Artistas de Belo Horizonte não abaixam a cabeça perante o golpe
Belo Horizonte tem sentido o fervilhar de uma cultura que não pretende se calar frente ao golpe que estamos vivendo. Diversas manifestações artísticas que tiveram lugar na cidade estes últimos meses foram marcadas pela carga política e anti-golpista das obras.
Desde 15 maio, quando foi ocupada Funarte MG, a capital foi sede de shows de música, peças de teatro, saraus de poesia, espetáculos de dança e as mais diversas obras artísticas que incluíram manifestações contra o golpe nos seus roteiros ou foram readaptadas ao redor da temática anti-golpe. A tendência inclui estreia de pequenas peças de teatro e expressões artísticas autônomas a espetáculos de grande envergadura, apresentados em grandes festivais locais, inclusive que já fazem parte da tradição local. Não temos tempo de Temer, é hora de unir forças e se organizar contra o Golpe.
Foto: FUNARTE Ocupada MG - Projeções na Casa do Conde, edifício histórico ao lado da FUNARTE MG Ocupada
Como em todo o país, a Funarte, sede estadual do extinto e reinstituído Ministério de Cultura, foi ocupada em 15 de maio na capital mineira, ocupação constante que durou exatamente um mês para se transformar num fórum de atividades artísticas e culturais que ocupassem outros espaços na cidade: A Cultura ocupa a cidade. Pela ocupação passaram diversos artistas de reconhecimento nacional – como Vander Lee, Renegado, Titane, Fernanda Takai, Graviola, entre outros – e ela também se constituiu em espaço para artistas emergentes de amplo reconhecimento local, como Maíra Baldaia, Débora Costa, Bia Nogueira e Gustavito. Além de vários debates e atos contra o Golpe, o espaço acolheu apresentações durante o FIT, a Virada Cultural, o Festival de Arte Negra, o Festival de Arte e Cultura da Reforma Agrária, entre outros.
Foto: FUNARTE MG Ocupada - cantora, compositora, atriz e tamborzeira Maíra Baldaia acompanhada da atriz e tamborzeira, lutadora de congado Débora Costa.
O Festival Internacional de Teatro, realizado em 26 locais da capital, reuniu cerca de 80 mil espectadores para apreciar espetáculos de quase 10 países, teve seu encerramento no dia 29 de maio. Diversas peças de teatro se adaptaram e reivindicaram uma postura anti-golpista, como ‘Calor na Bacurinha’, uma “saga carnavandalizada melitintante de mulheres autênticas” realizada no Galpão Cine Horto, cujas atrizes, ao simbolicamente queimar sutiens no final da peça, queimaram um sutien por Dilma e contra o Golpe.
Foto: Bacurinhas Apresentação de Calor na Bacurinha no Galpão Cine Horto
Também a peça ‘À Tardinha no Ocidente’ realizada em praça pública, do grupo Primeira Campainha, uma comédia infantil para a reflexão política: Rê (República), Mona (Monarquia), Ana (Anarquia), Tops (Utopia) e Dita (Ditadura) se encontram para jogar bola na rua, depois da “Ave Maria” na Igreja e antes de tocar o “Guarani” no rádio. A brincadeira que parece a história brasileira terminou no último dia do FIT com uma faixa gigante “Fora Temer” estendida no coreto da Praça da Liberdade, antro da oposição fascista.
Foto: Rê, Mona, Ana, Tops e Dita cantam no espetáculo À tardinha no Ocidente
Ainda no mês de julho, a Coccix Companhia Teatral realizou na periferia belo-horizontina uma série de oficinas de formação e apresentações do espetáculo ‘Para se Ta Mal: ensaio de uma manifestação para poder poder’, uma comédia que discute a situação da saúde e da educação, assim como a constante luta contra sua privatização. O panfleto de divulgação continha escondida a mensagem “Fora Temer” em letras vermelhas.
Convocatóriado COCCIX Cia. Teatral com a mensagem escondida “Fora Temer” em vermelho
A Virada Cultural de Belo Horizonte teve 24 horas de atividades artístico-culturais durante os dias 9 e 10 de julho, com um porém: a prefeitura pró-golpe de Márcio Lacerda (PSB-PSDB) adicionou uma cláusula ao contrato dos artistas que proibia manifestações políticas durante qualquer apresentação. A famigerada Cláusula 8 apenas instigou a ampla manifestação contra Temer e o Golpe por parte dos artistas e principalmente do público, que saiu às ruas da capital com placas, faixas, camisetas e panfletos.
Foto: PT.org – O artista Flavio Renegado protesta contra o golpe durante apresentação na Virada Cultural de BH 2016. A frente da camiseta lia: Cláusula 8.
Um comunicado assinado por diversos artistas locais e nacionais informa: “Somos terminantemente contra toda e qualquer medida que se assemelhe ou se remeta à ideologia de controle representada pelo AI 5 e que gerou a prisão, punição e tortura de jovens, cidadãos, cidadãs e artistas brasileiros durante a ditadura militar no nosso país. Censura nunca mais!” Um dos pontos de auge na programação foi a apresentação da peça ‘pra dar um UM FIM NO JUÍZO de deus’, de Antonin Artaud (1896-1948) pelo consagrado Teatro Oficina, que assina essa sessão-manifesto na capital mineira contra “a ascensão do fascismo nos tribunais de juízes da verdade única que instauram uma crise política e afrontam a democracia”.
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) realizou também nesta cidade o Primeiro Festival de Arte e Cultura da Reforma Agrária, entre os dias 20-24 de julho. Concebendo cultura como “tudo aquilo que produzimos para reproduzir a nossa existência”, o evento reuniu agricultores das cinco regiões do país para expor em Minas Gerais o melhor da cultura produtiva do campo e popular vinculada à resistência política e à batalha de ideias.
Foto: MST -Festival de Arte e Cultura da Reforma Agrária: 23 shows, sete debates temáticos e 200 toneladas de alimentos produzidos nos acampamentos e assentamentos do MST
Segundo informou a meios locais Enio Bohnenberger, da direção nacional do MST, o movimento escolheu Belo Horizonte porque “é uma das capitais mais importantes do país e porque tem uma cultura da periferia se destacando aqui, e está cumprindo um papel fundamental.”
Foto: MST - Noite da Viola no Festival contou com Pereira da Viola, Zé Mulato e Cassiano e muita poesia
Nos últimos dias do mês de julho, Idylla Silmarovi levou o espetáculo ‘Guerrilha’ para o Sesc Palladium, no centro, um resgate histórico perturbador e necessário que traz à tona recortes, entrevistas, encenações e depoimentos de mulheres reais que lutaram contra a última ditadura civil-militar no Brasil, cujo fantasma volta a assombrar as novas gerações.
Foto: SESC/BH - O espetáculo Guerrilha não deixa esquecer as torturas e a luta das mulheres contra a ditadura civil-militar no Brasil.
Além disso, uma imensa mobilização está acontecendo fora da região central da cidade, apesar de não ter tanta visibilidade, envolvendo setores de luta e resistência histórica nas vilas e favelas, aglomerados e comunidades de Belo Horizonte, tecendo uma malha de apoio mútuo e fortalecimento, incluindo MCs, sambistas, rockeiros, etc.
Nesse momento de crise, a burguesia mostra sua cara mais bárbara e seus verdugos começam de novo a se sentir à vontade para perseguir e proibir todos os tipos de manifestação livre de opinião e cultura popular, a força que alimenta nosso espírito histórico nacional e de luta. Essas manifestações artísticas mostram que a dialética é infalível: também todo momento de crise é uma oportunidade revolucionária que se abre.
A arte e seu potencial subversivo são essenciais na articulação e manutenção dessa luta, mas os artistas da capital mineira precisam de uma estrutura que permita sua defesa e fortalecimento, principalmente em uma cidade que nos últimos anos só viu desaparecer os espaços para cultura alternativa e popular. Quando se fecham as cortinas, quando o público se vai; para além de manifestações artísticas, o que podem fazer os artistas para defender seu próprio direito à existência nesse mundo mercantilizado do capital? Como essa força, que se cozinha no caldeirão fervilhante de ódio e indignação perante o fascismo, pode se transformar numa força coordenada que poderá dar um golpe decisivo no nosso inimigo de classe?
Já dizia Lenin: “Na sua luta pelo poder, o proletariado tem como única arma sua organização”. Está na hora de unir esforços, lembrando outros momentos de luta onde os artistas mineiros deram uma lição de organização e resistência revolucionárias. Se perder seu vínculo com o povo, a arte se transforma em instrumento contra a própria classe trabalhadora – o que o capital não consegue transformar em mercadoria, ele destrói.
Por uma arte em luta contra o neoliberalismo e pelo socialismo!
Sucursal BH