Da “Escola das Américas” ao “Projeto Pontes”

Ainda em 1946, o governo dos EUA construiu uma escola de “quadros” para desestabilizar os governos latino-americanos não alinhados ao nascente império ianque. Batizada de “Escola das Américas”, seus alunos eram treinados para capturar o “inimigo” (lideranças comunistas, sindicais e de movimentos populares), fazer interrogatórios, criar e fomentar desestabilização e conspiração contra governos populares, dirigir golpes de Estado e eliminar a oposição com técnicas que descaracterizam os assassinatos.

Ainda em 1946, o governo dos EUA construiu uma escola de “quadros” para desestabilizar os governos latino-americanos não alinhados ao nascente império ianque. Batizada de “Escola das Américas”, seus alunos eram treinados para capturar o “inimigo” (lideranças comunistas, sindicais e de movimentos populares), fazer interrogatórios, criar e fomentar desestabilização e conspiração contra governos populares, dirigir golpes de Estado e eliminar a oposição com técnicas que descaracterizam os assassinatos. Por meio destes quadros golpistas e assassinos, os EUA comandaram, direta ou indiretamente, pelo menos um golpe de Estado em cada país do nosso continente, além de assassinar dezenas de milhares de civis. Não é à toa que esta sua escola de quadros ficou conhecida como “Escola de Assassinos”.

Depois do rastro de centenas de milhares de assassinatos, os latino-americanos não aceitam mais ditaduras militares. Para continuar impondo sua geopolítica imperialista sobre a região e empurrar para debaixo do tapete a violenta destruição das forças humanas e produtivas ao longo de mais de meio século, os EUA vem mudando a forma de intervenção golpista. A escola de assassinos tinha que ser reciclada, passar por uma profunda reengenharia. O “inimigo” não era mais o PCUS e seus aliados, desestruturado pela Perestroika, e sim o “terrorismo”, uma palavra genérica que se encaixa adequadamente a qualquer finalidade. Ao mesmo tempo, a formação dos agentes golpistas não podia mais ser tão dispendiosa quanto uma escola militar.

O novo tipo de golpe não podia mais ser comandado pela força bruta dos milicos. Seus novos “quadros” golpistas devem ser buscados em um setor mais estável (que não passa pelo crivo das eleições) da máquina burocrática, a exemplo dos milicos. O novo golpe não é mais comandado com fardas, mas pela toga (magistrados); não precisa mais de baionetas, mas de “malhete” (martelo do juiz); tampouco se utiliza tanques de guerra, mas viaturas SUV importadas (Veículo Utilitário Esportivo). É claro que nada disso seria possível sem um aliado fundamental: a grande mídia local. É a grande mídia quem vai plantar as provas onde não há o elo de ligação entre um “crime” e o governo a ser golpeado, para desestabilizá-lo. Também é ela quem vai apagar as provas encontradas com as digitais dos aliados do golpe, não desmoralizando-os. Cabe somente à grande mídia a manipulação da opinião pública.

Recentemente, o Wikileaks (site especializado em vazamentos de documentos secretos do governo estadunidense) trouxe a público um relatório elaborado pela Embaixada dos Estados Unidos em Brasília e encaminhado ao secretário de Estado daquele país. O relatório descreve com entusiasmo uma “conferência” intitulada “Projeto Pontes: Construindo Pontes para a Aplicação da Lei no Brasil”, realizada no Rio de Janeiro, na sede do Ministério Público Federal, entre os dias 4 e 9 de outubro de 2009. O curso foi financiado pela Coordenação de Contraterrorismo do Departamento de Estado dos EUA. O objetivo da conferência foi a formação “bilateral” para a aplicação das leis brasileiras e técnicas estadunidenses contra o “terrorismo”. Promotores e juízes federais dos 26 estados brasileiros participaram do treinamento, assim como 50 policiais federais.

Segundo o relatório (em inglês no original) vazado, os “palestrantes estadunidenses (isto é, os agentes do FBI – Agência Federal de Investigação) discutiram vários aspectos relacionados à investigação e ao processo de casos de finança ilícita e lavagem de dinheiro, incluindo cooperação internacional formal e informal, ocultação e desvio de patrimônio, métodos de prova, esquemas pirâmide, delação premiada, uso de interrogatório direto como ferramenta e sugestões de como lidar com ONGs que se suspeite que sejam usadas para financiamentos ilegais”.

O relatório também informa que o juiz federal Sergio Fernando Moro não participou da conferência como um aluno, um agente a ser treinado. Seu nome é citado como um dos principais palestrantes. Isso significa que o juiz pop star já possuía algum tipo de articulação com a embaixada ianque ou com os agentes do FBI, ou ainda com ambos. Além deste fato, o juiz Moro foi o único brasileiro mencionado no detalhado relatório. Isso significa que ele foi, para dizer o mínimo, um dos principais organizadores do “Projeto Pontes” no Brasil.

O tema que o FBI determinou ao juiz de 1ª instância apresentar foi sobre as “15 questões mais frequentes nos casos de lavagem de dinheiro nas cortes brasileiras”. Curiosamente, o mesmo juiz Sergio Moro comandou, a partir de 2004, as investigações do Escândalo do Banestado. Este escândalo da Era FHC (1996 a 2003) movimentou mais de 3 trilhões de reais em remessas ilegais para paraísos fiscais, sendo que R$ 520 bilhões foram transferidos do banco Banestado de Curitiba sob as barbas do “insuspeito” juiz. Este meio bilhão de reais passou por uma série de laranjas uruguaios e paraguaios comandados por... Alberto Youssef até chegar à filial do Banestado de Nova Iorque.

Desta agência, o dinheiro seguiu para uma conta no então Chase Manhatan Bank, também em Nova Iorque. “Seguindo o dinheiro” do Banestado, como sempre gosta de lembrar, o juiz Sergio Moro chegaria à “Conta Tucano”... de Nova Iorque, local onde o juiz vem recebendo várias homenagens internacionais, além de ser o lugar preferido para gozar suas férias... Como sabemos, o escândalo do Banestado acabou em pizza pelas próprias mãos do juiz, mas, isso não poderia “vir ao caso” de um projeto para criar uma “força-tarefa” para desestabilizar outro governo, o da Era Lula.

Ao final da conferência, os agentes do FBI sugeriram aos magistrados brasileiros criar uma “força-tarefa” para trabalhar em um caso prático, que receberia assessoria externa. “Assim sendo, continua o relatório da embaixada ianque, uma investigação real poderá ser usada como base para o treinamento que sequencialmente evoluirá da investigação à apresentação em tribunal e à conclusão do caso. Com isso, os brasileiros terão experiência em campo do trabalho de uma força tarefa proativa num caso de finanças ilícitas e darão acesso a especialistas dos EUA para orientação e apoio em tempo real”.

Passou-se então a criar as condições para constituir uma “força-tarefa” para a investigação de um “caso real” no Brasil “com assessoria externa” dos EUA. É claro que este “caso real” não foram as operações ilícitas e de lavagem de dinheiro que o juiz Sergio Moro vinha investigando da Era FHC e seu Plano Real. Ainda não, tiveram ainda que esperar o municiamento das espionagens da SNA (Agência de Segurança Nacional dos EUA) contra a Petrobrás e os presidentes Luís Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, conforme revelação de Edward Snowden, o ex-técnico da CIA (Agência Central de Espionagem dos EUA).

A Operação Lava Jato foi finalmente instalada em março de 2014, pouco depois das manifestações de junho e julho de 2013. Logo após a posse da presidenta Dilma, para exercer o seu segundo mandato presidencial, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, foi à Washington, em fevereiro de 2015, juntamente com os representantes da Operação Lava Jato, para formalizar a cooperação com o Departamento de Justiça dos EUA. O acordo formal era para desmontar a engrenagem usada pela Construtora Norberto Odebrecht em supostos pagamentos de propinas por empresas offshores. Sob este pretexto de cooperação com “a mais estruturada e eficiente rede de combate à corrupção do mundo”, as viagens de procuradores, juízes e policiais federais se intensificaram rumo aos Estados Unidos.

Os vazamentos das “delações premiadas” e dos “interrogatórios” passaram a ser sincronizados pelo juiz Sergio Moro, procuradores do Ministério Público Federal, delegados da Polícia Federal e procurador geral da República com a grande mídia nacional, tendo a Rede Globo à frente. Os ministros do Supremo Tribunal Federal, tendo Gilmar Mendes na direção, atuavam no acobertamento das violações e arbitrariedades dos juízes e promotores nestes “interrogatórios” e na formalização de abertura dos processos. Ainda no final de 2015, as operações passaram a ser sincronizadas também com a Câmara dos Deputados e o Senado Federal, culminando na formalização d­o processo de impedimento ainda em dezembro de 2015.

O juiz golpista passou a ser reverenciado nos EUA. A revista Fortune classificou Sergio Moro como um dos 13 principais líderes mundiais, em sua edição de 24/03/2016! A premiação, na realidade, é direcionada ao novo método de golpe que foi desencadeado a partir de um simples juiz de primeira instância, na pessoa de Sergio Moro.

 

Roberto Figueiredo