A resistência d’Os Proletários da Bola

No dia 07/07, foi realizado no Rio de Janeiro o lançamento do livro do historiador Gustavo Santos da Silva, “Os Proletários da Bola: The Bangu Athletic Club e as lutas de classes no futebol da Primeira República (1894-1933)”. Quem curte ler sobre futebol, gosta principalmente que um livro fuja do óbvio, quebre com clichês.

Nos últimos dias tivemos o centenário do João Saldanha, aniversário do Levante dos 18, do Levante Revolucionário, Independência da Argélia, Argentina e Venezuela. Apesar de tudo, a história sempre é contada na mesma versão: a dos vencedores. Foi assim que aprendemos nas escolas, nos jornais e afins. Isso serve tanto para a história da Humanidade quanto para a história do futebol.

No dia 07/07, foi realizado no Rio de Janeiro o lançamento do livro do historiador Gustavo Santos da Silva, “Os Proletários da Bola: The Bangu Athletic Club e as lutas de classes no futebol da Primeira República (1894-1933)”.

Quem curte ler sobre futebol, gosta principalmente que um livro fuja do óbvio, quebre com clichês.

Gustavo faz isso muito bem. Ao invés de contar a clássica história da origem do futebol para (literalmente) inglês ver, com Charles Miller (em São Paulo) e Oscar Cox (no Rio de Janeiro) como os pais aristocratas do esporte que nos colocou no mapa o futebol, o pontapé inicial é com Thomas Donohoe (ou para os brasileiros Seu Danau), um operário escocês e sua vida no continente europeu, quebrando a ideia de alguns que insistem que ser working class na Europa é melhor do que aqui. Donohoe aceita a proposta da empresa Platt Brothers & Co, que fornecia maquinário para a indústria têxtil, para trabalhar na Fábrica de Tecidos Bangu, para operá-las.

Aliás, cabe aqui um comentário, para falar do futebol, primeiro fala-se da constituição do bairro e da fábrica, com uma atenção especial à sutileza com que a classe trabalhadora é tratada; seria muito mais fácil tratar apenas do conflito trabalhadores x patrão, o que não acontece aqui; mostra-se as nuances do povo, brasileiros, portugueses, bretões e demais nacionalidades tendo que dividir o mesmo espaço, tanto no bairro, quanto na fábrica. Foi lá, aliás, a primeira partida de futebol, dentro da fábrica. Em setembro de 1894 rola a bola pela primeira vez, entre britânicos, no jardim da Tecidos Bangu. Mas, claro, quem ficou com os louros por ser o pioneiro foi o Fluminense, clube aristocrata. A re(l)ação e segregação da Liga Metropolitana entre “grandes” e “pequenos” não passa despercebida.

Como diria Mario Filho, “o que distinguia o Bangu do Botafogo, do Fluminense, era o operário. O Bangu, clube de fábrica, botava operários no time em pé de igualdade com os mestres ingleses. O Botafogo e o Fluminense, não, nem brincando, só gente fina. Foi a primeira distinção que se fez entre clube grande e pequeno, um, o clube dos grandes, o outro, o clube dos pequenos”.

Claro, ainda tem um personagem fundamental, que jamais poderia deixar de ser citado, Francisco Carregal. Estreou em 1905 e foi o primeiro negro a ser campeão no futebol brasileiro oficialmente, em 1911 (ah, a título de curiosidade, o pioneirismo fica ainda com Miguel do Carmo, que foi fundador e um dos jogadores do Ponte Preta, de Campinas, em 1900). Tudo isso, lembrando-se que, em 1907, a Liga Metropolitana proíbe a inscrição de jogadores negros nos clubes filiados, e o Bangu repudia o ato.

Tudo isso contado de uma forma leve, que faz você querer devorar o livro e conhecer Bangu o mais rápido possível e passear por onde se passam cada uma das histórias contadas no livro. Aliás, faço aqui a mea culpa e assumo o desvio do meu caráter por não conhecer a Zona Oeste e até a semana passada não ter pisado no Rio de Janeiro.

Através de um conjunto de organizações (mídia, federações, diretorias), a relação bairro-clube é cada vez mais marginalizada, com torcedores literalmente vivendo à margem para acompanharem seus times, enfrentando todo tipo de dificuldade, desde a falta de dinheiro para ingressos, os calendários horríveis que os obrigam a fazer sacrifícios para comparecerem à cancha, até as diretorias que os tratam como pequenos, fazendo com que muita coisa se perca pelo caminho da história.

Em tempos que estes clubes são massacrados pela grande mídia e por torcedores (na realidade consumidores em grande parte) dos tais “grandes”, um livro que nos resgate as origens, fale dos lugares do bairro, espaços tão impregnados de história, ideologias e valores, como a cancha é para o torcedor, aquele de verdade que é o coração do time, é de grande valia. É o que nos puxa de volta. É sempre bom visitar o passado e nem sempre ver aquela história bonitinha, mas bem superficial, que nos contam sobre tudo. Tanto no futebol quanto na História. E esse papel Os Proletários da Bola cumpre muito bem.

Guadalupe Carniel