Entrevista com a veredora Ana Nice, candidata à reeleição pelo PT (13.123)
Inverta - Fale um pouco da sua luta aqui em São Bernardo, como primeira vereadora negra eleita pela cidade e a importância do enfrentamento ao neoliberalismo na conjuntura que o Brasil vive hoje.
Ana Nice - Primeiramente, gostaria de dizer que o machismo e racismo estrutural estão colocados em todas as esferas da nossa sociedade e aqui na Câmara não é muito diferente. Por exemplo, os registros que a gente faz da candidatura não apresentam a opção "vereadora" só vereador. A sala de apoio, onde os vereadores tomam café, não tem banheiro feminino, mesmo que as mulheres disputem as eleições desde 48. Isso porque estamos falando de uma estrutura arquitetônica recente que é a da Câmara.
Fui a única mulher eleita em 2016 e única vereadora negra da história cidade. Infelizmente, devido ao machismo, as pessoas acabam se referindo a você como sexo feminino, não como parlamentar. Mas, mesmo que eles esperem que a gente se cale nesses espaços majoritariamente masculino,sempre nos colocamos na defesa da classe trabalhadora. Por exemplo, na questão dos servidores públicos. Eles dão um jeito de deixar os projetos referentes aos servidoes sempre para o meio da sessão de forma que fique pouco tempo para a leitura dos projetos e leis anteriores que podem derrubar aquele projeto ali. Mas nós estamos sempre muito atentos e mandamos uma foto da proposta aos respresentantes sindicais para consultá-los e assim construir nosso posicionamento.
Aqui nós temos um enfrentamento muito forte em defesa das políticas para as mulheres. Nós conseguimos, mesmo sendo minoria e sendo a oposição, aprovar a Lei 6.634 que dispõe sobre as Diretrizes Municipais de Enfrentamento a Violência contra as Mulheres. Também a Lei de Valorização da Cultura Afrobrasileira, instituindo a semana da capoeira na cidade; a lei que isenta as pessoas doadoras de sangue, medula óssea e desempregados da taxa do Concurso Público, para que haja isonomia na concorrência das vagas.
Nosso mandato é um mandato de inclusão e defende a pauta das mulheres, dos idosos, das criança e dos adolescentes, da igualdade racial, LGBT, da moradia, de pessoa com deficiência. Redigimos um projeto de lei que dispõe sobre a instalação de semáforos sonoros nos espaços de maior concentração da cidade para as pessoas cegas, que diferente de nós, que graça a Des enxergamos as cores do semáforo, precisam do sinal sonoro. Esse projeto está tramitando na câmara. Temos um projeto que propõe alteração na Lei Orgânica do Município referente a tarifa do transporte público e prevê que antes de ser aprovada o aumento, a empresa concessionário precisa fazer duas audiências públicas na Câmara, apresentando as planilhas, "abrindo a caixa preta" da tarifa do transporte público, justificando o aumento com transparência para os usuários que pagam todos os custos. Na maioria das vezes, mesmo que o salário dos trabalhadores só aumentem corrigindo a inflação, a tarifa aumenta o dobro, o triplo da mesma.
Com o avanço do governo PSDB aqui na cidade, tem avançado também as políticas neoliberais. Inclusive, o prefeito atual tem um departamento de privatização aqui no município, é um absurdo! Até os cemitérios eles privatizaram. Um absurdo porque acabou colocando na mão do capital a dor das pessoas. Nessa hora de maior dor para uma família, ela vai ter que debater e discutir com capital. Sua dor será rmunerada e transformada em fonte de lucro. Eu votei contra e denunciei, mas infelizmente o prefeito tem maioria e aprovou a privatização. Da mesma forma, eles conseguiram renovar a concessão do transporte público da cidade por 30 anos. Para abrir concorrência na concessão foi uma grande luta e tivemos até que entrar com denúncia no Ministério Público. Nós estamos no enfrentamento contra todo esse avanço neoliberal aqui desse governo privatista do nosso município.
Inverta - Ana, conte para a gente um pouco da sua história e da sua trajetória anterior da sua entrada da câmara, como dirigente sindical do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo.
Ana Nice - Eu sou do norte de Minas, da cidade de Espinosa, uma cidade de 33 mil habitantes. Filha de lavradores, eu trabalhei na roça, na colheita do algodão. Não fui pra escola quando era criança porque naquela naquela época não tinha um Bolsa Família, um Bolsa Escola, não vou nem falar do Bolsa Gás, o fogão era lenha, e não tinh como ir para a escola porque o pai trabalhando na roça não podia garantir comida pra todo mundo, então todo mundo tinha que trabalhar e eu levantava às 3h da manhã para fazer comida porque não dava para fazer um dia antes, se não, estragava, porque não tinha geladeira.
Perdi minha mãe muito cedo. Quando eu tinha 5 anos, ela morreu no parto aos 27, até porque não tinha a política pública de saúde como tem hoje. Meu pai morreu quando eu tinha 13 por complicações relacionadas a doença no pulmão. Eu trabalhava em casa de família e acabei ficando lá. Tinha mais três irmãos biológicos e cada um ficou numa casa, e um em São Paulo. Foi assim que eu vim parar aqui em São Bernardo. Uma senhora que era conhecida da família já morava aqui , já tinha 7 filhos, poucos (risos), trabalhava na empresa de vidro Wilton e ficou sabendo que meu irmão precisava fazer tratamento. Ele nasceu com com fenda na palatina e lábio leporino, tinha 11 anos e não tinha feito nenhum tratamento ainda. Aí ela ligou pedindo para um dos filhos ir buscar a gente para o meu irmão fazer a cirurgia. É claro que eu tive resistência em vir morar com um desconhecido, mas acabei vindo. Achei que eu ia ficar só um ano porque foi o período que o juiz da infância concedeu para ela a guarda provisória do meu irmão, mas aquilo já era praticamente uma adoação legal, só eu quem não sabia. Nós fomos então adotados por aquela senhora. Acho que um pouco do que sou hoje eu devo a ela porque ela trabalhava à noite inteira chegava em casa e pegava o meu irmão para levar para o médico. Me matriculou no ano seguinte que eu cheguei no supletivo da escola Clóvis de Lucas e com 19 anos eu terminei a 8ª série e tive oportunidade de entrar na categoria metalúrgica.
Foi aí que eu tive contato com a classe operária. Em 93, quando eu entrei na Panex eu presenciei a efervescência de quatro greves naquele ano na fábrica. Eu ainda não tinha nenhuma militância, nenhum acúmulo. Mas comecei a participar de alguns seminário do sindicato em 2002 eu fui convidada para fazer parte do comitê sindical da empresa. Os comitês foram criados em 99 e Luiz Marinho na época era o presidente do sindicato e falava que as empresas que tinham mulheres trabalhadoras tinham que comprar chapa com elas. E aí eu fui convidada. Resisti bastante por não ter história de militância em minha família, mas o pessoal acabou me convencendo. Atuei na defesa dos trabalhadores, o tempo inteiro. Quando havia alguma irregularidade, parava a produção, negociava. Também atuei no movimento negro, no movimento de mulheres. Fui coordenadora da comissão de igualdade racial e coordenadora da comissão de mulheres. Lutei pelos 180 dias de licença maternidade e outras lutas.
Conclui o ensino médio com eliminação de matérias no SESI e no SENAI em 2004. Formei-me com literatura plena e bacharelado em história na Fundação Santo André em 2009 e depois estudei um ano na Unicamp, uma especialização em Economia do trabalho e Sindicalismo. Fui representante do sindicato no CEU que é o Comitê de Extensão Universitária da UFABC. Quando o Marinho era prefeito da cidade, eu fui convidada para compor o governo, mas como eu tinha acabado de chegar na executiva do sindicato, minha decisão foi ficar, uma vez que fui eleita pelos trabalhadores à direção do sindicato para representá-los, optei por cumprir meu mandato. Até que em 2016 veio o desafio de ser candidata a vereadora e acabei sendo convencida, também porque não tinha nenhuma vereadora na cidade. Foi assim que fui eleita a primeira vereadora negra, tendo sido a segunda mais bem votado pelo Partido dos Trabalhadores, com apenas 29 votos de diferença do primeiro mais votado.
Indicamos nosso voto na vereadora Ana Nice por sua história de vida e de luta. Por seu compromisso na luta contra o avanço do neoliberalismo na cidade e por seu comprometimento em apoiar às lutas contra essa política-econômica nos próximos anos!
Em São Bernardo,
Vereadora - Ana Nice - 13.123
Prefeito - Luiz Marinho - 13