Dos Muros para as Telas

A exposição do artista plástico Alexandre Antônio da Silva, 45 anos, pode ser visitada no Centro Cultural de Ceilândia, no Distrito Federal, que fica ao lado da estação do metrô Ceilândia Norte. A mostra chama a atenção por seus traços firmes, intensos e principalmente por apresentar a beleza, a criatividade e o lado de protesto, questionador do Hip Hop e da cultura nordestina popular, com Lampião e Maria Bonita, Padre Cícero, Luiz Gonzaga e outros nas telas.

Nesta edição, o INVERTA traz aos leitores e leitoras um pouco do encantamento do trabalho de Alexandre.

INV – Nos fale um pouco sobre sua origem, o início de sua vida e juventude

AAS Nasci e fui criado em Ceilândia, filho de nordestino de Dicó, Ceará. Com 16 anos de idade tinha muitos amigos que desenhavam, ficava rabiscando, sentava ao lado deles e ficava aprendendo. Com o tempo surgiu o desejo de me tornar um artista plástico. Me considero um autodidata, não passei por nenhuma escola, alias a vida foi minha escola. Fazia grafites em escolas, no comércio, em festas juninas para quadrilhas.

Tive uma adolescência difícil. Os mesmos amigos com quem aprendi a desenhar formaram uma gangue de escola, também fiz parte dela, usávamos drogas, bebíamos, havia brigas entre as gangues, aprontávamos em Ceilândia. Certa vez falei pra minha mãe que não passaria dos 20 anos, mas um amigo me convidou pra participar de um grupo jovem de uma igreja, então, pude fazer uma nova escolha, mudei a direção de minha vida, meus amigos começaram a morrer um a um.

INVVocê falou como a arte também determinou um novo rumo em sua vida.

AAS – Sim, verdade, através da arte conseguir sair dessa vida. O trabalho com a pintura me apresentou também um novo horizonte, uma nova percepção; me casei, veio a primeira filha. Da mesma forma minha família contribuiu para o novo rumo, sem abrir mão do meu viés artístico.

Quando comecei a fazer o grafite, era relacionado ao Rap, ao grafite, ao DJ, ao Break. Cresci ouvindo a história do Hip Hop, as músicas, e seguindo algumas vertentes culturais do Hip Hop e da cultura popular nordestina, fiz uma mesclagem, misturei as duas áreas, tornei minha arte bem ampla. O Hip Hop tem uma influência muito grande na sociedade, muitos jovens crescem se espelhando nos artistas dessa vertente cultural, as letras sempre querem dizer alguma coisa e está relacionado a nossa história de vida, assim como a cultura nordestina tem influenciado no amadurecimento e crescimento. Principalmente a juventude popular, da periferia. Temos uma raiz, e isso determina um estilo de vida.

INVQuais são suas principais referências?

AAS – No Brasil e no mundo têm muitos artistas que nos influenciam, que nos espelhamos. Quando comecei no Hip Hop ouvia muito música americana, de Tupac Shakur e outros, então, percebemos como podem nos influenciar; aí começamos a ouvir também os Racionais, aqui em Brasília, o Câmbio Negro, Viela Japão, hoje tem o Hungria, a Tribo da periferia e nós como desenhistas passávamos o que eles nos transmitiam para o papel, hoje passo para tela. Nosso Rap do Brasilzão é muito interessante pra gente, pra nossa juventude.

INV E o Nordeste?

AAS –A partir dos anos 90 quando comecei fazer trabalho de equipe nas festas juninas, em Brasília elas são tradicionais, me interessei em pesquisar as personalidades nordestinas, como Patativa do Assaré, Ariano Suassuna, Luiz Gonzaga, e resolvi trazê-los para meu trabalho nas telas. Nas artes plásticas não são somente o rap, a rima, o break, mas também o repente, a música nordestina que trago também das minhas origens nordestinas.

INVE das mudanças da sua juventude para a de hoje?

AAS – Hoje mudou muita coisa; na minha época não tínhamos condição de comprar bons equipamentos, e nem existia como hoje, a evolução tecnológica, a internet nos oferece muitas coisas boas, ajudando os artistas a fazerem grandes trabalhos com perfeição. Na minha juventude, a carência era demais ou agente comia ou comprava material, a situação da classe trabalhadora tá um pouco melhor do que antigamente, os artistas chegam com uma qualidade vida um pouco melhor.

INVVocê gostaria de deixar uma mensagem para os jovens?

AAS – Quero passar como visão para os adolescentes de hoje, que sigam os exemplos dos artistas que tem uma bagagem, uma história de vida. Siga os exemplos bons, não se envolvam com drogas, com gangues, com guerras, não tentem fazer justiça com as próprias mãos, isoladamente. Vivemos um mundo muito difícil, com guerras no Brasil e no mundo. É preciso que os jovens sejam lideranças que possam transformar suas comunidades, nosso país, não buscando fazer o errado. Sejam jovens com ambição, mas para fazer o melhor com sua história de vida, use seu talento, seja na dança, grafite, pincel, letras, os movimentos tanto do Hip Hop como em outras vertentes artísticas para fazer a sua e a nossa história.

Para você que reside em Brasília não deixe de visitar a exposição do artista. Ela também poderá ser visitada no II Seminário de Lutas Contra o Neoliberalismo - Guerra e Paz que ocorrerá na UNB no dia 23 de Outubro de 2025, onde o mesmo já confirmou sua presença.

Osmarina Portal

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