar a cargos oficiais na FEU. Mas não hesitei em fazer isso, e estou satisfeito por ter feito o que fiz naquele momento.

QUANDO VOLTEI, ME DEDIQUEI A ORGANIZAR UM CONGRESSO LATINO-AMERICANO DE ESTUDANTES

Quando voltei, já havia, como eu disse, uma situação muito melhor. Até certa garantia, certa tranquilidade. Foi então que eu resolvi tentar organizar um congresso latino-americano de estudantes na Colômbia, que coincidisse com a famosa reunião da OEA, onde iam ser feitos muitos acordos reacionários. Conseguimos juntar pessoas. Visitei a Venezuela, visitei o Panamá, havia bastante efervescência nesses lugares. Na Colômbia, os estudantes me puseram em contato com Gaitán, um líder de condições excepcionais, com um grande apoio de massa e que infelizmente, foi assassinado naquele 9 de abril, uma hora antes de se reunir conosco pela segunda vez. Nós estávamos esperando por ele, quando se produziu o estampido de Bogotá.

Essa é a história do fato de Bogotá. Também é outra história muito longa de contar. Creio que Alape, um escritor colombiano, reuniu bastante informações sobre tudo isso.

Foram os episódios fundamentais. Bem, há muitos mais, muitas coisas. Eu estou simplesmente apresentando o esquema, para terem uma idéia do quadro em que se trabalhava.

O fundamental para mim foi minha própria formação política e minha tomada de consciência revolucionária. Eu tinha a velha idéia da guerra de independência, das coisas martianas, e grande simpatia por Martí e pelo pensamento de Martí, sobre a guerra de independência. Li praticamente todos os livros dele que se publicaram, até que entrei em contato, primeiro, com as idéias econômicas, com os absurdos do capitalismo. E fui desenvolvendo uma mentalidade utópica, de socialista utópico, não de socialista científico. Tudo era um caos, tudo estava desorganizado. Sobrava coisa aqui, havia desemprego ali; sobrava alimento de um lado, havia fome de outro.

Fui tomando consciência do caos que era a sociedade capitalista. Comecei por aí. Cheguei por minha própria conta à conclusão de que aquela economia, da qual nos falavam e nos ensinavam, era absurda.

Foi por isso que, quando pela primeira vez, tive oportunidade de ler o famoso Manifesto Comunista, de Marx, fiquei muito impressionado, e houve alguns textos universitários que ajudaram. A História da Legislação Operária, estrita por um personagem que depois não foi consequente com a sua história, mas escreveu um bom livro, assim como a obra de Raul Roa e as histórias das idéias políticas. Isto é, havia alguns textos de alguns professores que me ajudaram a entrar no assunto, até que na biblioteca do Partido Socialista Popular — e fiado, porque não tinha dinheiro para pagar — fui adquirindo todos os livros marxistas-leninistas. Eles é que me forneceram os materiais, os quais eu depois, com enorme febre de conhecimentos, me dediquei a ler.

Já fora fundado o Partido Ortodoxo e eu era parte dele desde o princípio, mesmo antes de adquirir uma consciência socialista. Depois tornei-me nele, uma espécie de ala esquerda.

Agora, qual foi a ideia chave de tudo o que aconteceu depois? A minha convicção era de que o Partido Comunista estava isolado e que nas condições nacionais e no meio da guerra fria e da quantidade de preconceitos anticomunistas existentes neste país, não era possível fazer uma revolução a partir das posições do Partido Socialista Popular, embora o Partido Socialista quisesse fazê-la. O imperialismo e a reação tinham isolado este partido o suficiente para impedi-lo, de maneira absoluta, de fazer uma revolução. Foi então que eu me pus a pensar nas vias, nos caminhos e nas possibilidades de uma revolução e como fazê-la.

A partir da efervescência no País, da força que aquele movimento de Chibás tinha alcançado no povo — partido que em geral, exceto em Havana, já estava caindo nas mãos de latifundiários, porque aqui, quando surgia um partido popular, não tardava muito a cair as direções provinciais nas mãos dos latifundiários e dos ricos — esse processo já estava sucedendo dentro do Partido Ortodoxo, me vejo em um partido que tem uma grande força popular, umas concepções políticas na luta contra os,vícios e a corrupção política e idéias que, no aspecto social, já não são totalmente revolucionárias. E é a partir da trágica morte do seu combativo e tenaz fundador, que elaborei a concepção sobre o modo de realizar uma revolução nas condições de nosso país.

O suicídio de Chibás deixou aquele partido sem chefe. Era preciso chegar às eleições, era preciso obter a vitória eleitoral naquelas condições. Mas naquelas eleições, para o Partido do Povo Cubano, com grande aval que lhe deixou a morte do próprio Chibás, era inevitável a vitória.

DEMOREI SEIS ANOS PARA GANHAR UMA CONSCIÊNCIA REVOLUCIONÁRIA E PARA ELABORAR UMA ESTRATÉGIA REVOLUCIONÁRIA

Face à impossibilidade de fazer a revolução por aquela via e de uma rápida frustração inevitável, elaborei uma estratégia para o futuro: dentro do governo e dentro do próprio Congresso, lançaria um programa revolucionário e organizaria um levantamento popular. A partir daquele momento, já tinha toda a concepção, todas as idéias que estão em A História Me Absolverá, quais deviam ser as medidas, como expô-las, que fazer. Essa foi a primeira concepção revolucionária, que eu pude elaborar seis anos depois de ter ingressado na universidade naquele mês de setembro. Pode-se dizer que demorei seis anos para ganhar uma consciência revolucionária e para elaborar uma estratégia revolucionária.

Tudo mudou quando se produziu o golpe de 10 de março, que interrompeu todo o processo e surgiu um governo militar. Esse foi outro desafio. Não pretendíamos fazer a revolução sozinhos, nem nada isolado. Pensávamos que, por interesse nacional e honra patriótica, as forças da oposição se uniriam para lutar contra Batista. E nós começamos a nos preparar para esse momento, para lutarmos unidos com as restantes forças naquilo que pensávamos ser um acontecimento inevitável, imprescindível em nosso país, e começamos a preparar as pessoas aqui na universidade. Foi uma operação secreta. Por essa Aula dos Mártires Universitários passaram 1200 homens do 26 de Julho.

Toda a experiência do que vi em Cayo Confites e todos aqueles problemas me ensinaram bastante. Algumas experiências que tivemos nos primeiros meses da luta clandestina nos ensinaram bastante como trabalhar e chegamos a treinar nesta universidade 1200 antes do 26 de Julho, com a cooperação de vários companheiros da FEU e da universidade.

Vou dizer mais uma coisa que nunca disse: tive de treinar as pessoas do 26 de Julho clandestinamente também na universidade, porque entre os estudantes, quando ocorreu o 10 de Março, surgiram muitos ciúmes. Havia quem pensasse que se repetiria a história de 1933, que tudo sairia de novo da universidade. E saiu mesmo, mas saiu de outra forma. E então devo dizer com amargura, havia ciúmes entre alguns estudantes. Eu tinha que trabalhar clandestinamente.

Que tinha acontecido? Que ao dar-se o golpe de 10 de março, os únicos que tinham dinheiro, milhões de recursos de todo o tipo, eram os do governo derrubado. E começaram a mobilizar todos esses recursos para comprar armas e, claro, aquela gente me odiava muito. Para isso, seria bom procurar no jornal Alerta todas as denúncias que fiz nas últimas semanas antes do golpe de 10 de março e que foram manchete do jornal de maior circulação que havia no País. Isso foi no mês de janeiro e fevereiro. Pretendiam atribuir-me a culpa do golpe de Estado, embora não tivessem saído ainda dois artigos que eu estava preparando, que eram mais fortes, desmoralizantes, com o título: «Não é preciso ir à Guatemala».

A partir do momento em que Chibás se suicidou, porque acusou alguns políticos de terem fazendas na Guatemala e não poder prová-lo, foi pressionado extraordinariamente, desesperou-se e suicidou-se. Eu dizia: «Não é preciso ir a Guatemala», e comecei a mencionar todas as fazendas que tinha aqui esse pessoal e todos os negócios sujos que faziam. Minha profissão de advogado me serviu para procurar nos registros de propriedade em qualquer escritura, todos os papéis que foram apresentados como provas irrefutáveis, que provocaram grande impacto.

Assim, toda aquela gente pretendia me atribuir a culpa da desmoralização que ocasionou o golpe de Estado, uma idéia sem sentido, mas forte. E me deparei, por um lado, com aqueles cujo ódio era enorme; havia ciúmes, na universidade, devo dizê-lo. E para que ninguém fique com dúvida, intranquilo, jamais houve divergência com José Antônio (José Antonio Echeverria, líder da Federação de Estudantes Universitários) que sempre foi um bom companheiro e amigo. Mas o problema é que havia uma revolução e parecia que havia gente que queria arrebatar a universidade à Revolução. Esses fenômenos ocorreram. E nessas condições foi que nós organizamos o 26 de Julho. Só quando vimos os enormes, erros, daqueles que com seus enormes recursos podiam impulsionar a revolução, as divisões entre partidos e organizações, e a incapacidade para a ação, quando não havia nenhuma alternativa, foi que decidimos iniciar a lutar com as forças do 26 de Julho.

Acho que já abusei bastante da paciência de vocês. Mas como me trouxeram aqui, como os companheiros da FEU, quando fui convidado há alguns dias me fizeram muitas perguntas, eu pensei que lhes interessaria conhecer essas coisas e decidi contá-las. É muito desagradável ter que contar coisas nas quais a gente esteve envolvida. Tentei fazê-lo da forma mais impessoal possível, mas afinal, não tive outro remédio que não fosse transmitir-lhes algumas das experiências que vivi. Por isso sempre guardei aquele carinho pela universidade onde precisamente ocorreram essas lutas.

Acho que em qualquer análise que eu faça de minha própria vida, não houve nada que tivesse realmente mais mérito, no âmbito pessoal, que o que tiveram para mim aqueles anos de luta na universidade. (Aplausos)

Continuamos unidos à universidade em todos os preparativos do ataque do 26 de Julho. Participamos daquelas manifestações, porque nós tínhamos certa força. Poder-se-ia dizer que tivemos prova disso. Havia muitas organizações e muitas pessoas que estavam nesta, naquela, noutra, a mesma pessoa. Nós chegamos a ter uma organização de 1200 pessoas treinadas. Usamos muitas coisas legais.

TODO O 26 DE JULHO FOI ORGANIZADO EM ABSOLUTA LEGALIDADE

Esqueci-me de dizer que todo o ataque de 26 de Julho foi organizado em absoluta legalidade. Usamos os locais da rua Prado 109, do Partido Ortodoxo. Lá me reunia com cada uma das células, as enviávamos para se treinarem aqui na universidade, e depois a outros lugares. Foi um trabalho enorme, apoiando-nos, fundamentalmente, na Juventude do Partido Ortodoxo, que, como disse, tinha muita ascendência entre as mesmas, muita simpatia entre os jovens e 90% dos companheiros escolhidos saíram das fileiras da juventude do Partido Ortodoxo sem a direção da mesma. Naturalmente, trabalhando na base é que conseguimos fazer esse recrutamento; assim algumas regiões contribuíram com muita gente, muito boa, como Artemisa, e em geral, todas.

Desses, nós só pudemos levar uns 160 ao Moncada, mas por homem que tínhamos no Moncada (Santiago) e em Bayamo, oito não puderam participar. Realmente, pudemos fazer uma boa seleção dos grupos que foram até lá, mas tudo na legalidade.

Isso tem muitas histórias e muitos contos interessantes sobre como foi tudo aquilo, todos aqueles meses que decorreram desde 10 de março de 1952 até 26 de julho de 1953. Basta dar um dado: eu andei mais de 50 mil quilômetros num carrinho que tinha, um Chevrolet 50-315. Tinha sido comprado a prazo. Cada certo tempo, me tomavam; o motor se fundiu, alguns dias antes do Moncada. Mas naquela época nós alugávamos carros. Já trabalhávamos de outra forma. Vocês podem fazer suposições ajustadas às condições.

Houve uma situação favorável. A polícia de Batista não prestava muita atenção a nós, porque estava vigiando os autênticos, os do Triplo A e a todo aquele pessoal que tinha centenas e milhares de armas e sabia que nós não tínhamos armas, que não tínhamos recursos, parecia um entretenimento. Não nos deram muita importância e isso nos ajudou a trabalhar na legalidade o tempo todo, com a exceção de raros períodos em que devíamos manter a discrição.

E se falta dizer alguma coisa: é que, mesmo quando houve lutas e conflitos aqui aqui, nesta universidade que eu já mencionei, muitos dos que foram, inimigos aqui e alguns dos que até quiseram matar-me aderiram depois à Revolução, com o Movimento, sobretudo na Serra Maestra, na guerrilha. Assim que muitos dos que foram adversários aqui, e fortes adversários, depois entraram no Movimento 26 de Julho, e lutaram. E alguns morreram. Vejam os paradoxos da vida e como uns tempos são substituídos por outros. Tiveram confiança e se uniram.

Sempre senti muita admiração pelos companheiros que fizeram isso. Muito respeito! E talvez se de alguma coisa, nós poderíamos sentir hoje uma satisfação especial, seria do fato de que, quando chegamos aqui, há 50 anos, encontramos uma sociedade fragmentada, uma universidade fragmentada, onde se tinha apagado o espírito anti-imperialista, onde os poucos comunistas podiam ser contados com os dedos da mão; e hoje, passados 50 anos, tenhamos uma universidade tão diferente!

Vocês são a antítese de tudo o que vimos aqui. E eram jovens cheios de entusiasmo; para uma passeata se mobilizavam rapidamente, mas não era por consciência política, não era por consciência revolucionária; era o temperamento inquieto e rebelde dos jovens, as tradições heróicas da universidade, porque tenho que dizer aqui que quando chegamos a esta universidade, ficamos influenciados pelas tradições universitárias, dos atos pelo 27 de Novembro, recordando os estudantes fuzilados em 1871, os atos de recordação da morte de Rafael Trejo, da morte de Júlio Antônio Mella, da história de Júlio Antônio Mella, de Rubén Martínez Villena, a história daqueles que morreram, ainda que não fossem comunistas como Mella e Villena, toda aquela história,.sem nos remontarmos já a uma etapa mais longínqua, que foi recordada hoje aqui, como foi a presença de Carlos Manuel de Céspedes, a presença de Ignacio Agramonte.

Quando a gente entrava na universidade, respirava um ambiente de tradição heróica, que em muitos fazia seu efeito. E em nós fez um efeito especial a atmosfera desta universidade, que tinha, o que encontramos: a matéria-prima com que trabalhamos.

É IMPRESSIONANTE RESSALTAR A DIFERENÇA ENTRE A UNIVERSIDADE DE 50 ANOS ATRÁS E A DE HOJE

Então é impressionante comparar, ressaltar a diferença entre a universidade de 50 anos atrás e a de hoje. Não vou falar de cifras, nem de dados, de quantos estudantes temos, nem de quantas faculdades. Vocês sabem perfeitamente. Existiam três universidades naquele tempo — duas ou três não sei se havia a de Santa Clara... Em 1945, era uma só, esta!

Se comparamos o que é hoje o ensino universitário, basta dizer que o número de professores universitários é superior ao número total de professores desde o ensino primário que tínhamos em Cuba antes de triunfar a Revolução, para fazer uma comparação. Sem nos remontarmos às cifras, tudo o que significa os 530 mil graduados, o baluarte da Revolução, que sempre foi a universidade. Sem mencionar isso, basta ver a qualidade dos companheiros que hoje fazem parte de nossa escola de Direito e de nossa universidade, a atmosfera, o espírito.

É inevitável a gente sentir-se feliz pelo fato de pensar que nenhum de vocês terá que suportar as provas pelas quais passou um estudante que entrou na universidade há 50 anos. Por isso num dia, depois do triunfo, quando vim à universidade, eu disse: O que sofri nesta universidade tem mais mérito que tudo quanto sofri na Serra Maestra, porque foi realmente assim.

Que vocês tenham podido se libertar de tudo isso, que tenham uma universidade como a que têm, uns professores como os que têm, uma consciência como,a que têm, uma tarefa histórica como a que têm. É uma diferença abismai que vocês possam fazer seus programas, seus planos, participar de tudo, fazer tudo, decidir tudo, ter o privilégio de viver nesta época. Eu diria ser a mais gloriosa da história de Cuba. O período especial passará à História como a época mais gloriosa da vida de nosso país.

Hoje vemos um povo fazendo milagres. Coisas inconcebíveis, nas condições mais incríveis: esse curso, que teve início há dois ou três dias; esse processo eleitoral que teve lugar há umas quantas semanas, nestas condições tão difíceis, que nenhum país da América Latina sofre, contra um poder tão grande.

O que lhes contava antes, ao compará-lo com o de hoje, vem significar uma espécie de destino ou uma espécie de fatalismo, pois sempre nos coube travar batalhas muito difíceis, contra inimigos muito poderosos; as lutas aqui na Universidade contra pessoal tão poderoso, as lutas contra Batista, as lutas contra o imperialismo, e a luta contra o império na época do hegemonismo, do domínio unilateral do mundo, praticamente por uma única grande potência. E houve espírito e presença de ânimo para lutar e para resistir. Esse espírito está presente em nosso povo e esse espírito é hoje como uma semente que não pode morrer.

Hoje o vemos também nos demais povos, aos poucos vão se sobrepondo ao golpe, vão reagindo, vão ideando novas formas de luta e cada vez será mais difícil para o império governar o mundo.

Talvez imaginaram que já tinham tudo resolvido e por mil anos —, talvez sonharam com aquelas idéias hitlerianas do império do Reich de mil anos, diante de um mundo que se torna cada vez mais difícil de governar, onde surgem cada vez mais problemas.

Hoje, 50 anos depois, estamos iodos engajados na mesma luta; mas hoje 50 anos depois, também podemos dizer que obteremos a vitória.

Quem achava que podíamos ter resistido um mês, dois meses, três meses, com o golpe terrível que sofremos? Quem podia acreditar que, cinco anos após a desaparição do campo socialista, Cuba estaria aqui, revolucionária, socialista, resistindo, lutando? Quem poderia dizer que estaríamos fazendo as coisas que estamos fazendo agora? Quem poderia imaginar? E já o mundo começa a reconhecê-lo, não só a capacidade de resistência política, mas até a capacidade de irmos recuperando a economia. É uma realidade, passaremos por essa prova e pelas provas que tenhamos que passar.

Se os fundamentalistas cheguem a dominar não só o Congresso, mas também a Casa Branca, talvez nos esperem oito, nove ou dez anos mais de bloqueio. Mas garanto que são cada vez menos aqueles que duvidam que Cuba possa resistir ou não. Resistiremos!

Hoje vejo vocês, seus rostos juvenis, a idade que eu tinha quando cheguei aqui. Como há ainda batalhas pela sua frente, como faltam batalhas! Mas, vocês estão em condições, excelentes para isso, unidos, contando com o País, contando como o Partido, contando com o povo, contando com o governo.

E esses profundos vínculos desenvolvidos entre nós tornaram possível o fato incrível da participação e da união entre os estudantes e a Revolução. Isso tem de ser bem cuidado! O inimigo sabe disso. Quanto daria para afastar os estudantes da Revolução, quando daria para afastar os operários da Revolução; o povo, da Revolução; e tem planos, até variados. E o que nós podemos pedir num dia como hoje é que vocês continuem sendo, e sejam cada vez mais, baluartes irremovíveis da Revolução! Baluartes invencíveis Baluartes que não se rendem nem jamais claudicam!

E em nome dos heróis mencionados aqui, hoje, desde Céspedes, Agramonte, Mella, Villena, José Antônio, para resumi-los, os exorto a que nossa Pátria possa dizer: Escrevemos a página inédita, conseguimos a inconcebível companhia dos estudantes, de todos, das crianças, até dos estudantes universitários!

É uma satisfação pensar que os sonhos de todos aqueles que recordamos hoje estão em nossas mãos. Só nós podemos torná-los sólidos, indestrutíveis. Só nós, vocês, os trabalhadores, os camponeses, o povo, podemos fazer esse milagre que estamos fazendo, essa resistência heróica que estamos realizando, este momento histórico que estamos vivendo, sem nenhum mérito especial, sem sermos um modelo na mais mínima coisa. Comecei dizendo-lhes que fui muito mau estudante. Agora, isso sim, jamais ganhei de graça uma nota, nunca procurei perguntas importantes; estudava toda a matéria.

Tenho um pequeno recorde acadêmico por aí. Não sei se será muito. Terei de procurar os detalhes: das 47 disciplinas que fiz em pouco mais de um ano e meio; 20 delas foi em forma livre como se diz estava livre —, e me dediquei a estudar, em meio de outras atividades, mas principalmente a estudar, e em um ano paguei 20 disciplinas; no outro me matriculei em 30. Não era uma mania de pagar disciplinas. Tinha necessidade, porque queria obter quatro títulos: Direito, Direito Diplomático, Direito Administrativo e depois o de Doutor em Ciências Sociais e Direito Público. Para me formar no último, só me faltavam três disciplinas, que conhecia muito bem.

Naquele momento, estava pensando fazer uma pausa para estudar Economia Política, mas precisava de uma bolsa. Para obter a bolsa, tinha que vencer aquelas 50 disciplinas e já tinha conseguido. Mas naquele momento, os acontecimentos se precipitaram em Cuba e mudei de planos, deixei aquele projeto e me engajei completamente na luta revolucionária.

Não vejam em mim um modelo. Eu aceito as honras que me deram como um ato de generosidade, de amizade, de carinho de vocês todos. Não acho que seja um modelo e muito menos modelo de bom estudante. Tratei, sim, de ser um bom revolucionário. Tentei ser um bom combatente e se a alguém ocorresse imitar um caso como o meu, rogo-lhe que imitem meus poucos acertos e poupem os muitos erros que possa ter cometido.

Portanto, com modéstia absoluta, total e sincera, aceito este ato de carinho com que vocês me honraram nesta noite e me obrigaram a esta horrível tarefa de ter que falar de mim mesmo.

Muito obrigado!

(Ovações)

Publicado no Jornal Granma Internacional edição em português - Outubro de 1995 - nº 28