Poder Judiciário sinaliza contra os direitos trabalhistas
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, participa junto com o presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro Ives Gandra Filho, de uma cruzada conservadora e reacionária contra os trabalhadores. Com o apoio da mídia, que amplifica suas declarações, eles buscam preparar o terreno para uma reforma trabalhista ao gosto dos patrões.
No dia 30 de junho, o Instituto Brasiliense de Direto Público (IDP), escola privada de propriedade de Gilmar Mendes, lançou um Grupo de Pesquisa de Direito do Trabalho, que conta com a participação do presidente do TST, Ives Gandra Filho. Segundo declarou Mendes, que é o “coordenador acadêmico” da equipe, “o grupo fará um inventário, contemplará várias visões e poderá produzir sugestões que possam ser submetidas ao Congresso Nacional nesse momento em que se discute muito relações trabalhistas, reforma previdenciária e outros temas importantes”.
São grupos da elite, nos quais não participa um único trabalhador, que prepararão as propostas que o Congresso provavelmente acatará. É importante que os trabalhadores conheçam a trajetória e como pensam esses cidadãos que concentram tanto poder sobre a vida de milhões e milhões de brasileiros.
Gilmar Mendes afirmou em uma palestra, no dia 21 de outubro, que a Justiça do Trabalho hiperprotege o trabalhador, tratando-o quase como um sujeito dependente de tutela. Para ele, o tribunal tem má vontade com o capital. Pouco mais de uma semana depois, foi a vez de Ives Gandra Filho afirmar em uma entrevista que a Justiça do Trabalho está desbalanceada e que pende demais para o lado dos trabalhadores.
É preciso perguntar: em que realidade esses ministros vivem? Não pode ser a do Brasil, país onde ainda existem centenas de milhares de pessoas trabalhando em regime de escravidão e semiescravidão, onde pelo menos 10 milhões de pessoas trabalham sem carteira assinada, onde outros milhões são terceirizados. Enquanto isso, os donos das grandes empresas e dos bancos lucram bilhões. Para esses ricaços não existe crise.
Em um país no qual podemos constatar o domínio absoluto de sua economia por um punhado de monopólios, como é o caso do Brasil, os direitos dos trabalhadores não podem estar sujeitos à lei do mercado. São conquistas, direitos inalienáveis, e o parágrafo 4 do artigo 60 da Constituição, que definiu suas cláusulas pétreas, proíbe a abolição de direitos e de garantias individuais.
Gilmar Mendes tem outro entendimento. Por isso, com uma canetada, contrariou um entendimento consolidado no TST suspendendo a ultratividade, que garantia validade dos direitos e benefícios já conquistados no Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) até a assinatura do novo acordo.
Isso significa uma pressão covarde contra os trabalhadores, que estarão forçados a aceitar logo a assinatura dos acordos, ao gosto das empresas, já que após o vencimento da data-base eles deixarão de receber benefícios como tíquete-alimentação, vale-transporte, licenças e várias outras cláusulas sociais e econômicas.
Ives Gandra foi indicado a compor este tribunal por Fernando Henrique Cardoso. Em 1993, o atual presidente do TST era subprocurador-geral do Trabalho e apresentou sugestões para estender a terceirização, que na época era permitida apenas em atividades temporárias e de vigilância, para todas as atividades-meio, isto é, que não sejam a finalidade da empresa. O TST acatou suas sugestões e editou a súmula 331, que abriu as portas para as terceirizações tais como as conhecemos hoje.
Esta súmula liberou também a terceirização para o setor público, uma afronta ao entendimento da Constituição de 1988, que elevou os direitos trabalhistas a direitos fundamentais e estabeleceu o concurso como forma obrigatória de acesso ao serviço público, prevendo exceções que em nada se assemelham às contratações de empresas para prestação de serviços “terceirizados”.
Em pouco mais de duas décadas, muitos trabalhadores brasileiros sentiram na pele o real significado de uma ideia que foi vendida como uma modernização das relações de trabalho. Em fevereiro deste ano, 23 anos depois da súmula 331, ele volta a usar um cargo público para propor uma nova redução de direitos dos trabalhadores.
Logo após assumir, teve suas declarações repercutidas com destaque no jornal O Globo: “Não adianta ficar com briga ideológica de que não pode terceirizar na atividade fim, só meio. Não existe mais a empresa vertical, em que você tem do diretor ao porteiro, todo mundo faz parte do quadro da empresa”.
Novamente, a mesma ladainha das queixas dos pobres empresários e bancos: “Se há tanta reclamação no setor patronal, alguma coisa está acontecendo”, afirmou o ministro.
É importante vermos qual é a ideologia por trás desse plano, o neoliberalismo. Segue o ministro em sua entrevista ao Globo: “A nossa Constituição prevê a flexibilização de direitos em crise econômica. Se você não admite essa flexibilização, pensa que está protegendo o trabalhador a ferro e fogo. É como se quisesse revogar a lei da gravidade por decreto, revogar a lei do mercado. Você vai quebrar a cara”.
Para ele, o governo de Dilma Rousseff “foi o que bateu mais contra a prevalência do acordado sobre o legislado e esse programa é claramente de flexibilização, ao permitir redução de salário e de jornada para períodos de crise. Os fatos vão se impor”. Quem diz isso é filho do também jurista Ives Gandra Martins, que com a advogada Janaína Pascoal, assinou a acusação do impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff.
Rafael Rocha