Entrevista com Gilberto Palmares (13455)
INV – Ao contrário do que muitos afirmam, a classe operária aumentou em números absolutos, mesmo com a chamada revolução informacional; ao mesmo tempo aumenta o desemprego e a informalidade nas relações trabalhistas. Qual foi a sua atuação parlamentar nessa área?
Gilberto Palmares – Eu continuo entendendo que a principal contradição da sociedade em que vivemos é a contradição Capital versus Trabalho. A contradição entre os trabalhadores e aqueles que são os donos dos meios de produção. Eles controlam os meios de comunicação (…).
Tem um exemplo que eu queria dar de nossa luta na Assembleia Legislativa que marca isso. Sou de uma categoria que mudou muito o seu perfil nos últimos 30 anos. Sou trabalhador do setor de telecomunicações, fui da Embratel durante quase trinta anos, presidente do sindicato do setor de telecomunicações em um período em que o setor era praticamente constituído por algumas poucas empresas, todas elas empresas estatais.
Aqui no Rio, por exemplo, você tinha a Embratel, uma empresa com atuação nacional, tinha a antiga TELERJ e tinha a CETEL, empresa focada na região suburbana e norte-fluminense. Hoje, depois da privatização, existem 18, você tem uma multiplicidade enorme.
A minha categoria profissional é basicamente constituída por jovens, quase 80% de mulheres, que cresceu numericamente muito, nos últimos anos. Hoje, se você olhar no Brasil todo, deve ter mais de 1 milhão de pessoas [nessa área], são os chamados operadores de call centers ou de teleatendimento.
Você tem poucos setores da economia que prescindem deste trabalho. Setor de aviação, financeiro, enfim, todos eles. É um setor hiperexplorado. Você vê que eles exigem da maioria dessas trabalhadoras e trabalhadores que tenham no mínimo o segundo grau. Cheguei a ver um edital do BNDES para contratar mão de obra terceirizada que exigia que estivessem cursando a universidade, para um pessoal que ganha próximo a um salário mínimo e que tem condições de trabalho muito sofridas. Até pouco tempo atrás eles tinham tempo controlado para ir ao banheiro.
Uma das nossas lutas na Alerj tem sido essa. Eu presidi uma comissão especial de combate ao trabalho precarizado, que percorreu uma série de call centers fazendo o diagnóstico, apresentando um relatório e brigando. Isso inclusive gerou um projeto de lei, que foi apresentado por dois deputados federais do PT, pois, como se trata de legislação trabalhista, tem que ser encaminhado no Congresso Nacional. É um projeto de lei que está tramitando há seis anos para regulamentar as condições de trabalho dos trabalhadores de call centers. Esse é um exemplo típico das lutas que temos travado aqui na Alerj. Esse trabalho nosso alguns anos atrás trouxe à tona algo que fica camuflado, mas que ainda existe, que é o trabalho escravo, em condições degradantes.
INV – Nos fale um pouco mais sobre a atuação da comissão.
Gilberto Palmares - Essa nossa comissão revelou a existência de um grupo de jovens que trabalhava aqui vendendo redes e que ao investigarmos descobrimos que eles vinham do estado da Paraíba, onde as redes eram produzidas e ficavam alojados em condições sub-humanas no Bairro do Catiri, em Bangu, ganhando por peça. De tanto denunciarmos, o caso explodiu na imprensa e daí o Ministério do Trabalho multou a empresa e exigiu que eles tivessem as condições de trabalho regularizadas. Muitos desses jovens regressaram à Paraíba. Além disso, posso citar outras questões pontuais, mas que têm relevância. Fomos procurados por dois motoristas profissionais e um, que estava desempregado, foi pedir ajuda financeira para pagar a taxa do DETRAN para renovar sua habilitação. Nós achamos isso um absurdo, como um trabalhador desempregado tem que pagar para conseguir um documento para conseguir um novo posto de trabalho? Isso gerou um projeto que apresentamos na Assembleia garantindo que os motoristas profissionais desempregados, ao renovarem seus documentos, não tenham que pagar taxa alguma. Dei exemplos de lutas que nós travamos na Assembleia Legislativa. Outro exemplo é dos pisos salariais. Anualmente, a Alerj recebe um projeto de lei enviado pelo governo do estado discutindo esta questão. Estamos há dez anos brigando e incluindo categorias profissionais nesta questão dos pisos. Você tem categorias de menor tradição de luta sindical, como os trabalhadores de edifícios, até porque é uma categoria dispersa. Todos os anos você vê os zeladores, porteiros de edifícios esperando a votação de uma lei que vai fixar o piso salarial deles. São algumas brechas que encontramos no trabalho parlamentar para sermos solidários e presentes nas lutas dos trabalhadores e dos sindicatos. Além disso, qualquer parlamentar de esquerda tem que usar o espaço que tem como parlamentar para estar presente nas lutas sociais. Em uma greve na qual a polícia está batendo, ou em um setor no qual as pessoas estão constrangendo trabalhadores. Então a gente tem procurado usar a visibilidade do mandato da gente para nos fazermos presentes.
INV - Pequenas conquistas econômicas vão preparando a consciência de classe para a conquista do poder. Sabemos que a luta dos trabalhadores tem uma dimensão maior. Qual a alternativa ao sistema que tem como lei fundamental a concentração da riqueza num polo e da miséria e torturas do trabalho no outro?
Gilberto Palmares - Para mim o valor de todas essas lutas pontuais, que travamos no parlamento, no movimento sindical, na luta comunitária, não esgotam sua importância na pequena conquista de uma lei ou da melhoria do emprego. Acho que dependendo da forma em você se insere nela, ela pode ter um papel educativo sobre as pessoas que participam. Um exemplo é a luta pelo direito à moradia. Estamos brigando com a prefeitura por conta de uma comunidade chamada Indiana, aqui na Tijuca.
Sobre essa afirmação de que a classe operária, no seu sentido clássico da palavra, o setor industrial, as grandes fábricas, está sendo reduzido. As pessoas usam esse discurso para dizer que não há mais classe trabalhadora, mas a grande maioria da população depende do seu suor e da sua inteligência para sobreviver. Mas eu acho que você não tem outro caminho, embora esteja meio em desuso a palavra socialismo e a expressão luta de classes. Essa questão continua absurdamente atual e eu encaro essa luta, a luta parlamentar, a luta sindical, a luta pelo direito à moradia como momentos importantes para você também discutir, realizar um debate, que você luta para ter algumas conquistas pontuais, para superar algumas explorações pontuais, mas sempre tendo o objetivo de construir uma sociedade na qual esta questão seja de fato superada.
INV – A eleição de governos como Lula e Dilma cumpre um importante papel na contratendência ao neoliberalismo, que observamos na ascensão de governos com esse perfil na Venezuela, Bolívia, Equador e outros. O senhor concorda que o governo Dilma reforça essa aliança contra o imperialismo?
Gilberto Palmares - (…) A poucos dias das eleições, estamos lutando para que a presidenta [Dilma] seja reeleita. Algumas questões são centrais, lembro-me de que no primeiro Governo Lula a pancadaria da mídia era na questão do gás da Bolívia. Eles diziam que o governo brasileiro estava conciliando com a Bolívia, estava tirando riquezas do Brasil para entregar a outro país. Lembro de Hugo Chávez, que não sucumbiu às várias tentativas de golpe, entre outras questões, porque existia um governo no Brasil que era minimamente solidário. O Aécio, ainda na tentativa desesperada de ir para o segundo turno, afirma que a questão do Porto de Mariel em Cuba é algo que eles vão bater sempre. Ele diz que é o Brasil dando riqueza para Cuba. Como é absurdo o trabalho ideológico feito pelos inimigos da esquerda de uma maneira geral com relação ao perdão da dívida dos países africanos, dizendo que isso era para beneficiar ditaduras. Que nada, o que se fez no Governo Lula e no atual,é reconhecer que é importante para o Brasil e para o povo brasileiro ter um governo que seja minimamente solidário aos povos que são explorados e aos governos que estão tentando minimamente enfrentar essa exploração. Então, o que é extremamente importante, nestes governos, é essa luta na área internacional que se caracteriza pela solidariedade. Hoje está meio fora de moda governos com algum caráter progressista nos chamados países do terceiro mundo, países ainda com uma experiência socialista como Cuba e a luta para furar esse esquema no qual alguns países são os donos do mundo, o que, mesmo com contradições, cria outros tipos de parceria. Acho que essa é uma das coisas extremamente importantes desde o Lula e agora com a Dilma.
Uma coisa que tem faltado no Brasil, e que temos que entender, é a diferença entre partido e governo. Acho que, seja o Lula, seja a Dilma, seja qualquer outro governante, presidente, governador de estado, como existem vários, enfrenta os limites de uma série de outras instituições que têm maioria conservadora, como é o caso do parlamento, são muitos.
Aí entra a função de parlamentares sejam de esquerda, dos partidos políticos de uma maneira geral, que eu acho que têm cometido um certo erro no Brasil nos últimos anos. Eu não diria ignorar, mas minimizar o papel da luta ideológica.
INV – A luta pela democratização dos meios de comunicação continua sendo imprescindível em sua opinião?
Gilberto Palmares - (…) Qualquer coisa que você fale sobre como o sistema Globo e a grande mídia agem como partido político, interferindo diretamente no processo eleitoral contra qualquer ideia progressista, logo levantam a bandeira de que você está querendo quebrar a liberdade de imprensa. A esquerda, para não dizer que ela tem errado, tem sido tímida no debate ideológico e um dos exemplos dos debates que têm que ser criados é constatar que não haverá avanço no Brasil sem o debate pela democratização dos meios de comunicação, do acesso à informação. Tenho uma contradição com o governo, porque considero que o acesso à internet tinha que ser considerado como um serviço público. Há uma diferença enorme de qualidade, o que é serviço público é uma obrigação do poder público dar acesso a todo mundo. Como é um serviço público, ele pode ter políticas específicas. Então este é o exemplo de uma luta na qual avançamos pouco e que não vamos avançar do ponto de vista de algumas transformações de maior qualidade, se não fizermos o enfrentamento. Acho que os partidos de esquerda têm sido de uma timidez muito grande.
INV – Quais os seus principais compromissos com aqueles que vão elegê-lo deputado estadual?
Gilberto Palmares - Meu compromisso principal é o que eu falei antes, lutar para que o mandato de deputado estadual seja exercido de forma coletiva. Que ele enfrente questões concretas que afligem a vida de segmentos da população e que esse enfrentamento ajude no debate para que as pessoas enxerguem melhor como é a sociedade organizada.
Eu vou citar duas coisas que eu não falei. Não houve um único ato de campanha no qual eu tenha participado, pequeno ou grande, que eu não tenha falado da centralidade, aqui no estado do Rio de Janeiro, da questão da saúde pública na luta contra a tuberculose. O Rio de Janeiro é o pior estado do Brasil em mortes por tuberculose. Morrem quase 800 pessoas por ano e ninguém sabe disso. Ninguém comenta. Esse é um problema gravíssimo. Acho que ao combater a tuberculose você está ajudando a salvar vidas. Está sendo solidário aos segmentos mais pobres da população que é onde morrem pessoas por tuberculose. O embate contra a tuberculose te dá um leque enorme de possibilidades de discutir as contradições da saúde pública de maneira geral.
Outro exemplo é a questão da segurança pública, mas com um outro viés, o uso da inteligência, o uso dos avanços tecnológicos para fortalecer a segurança pública e neste debate ver quem é mais atingido pelos problemas de segurança pública. Os jovens e os negros. Fiz uma lei que na época o governador Cabral vetou. Demos a sorte, pois é algo muito difícil, de termos conseguido derrubar o veto na Alerj. É uma lei que exige que todos os carros da polícia devem estar dotados de um sistema de áudio e vídeo que monitore o interior e o exterior da viatura como um instrumento para tentar minimizar algo extremamente comum, que é a violência e o achaque da polícia contra a população, principalmente dos setores mais pobres. O exemplo recente foi o dos meninos que foram levados para Sumaré, onde foram assassinados. O mandato tenta pegar algumas questões olhando sempre que toda moeda tem dois lados. Um é fazer os enfrentamentos que possam resultar em algo concreto de minorar os problemas. O outro lado é que também possam gerar um debate mais amplo. Você vai falar da câmera de vídeos nas viaturas, isso era um debate enorme sobre a problemática da segurança pública. Você fala da tuberculose e isso gera um debate enorme sobre a pobreza e a saúde pública.
Uma outra questão, até pelo que falei há pouco, é que temos que discutir outros valores. Quais os valores que queremos numa nova sociedade. É o combate a toda e qualquer forma de discriminação. O estado do Rio tem mais de 16 milhões de pessoas. Grande parte delas adeptas de alguma religião e ainda hoje você vê claramente situações de agressão por uma questão religiosa. Recentemente, um menino foi impedido de entrar na sala de aula pela professora porque estava vestido de branco, a religião do candomblé. Os embates e debates contra as discriminações das mais variadas naturezas, inclusive de natureza religiosa, racial, é uma das questões que têm motivado nossa luta na Assembleia Legislativa.
INV – Gostaria de deixar uma mensagem ao Jornal INVERTA, que este anos completa 23 anos de luta?
Gilberto Palmares – Gostaria de externar meu desejo de que o Inverta amplie seu alcance como um jornal que se propõe a ouvir todo mundo, mas defendendo claramente uma posição de esquerda. É importante a aproximação do Inverta com o movimento sindical. Houve um momento em que o movimento sindical era mais rico, lutava mais, era mais combativo, mais reivindicativo, só isso já ajudava a formar novas pessoas. Agora ele ainda luta, mas de forma mais tímida. Por isso creio ser importante a aproximação com meios de imprensa como o INVERTA. Também acho muito positivo o trabalho de vocês com o Granma Internacional de Cuba. Cuba está lá, aquela ilha isolada com 12 milhões de pessoas, mas ainda assim incomodando muito. Um exemplo disso é o programa Mais Médicos. Quem é crítico a esse programa hoje? Vejo prefeitos de vários partidos agradecendo a chegada aos médicos. Tem uma distorção da mídia que mostra um pequeno número de médicos cubanos que abandonaram o programa, mas esconde a esmagadora maioria de médicos cubanos que criaram uma empatia, aproximando-se muito das comunidades em que atendem. Acho que um instrumento como o INVERTA é fundamental para divulgar informações desta natureza.