Sobre meninos e lobos.

Em artigo, camarada da J5J - SP compara as eleições realizadas em Cuba e o processo eleitoral Estadounidense.

Sobre meninos e lobos.


Os EUA e Cuba, rivais na política no esporte, vivem momentos importantes em seus rumos. Os EUA, país de maior importância geopolítica no mundo contemporâneo, escolherá seu presidente em Janeiro de 2009, mas a agitação rumo às eleições já começou. Próximo dali, Cuba, a pequena gigante ilha socialista também acaba de referendar seu novo mandatário: Raul Castro foi o nome escolhido pela Assembléia Nacional do Poder Popular (ANPP). Esta Assembléia foi eleita em 19 de Janeiro deste ano e, para os que afirmam raivosamente que não há democracia em Cuba, nesta eleição, 2/3 de sua composição fora renovada. No dia 24 de Fevereiro, um tranqüilo domingo, a ANPP reuniu-se para a escolha do novo Conselho de Estado (instância máxima da ilha). Foram eleitos os 23 membros do Conselho, além de 5 vice-presidentes, um primeiro vice-presidente e o Presidente do Conselho no qual o nome escolhido foi o do irmão mais novo de Fidel que passa a acumular também o cargo de Presidente do país.

No vizinho do norte, os dois grandes e únicos partidos políticos (Democrata e Republicano) montam seus comitês políticos e candidatos, de frente para as câmaras. O lado mais agitado e que tem sido o principal foco da mídia e dos debates são os Democratas. Dentro deste partido, Barack Obama e Hillary Clinton disputam entre si uma oportunidade para disputar as eleições em Janeiro do próximo ano. O mais provável concorrente, do lado republicano, será o conservador John MaCain que a poucos dias disse, em rede nacional, a respeito da decisão de Fidel, de não mais ocupar o cargo de presidente: “Que ele (Fidel) encontre-se o quanto antes com Karl Marx”.

Mas o que de fato ocorre na vizinha ilha socialista é que o ex-presidente abandona o cargo dentro do Estado, sem abandonar a política. Toma esta decisão sem afastar-se de seu povo. Já o correspondente do norte abandona seu posto isolado do mundo.

Cuba tem dado todas as mostras de que continuará socialista, já os EUA tem deixado em dúvida os mais fanáticos analistas sobre que rumo irá seguir e o que fará com uma crise cada vez maior que se anuncia.

Jogo tático.

Nos EUA, os democratas caminham a todo vapor nas prévias que escolherão seu candidato a presidência. A agremiação é a mais cotada a assumir o principal posto do país, depois de duas gestões (oito anos) nas mãos do maior rival: os republicanos. À diferença dessa vez fica por conta de uma surpresa. O candidato negro Barack Obama. Sua adversária tem como grande trunfo o carisma de seu marido e, até bem pouco tempo, era a opção progressista num cenário conservador onde, em duas ocasiões, foi o eleitorado conservador que decidiu quem ditava as ordens. Pois bem, isso até bem pouco, já que, ao que tudo indica nesta disputa, ou melhor, o cenário da disputa não é mais o mesmo de quatro anos atrás. O principal tema da campanha não é mais a tal “guerra contra o terrorismo” ou o “combate a imigrantes ilegais”. Estes vêm aumentando seu peso político (nas eleições inclusive) já há certo tempo. E o que tem pautado a atual campanha é a “retirada das tropas do Iraque” e como fazer com que a imagem dos EUA em todo mundo volte a ter peso (ideológico) de outras décadas.

Outro tema que tem acalorado as discussões são a melhor forma (em termos capitalistas) de superar as crises que de tempos em tempos tem se apresentado cada vez maiores. Da última bolha imobiliária que poucos foram os especialistas que se arriscaram a apontar qual seria o tamanho da crise (alguns certos talvez de que era fundo demais) até agora, os problemas só tem aumentado.

A campanha chegou a tal ponto que o comitê de Obama lançou um panfleto dizendo que num possível governo de Hillary, o já precário sistema público de saúde estadunidense perderia em qualidade e seria completamente privatizado. O candidato vem conquistando cada vez mais eleitores nos segmentos onde tinha-se como quase certo a vitória de Hillary: operários, latino-americanos e inclusive no segmento que seria a base de Hillary, as mulheres. Seis em cada dez mulheres democratas preferiam ter como candidato o homem. Nas prévias em Maryland e Virgínia, Obama teve 55% dos votos dos homens brancos, 45% das mulheres brancas e 90% dos negros de ambos os sexos. Isso ainda não quer dizer muita coisa se levado em conta que este Estado conta, historicamente, com um eleitorado conservador e alinhado aos Republicanos. Mas se levado em conta que estas expressivas vitórias tem ocorrido, embora de forma mais apertada, nos Estados de maioria Democrata, aí sim é sinal de que os ventos começam a mudar de lado. Ao fim da campanha, pouca coisa mudaria estruturalmente tendo Hillary ou Obama à frente do país, mas para a América Latina não é tão simples assim. Obama já prometeu que reveria a política do embargo econômico contra Cuba, enquanto que, se MaCain fosse eleito, prometeu, para conseguir aproximar-se mais ainda do eleitorado conservador, que manteria o embargo, afirmando que pouco importa ter Fidel ou Raul à frente do país. Para ele o socialismo continuará de qualquer forma, o que ao menos nisso parece ter razão.

Segundo estimativa feita pela Associated Press em 13 de fevereiro, Obama já havia ultrapassado sua adversária e contava com 1223 convencionais (que terão direito a voto na convenção final que escolherá quem será o candidato Democrata), destes 1063 eram delegados e 160 "super-delegados" que tem peso de decisão política bem maior que os outros. Hillary contava com pouco menos: 1198 delegados, sendo que 242 eram "super". Essa diferença dos "super" em favor de Hillary, pode ser decisiva, mas o quadro tem mudado a cada prévia. Depois de 5 de fevereiro, na Superterça, Obama angariou mais que o dobro de delegados nas oito plenárias que se seguiram: 217 contra 107 da adversária.

Todo esse avanço de Obama tem assustado não apenas os segmentos conservadores dos Estados mais reacionários como Texas e Virgínia, mas obrigou aos Clinton desembolsar do próprio bolso uma quantia adicional de 5 milhões de dólares. Caso nenhum grande escândalo ou super-jogada da direita estadunidense seja posta à prova, pouco provável que o candidato negro perca a candidatura e quem sabe, a presidência.

Não voltaremos ao passado”.

Foram estas as palavras proferidas por Fidel no artigo intitulado “O que escrevi na terça-feira 19” e que circulou por todo o mundo. Cuba, neste momento político tem uma agenda eleitoral bem diferente da anunciada até aqui. Não é uma campanha milionária e por lá não se busca aniquilar o adversário político a qualquer custo. Pelo contrário, às vésperas das eleições, os candidatos apareciam em público juntos, conversando, brincando até. Um dos nomes mais cotados a assumir o posto de presidente do país era o de Ricardo Alarcón, que outrora fora dirigente da Juventud Rebelde (organização de massa de jovens), e atual presidente do parlamento cubano. Como, tanto ele quanto Raul e os outros que podiam assumir o posto pertencem também ao birô político do Partido Comunista, não esperava-se grandes traumas. Reuniram-se em diversas reuniões para amadurecer a escolha do presidente. A própria ANPP é composta em sua maioria por militantes do Partido e de simpatizantes. Mas esse debate, longe de avesso aos problemas do país já está sendo travado desde Agosto de 2007 quando Raul assumiu interinamente o país. Participou dele o próprio Fidel, estimulando o debate através de seus artigos publicados pelo Granma (órgão central do Partido e meio de comunicação oficial na ilha). A palavra que mais se ouvia nas instâncias políticas da ilha era “unidade”. Unidade para levar a frente o socialismo e, para dentro dele, produzir as melhoras necessárias.

Ainda neste artigo, Fidel referia-se à campanha midiática, que clamava pelo fim do regime na ilha depois que havia publicizado sua decisão com entusiasmo e certa ironia. "Estou de acordo, mudança (!), mas nos Estados Unidos. Cuba mudou faz tempo e seguirá seu rumo dialético. Nosso povo exclama, não voltará jamais ao passado!".

Cuba não se trata, é certo, de um país de proporções continentais ou de uma economia que possa fazer a diferença num mundo globalizado. Estamos falando de uma ilhota de pouco mais de 11,8 milhões de habitantes (população quase equivalente ao da cidade de São Paulo), mas que no entanto tem incomodado muita gente. O embargo econômico por si só já demonstra o tamanho do "incômodo", mas acima disso, Cuba tem tornado público que a sede de mercados e expansão política tem seus limites, mesmo contra pequenos países. O Vietnã já havia feito sua parte há 40 anos atrás, e na nova conjuntura os estrategistas do pentágono ficam sem saber o que fazer com o Iraque, Irã, e a própria América Latina.

Socialismo e democracia.

As prévias para as eleições na ilha não contaram com grandes investimentos, nem com a publicidade que a mídia corporativa internacional tem dado ao seu vizinho. Mas nos últimos dias, este pequenino país esquecido pelo tempo e pelo capital voltou às páginas dos principais jornais do mundo. Com a mensagem de Fidel sobre não mais ocupar o cargo de presidente, a cúpula do imperialismo volta novamente a sonhar com a tão falada “democratização” do país. Ou, em outros termos, com a “anexação” da ilha ao império do norte. Nesse momento delicado é que vem à tona quem são os verdadeiros "velhos barbudos" que não conseguirão "segurar" sua revolução e os bons meninos democráticos que lutam por justiça em todo mundo. Os meninos e os lobos estão frente a frente novamente. Resta encontrar os lobos.


Mário Novaes dos Santos
Membro da Juventude 5 de Julho - São Paulo