Verdade e JUSTIÇA!

A abertura dos arquivos deve ser ponto incluído em uma Comissão da Verdade e Justiça, pois esses documentos são fundamentais para apontar locais de desovas de corpos, mandantes de crimes, nomes de torturadores, apoiadores e financiadores do regime, portanto toda a comprovação para julgamento dos crimes ilesos.

No fim de junho e começo de julho começaram as audiências públicas sobre a criação da Comissão Nacional da Verdade e o governo apresentou no dia 30 de junho o seu projeto de lei que permite a criação da Comissão. O projeto original e ideia de criação foram do ex-ministro da Secretária de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, que afirmava a necessidade da elaboração de uma Comissão que investigasse os crimes de assassinato e desaparecimento de presos políticos na época da ditadura civil-militar brasileira (1964-1985), sendo consistida em Comissão da Verdade e Justiça.

Vejamos já na nomenclatura do projeto do governo em relação ao de Vannuchi que havia a palavra “Justiça” também, ou seja, a comissão além de investigar as torturas, mortes e desaparecimentos do Estado de exceção dos anos chumbo iria julgar os responsáveis pelos crimes. Esse ponto é batido e discutido constantemente pelos grupos que encabeçam a luta pela criação da Comissão e pela abertura dos arquivos da ditadura, como o grupo Tortura Nunca Mais e o Fórum dos ex-presos e perseguidos políticos, familiares de vítimas, coletivos e organizações sociais. A proposta governista aponta que serão investigados os casos de crimes de tortura e assassinatos, mas não punirá de forma incisiva o culpados, será apenas mostrar à sociedade a existência de tais atos. É também fundamental, além da investigação dos crimes, a punição dos torturadores, mandantes e daqueles que financiaram o golpe, assim como daqueles que o mantiveram em pé enquanto lhes era útil.

Outro ponto intrigante dessa versão de projeto é em relação à data de investigação, cujo início é em 1946 até 1988 (ano da nova Constituição), ou seja, retira da história brasileira a época da ditadura civil-militar que tem início com o golpe de 1º de abril de 1964 até o ano 1985 com a abertura do regime, são escondidos 21 anos de atrocidades até “redemocratização”. Alguns deputados da ala conversadora como o PP que é herdeiro da Arena (Aliança Renovadora Nacional) - que foi o partido da ditadura – querem as investigações até 2002 para averiguar a morte do prefeito de Santo André, Celso Daniel. Essa é uma manobra que serve para apagar o período ditatorial e atrapalhar o foco das investigações sobre os crimes de lesa humanidade cometidos pelo Estado brasileiro.

Em declarações, o ex-ministro da Defesa Nelson Jobim afirma que os arquivos da ditadura estão desaparecidos, que foram consumidos pelo tempo e/ou destruídos na época. Agora indagamos: como documentos públicos sigilosos das Forças Armadas podem sumir? Caso eles tenham sido destruídos, verifica-se crime como afirma o jurista Fábio Konder Comparato que entrou com uma manifestação na OAB para investigar o caso de desaparecimento dos documentos:

“É escusado lembrar, Senhor Presidente, que documentos públicos não ‘desaparecem’ por encanto. São destruídos (ou “consumidos”, como preferiu dizer o Ministro) em razão de caso fortuito, ou então por negligência culposa ou ato doloso.

Nesta última hipótese, configura-se o crime praticado por funcionário público contra a Administração em geral, definido no art. 314 do Código Penal como extravio, sonegação ou inutilização de livro ou documento: “Extraviar livro oficial ou qualquer documento, de que tem a guarda em razão do cargo, sonegá-lo ou inutilizá-lo, total ou parcialmente. Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, se o fato não constitui crime mais grave”.[1]

Essa tentativa falha do ex-ministro era para retirar do Congresso a ideia da necessidade de abertura dos arquivos das Forças Armadas, que contêm documentos importantes para desvendar fatos escondidos desde a Guerra do Paraguai e da ditadura civil-militar.

A abertura dos arquivos deve ser ponto incluído em uma Comissão da Verdade e Justiça, pois esses documentos são fundamentais para apontar locais de desovas de corpos, mandantes de crimes, nomes de torturadores, apoiadores e financiadores do regime, portanto toda a comprovação para julgamento dos crimes ilesos.  Além de ser a mina de ouro para as pesquisas históricas sobre o período que apresentará como a ditadura, foi cria de uma elite que barrou os avanços da classe trabalhadora nos anos de 1960, e para impedir a continuação das lutas revolucionárias em solo brasileiro.

As últimas notícias é que o projeto para criação da Comissão deve ser votado no começo do segundo semestre desse ano, em situação de urgência, sem passar por estudo e/ou debates e votações dentro do Congresso. Especula-se ser uma tática governista para que o projeto não seja barrado pela ala conservadora. Essa “tática” do governo federal foi usada para votar o Regime Diferenciado de Contratações (RDC) para as construções da Copa do Mundo de 2014, com a desculpa de os congressistas não caírem no lobby das empreiteiras, no entanto, como essas já estavam contempladas com seus representantes deputados, passou fácil. No fim, saíram ganhando os politiqueiros e empreiteiros que irão lucrar.

No caso da Comissão da Verdade, os herdeiros da ditadura continuam no Congresso e Senado Nacional, partidos como DEM e PP, sendo esses que irão votar o projeto. Outro aspecto é que o então projeto não contempla a necessidade vital para investigação e punição dos culpados deixando apenas o lado de averiguação dos casos. Caso o projeto entre em regime de votação de urgência, os movimentos sociais envolvidos não poderão ter reação para uma Comissão da Verdade e Justiça e os torturadores sairão em vantagem, pois estão completamente representados no Congresso ou melhor, nunca saíram de lá, vide o presidente do senado José Sarney e o deputado Paulo Maluf.

A luta pela criação de uma comissão que puna os crimes de lesa humanidade infringidos pelo Estado Brasileiro deve ocorrer no âmbito nacional, estadual e municipal. Que seja feita uma luta cotidiana para colocar esses criminosos na cadeia, que o Brasil avance nesse aspecto como fez outros países irmãos como Argentina e Uruguai. Para a construção de uma sociedade democrática de fato é primordial haver justiça pelos mortos e desaparecidos políticos. Só assim teremos força para que as forças mais reacionárias não voltem e para avançarmos de fato na construção de uma nova sociedade brasileira, justa e soberana.

Caso Merlino

Enquanto a comissão não sai à busca por justiça é realizada por familiares e resistentes do regime de exceção, ocorre um processo cível da Família Merlino contra o coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra (Torturador) pela morte de Luiz Eduardo Merlino, cujo assassinato ocorreu entre as seções de torturas ocorridas no DOI-Codi, quando Ustra comandava o aparelho de repressão. No dia 27 de julho, ocorreu uma audiência com as testemunhas de acusação no fórum João Mendes, 20ª Vara Cível de São Paulo. Foram ouvidos militantes que estiveram com Merlino no DOI-Coi e que puderam afirmar a autoria dos mandos de Ustra e sua participação nas seções de tortura que vitimou Merlino. As testemunhas foram Joel Rufino dos Santos, Paulo Vannuchi, Eleonora Menicucci de Oliveira e Leane de Almeida.

Leane afirma em seu testemunho, assim como os outros, que Ustra comandava e participava dos atos de torturas:

“Fui presa no mesmo dia em que o Merlino, e vi de uma cela em que estava no pátio da Oban o Ustra e outros militares jogarem Merlino já desacordado e inerte no porta-malas de um carro, acho que fui a única pessoa que viu. O Ustra participou pessoalmente da minha tortura”.[2]

Como de se esperar, o torturador Ustra não compareceu à audiência. Como o processo corre em instância cível ele não é obrigado estar presente, mandando apenas um advogado para representá-lo. Infelizmente por ser um processo cível, o torturador não será preso pelo assassinato, restando apenas reconhecer na justiça que Ustra foi o autor das torturas que levou a morte Merlino.

Durante a seção, ficaram em frente ao fórum participantes do Grupo Tortura Nunca Mais, Fórum dos ex-presos e perseguidos políticos, Coletivo Merlino, familiares de Merlino, além de militantes de partidos, movimentos sociais e do movimento estudantil. Todos exigindo a punição de Ustra e justiça para Merlino, assim como a punição de todos os torturadores e justiça para todos os resistentes da ditadura civil-militar.

Como testemunhas de defesa Ustra conta com o Presidente do Senado José Sarney, o ex-ministro Jarbas Passarinho, um coronel e três generais de reserva do Exército. O senador Sarney tenta se esquivar e sair de cena, mas resta à juíza exigir sua declaração. Lembre-mos que Sarney foi um dos políticos apoiadores do regime de exceção, participou do governo ditatorial e atualmente faz parte da base aliada do governo federal.

Diego Becker

 

 



[1] Retirado de http://www.cartacapital.com.br/politica/maierovich-%E2%80%9Cjobim-ja-deveria-ter-investigado-o-sumico-internamente%E2%80%9D.

[2] Retirado: matéria de Bárbara Mengardo, “Ex-presos políticos clamam justiça”. In: Revista Caros Amigos. 27/07/2011.