Marina Silva e o ecologismo liberal

Texto que análise uma nova face da direita brasileira, os eco-capitalistas

Nestas eleições, o Partido Verde apresentou a candidatura de Marina Silva à presidência. Ex-ministra do meio-ambiente no governo Lula, projetou-se como “terceira via” diante da tradicional polarização entre PT e PSDB e teve um discurso fortemente voltado à defesa do chamado “desenvolvimento sustentável”. A situação crítica em que se encontra o meio-ambiente, principalmente depois da Segunda Revolução Industrial que estabeleceu o petróleo e o carvão como matrizes energéticas principais, tem sido denunciada historicamente tanto pela direita quanto pela esquerda. Para entender o papel de Marina Silva como representante de uma parcela da burguesia nacional é necessário fazer um breve levantamento histórico da discussão sobre meio-ambiente.

 

A partir dos anos 1960, o tema ganhou muita força na Europa, sendo criado o Clube de Roma por cientistas, políticos e acadêmicos. Marcado por uma orientação neomalthusiana, o Clube advogaria a tese do “crescimento zero”: o crescimento chegaria a um limite pela falta de recursos naturais. A Conferência de Estocolmo (1972), a primeira estabelecida pela ONU sobre o tema, seria caracterizada pela oposição entre os países explorados e os exploradores e, devido ao seu idealismo, redundaria num grande fracasso. A União Soviética, por sua vez, também entraria no debate, mas relacionando o problema ambiental com a superprodução capitalista.

 

Na década de 1970, surgiram os primeiros partidos verdes, os quais, apesar de buscarem estabelecer um diálogo profundo com a esquerda, não faziam uma análise a partir da contradição de classes, mas de uma suposta contradição entre sociedade industrial e meio-ambiente. Embora entendessem os problemas ambientais como resultantes do modo de produção capitalista, sua proposta era o resgate das idéias do romantismo alemão do século XIX de “volta ao campo”.

 

Em 1974, os Estados Unidos, sob a orientação de Henry Kissinger, realizaria então um estudo conhecido como NSSM-200, de modo a oficializar a interpretação malthusiana. Em 1980, a partir desta perspectiva estadunidense, pela primeira vez, um relatório da União Internacional para a Conservação da Natureza apresentaria a idéia de “desenvolvimento sustentável”, definida conceitualmente sete anos mais tarde pelo Relatório Brundtland da Comissão Mundial sobre Meio-Ambiente e Desenvolvimento.

Com a queda do campo socialista, a burguesia passaria à ofensiva e os Estados Unidos imporiam uma agenda internacional de liberalização econômica, destruindo os direitos trabalhistas conquistados historicamente e dividindo a esquerda. Neste período, ganhariam destaque os chamados “novos temas” e, portanto, o debate sobre meio-ambiente e ecologia se alastraria, principalmente com a ECO92 no Rio de Janeiro.

Enquanto a recusa estadunidense a assinar o Protocolo de Quioto reaproximaria os grupos anti-imperialistas do tema de meio-ambiente, a ONU apresentaria as metas do Milênio e diversas conferências de desenvolvimento sustentável, impossíveis de serem seguidas pelos países explorados. As análises do comandante Fidel Castro seriam uma importante contribuição neste debate e fortaleceriam a perspectiva de esquerda.

A candidata Marina Silva defende o “desenvolvimento sustentável” num contexto de crise energética internacional em que os Partidos Verdes, de maneira geral, começaram uma lenta aproximação com a burguesia e os partidos de direita. Na Europa, estes partidos passaram a aliar-se aos partidos conservadores (CDU na Alemanha e Modem na França). Sem fugir dessa lógica, Marina Silva uniu-se a setores da burguesia descontentes com a candidatura de José Serra.

 

A apresentação, em maio, de Guilherme Leal, da Natura, como vice de sua candidatura e a defesa de um programa político mais liberal em alguns pontos do que o do próprio candidato do PSDB fez com que Marina Silva fosse aceita, por parte da burguesia, como sua possível representante. Em seu programa na internet, defende, por exemplo, que “o comércio internacional é, comprovadamente, uma fonte de geração de riqueza. A abertura comercial, se complementada por políticas que suavizem o ajuste econômico e social para os setores mais afetados, é um poderoso instrumento de combate à pobreza. O Brasil deve ter um papel ativo na eliminação das barreiras e distorções que prejudicam o livre comércio” (http://www.minhamarina.org.br/diretrizes_governo/governo/politica-externav2.php) .

 

Não se pode desconsiderar tampouco a favorável cobertura dispensada à candidata pela imprensa burguesa. Diferentemente de todas as críticas e acusações feitas à candidata do PT Dilma Rousseff, Marina foi apresentada como um fenômeno político de grande envergadura, tendo sua representatividade política inflada de modo a levar a disputa presidencial ao segundo turno. Os grandes meios de comunicação sabiam que, por mais que dessem destaque à “onda verde”, Marina Silva nunca teria força para tirar o candidato de sua preferência, José Serra, do segundo lugar.

 

Não por acaso, o PV, tradicionalmente um partido de pouca expressão eleitoral, conseguiu 19,33% dos votos válidos, levou a maioria dos votos no Distrito Federal e teve grande destaque em algumas capitais. Em Macapá, Manaus, Salvador, Fortaleza, Vitória, São Luís, Belo Horizonte, João Pessoa, Teresina, Rio de Janeiro e Palmas chegou a superar o candidato José Serra. O próprio jornal Folha de São Paulo reconhece que “voto conservador ligado a valores morais e religiosos e bom desempenho entre as classes médias e entre eleitores de periferias de grandes centros urbanos impulsionaram a candidatura de Marina Silva (PV) no primeiro turno presidencial”.

Desta forma, apesar de seu discurso ecologicamente responsável, Marina Silva foi uma legítima representante de uma parcela da burguesia nestas eleições, não podendo ser entendida como uma candidata apresentada pela “esquerda”. Trata-se da velha retórica do “desenvolvimento sustentável”, somada às bandeiras ongueiras de “responsabilidade social”, “participação cidadã” etc, ao lado de um discurso cristão ultra-reacionário. O ecologismo de Marina Silva iludiria uma parcela da esquerda, mas seu diálogo real se daria com a pequeno-burguesia moralista e com a burguesia liberal.

 

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