Entrevista com Jacy da Silva

Entrevista com Jacy da Silva, 70 anos, cantor e compositor, membro da velha guarda show da Mocidade Independente de Padre Miguel.

Entrevista com Jacy da Silva, 70 anos, cantor e compositor, membro da velha guarda show da Mocidade Independente de Padre Miguel.

 

Inverta: Jacy, conte um pouco da sua história pessoal e as influências que o levaram ao mundo do samba.

Jacy: Eu comecei bem jovem, na adolescência. Na escola Império de Campo Grande. Com 11 pra 12 anos de idade eu já cantava os sambas enredo. Minha tia Eunice, irmã do um pai, também era cantora desta escola e me levava e  por influência dela eu comecei a me interessar pelo mundo do samba. Então eu comecei cantando, mas logo depois já passei a fazer alguma letra, naquela época o que estava na moda eram os sambas-canções. O meu primeiro samba escrito foi um samba-canção, e depois eu fui enveredando pelos sambas de terreiro, e depois fui me interessar pelo samba-enredo.


IN - Você é autor de um dos maiores sambas-enredo da Mocidade Independente de Padre Miguel, a “Festa do Divino”, fale-nos desta obra e importância que ela teve na sua carreira.

J- Este samba é interessante porque tem uma história. O enredo da mocidade era outro, era de Drummond a Drummond, só que o carnavalesco teve uma controvérsia com a direção da escola, por questões financeiras, então ele disse que ia embora e levaria seu carnaval, mas o carnaval já estava se aproximando, então tinha muito pouco tempo pra compor  fazer as eliminatórias que já são tradicionais. Aí veio pra mocidade o maior carnavalesco que a história do carnaval conheceu, que é o Arlindo Rodrigues, que já era campeoníssimo no Salgueiro junto com o Fernando Pamplona, que trouxe pra Mocidade este enredo. Assim do samba que nós já tínhamos composto pro enredo anterior nós aproveitamos alguma coisa, uma espinha dorsal, e foi feito a “Festa do Divino”, Tatu, Nezinho e Campo Grande.


IN- Como nasceu esta parceria?

J- Eu e Tatu já éramos parceiros no Império de Campo Grande, depois nós fomos pra Acadêmicos de Santa Cruz, lá eu participei de dois sambas-enredo, sendo campeão, mas o Tatu não estava na parceria. Fui também intérprete oficial da escola quando ela estava no Primeiro Grupo. Eu não sou oriundo da Mocidade, tenho outros caminhos percorridos no mundo do samba. Cheguei à Mocidade em 68, então faz quarenta e dois anos que eu estou lá. Entrei pra ala de compositores em setenta e dois e passei a concorrer em setenta e três, em setenta e quatro foi a “Festa do Divino”. O Nezinho é fundador da Mocidade, e foi através dele que eu vim, e trouxe o Tatu que além de parceiro era meu compadre.


IN- Vocês foram responsáveis na época pela ida pra Mocidade do Nei Viana, que é considerado até hoje como a voz da escola, como era a sua relação com este grande intérprete?

J- Minha relação com o Nei Viana foi esplêndida. Naquela época tinha um programa na Rádio Metropolitana, chamado Galeria do Samba, comandado pelo Rubem Gerard, a gente transmitia das escolas e samba e dos blocos. E foi num Galeria do Samba transmitido da escola de samba Em Cima da Hora, que tinha como presidente João Severino, que eu e Tatu conhecemos o Nei Viana. Tatu ficou encantado com ele e teve certeza que era o reforço que precisávamos levar pra Mocidade. Então o convidamos, e daí surgiu uma grande amizade e confiança. Chegando à Mocidade ele tomou conta e logo virou intérprete oficial. Antes ele já tinha cantado na União de Jacarepaguá e no Império Serrano, mas não com a desenvoltura que ele conseguiu na Mocidade, porque foi marcante, na Mocidade a voz é Nei Viana, virou um mito assim como o saudoso mestre André na bateria.


IN- Você está no mundo do samba há quase 60 anos. Porque que os sambas antigos marcam mais, se tornam imortais, enquanto os sambas atuais duram apenas um carnaval?

J- É muito simples, naquela época o compositor tinha que ter talento, hoje virou um comércio. Tem muita gente metida no samba que não faz uma vírgula. Não existe mais o respeito pelo compositor, ficou um negócio descartável. Tem também a questão da mídia, porque pra tocar um samba enredo é uma dificuldade, só na época do carnaval e mesmo assim só um pedacinho. E tem também os bailes, que eu sinto uma saudade imensa porque o clube não tem mais condições de fazer porque começaram a fazer os carnavais sem compromisso no meio das ruas, nas praças. Antigamente você fazia um samba-enredo com inspiração, hoje em dia não. Você tem que reduzir botar o que o cara quer, o samba tem que ser espontâneo, cadenciado, com respiração pro povo cantar, então agora meteram o pé no acelerador, ninguém entende nada, as escolas cresceram de mais, acabaram com os passistas, não tem mais aquelas coreografias, como a ala “sente o drama” do Império Serrano, que todo mundo parava pra ver. Então é difícil fixar um samba, quando acontece um samba igual o “Explode Coração” do Salgueiro é muito raro.


IN- Como está sua participação atual na mocidade, e, além disso, tem algum projeto pessoal em andamento?

J- Eu pretendo fazer um trabalho fonográfico pra deixar de lembrança, porque com 70 anos a gente pensa que já tá caminhando pra outra dimensão. Eu tenho muitas músicas fora de samba enredo que estão engavetadas. Mas tem alguns problemas porque não conseguimos colocar com os cantores de ponta que estão no mercado, mas aí eu vou fazer da minha maneira eu mesmo. Eu sempre digo “eu não sou cantor, mas também não sou mudo”.

Já a Velha Guarda Show foi um grupo criado dentro da velha guarda da Mocidade, comandado de inicio pelo Almir Paixão que depois se desligou e assumiu o Tiãozinho da Mocidade junto com a Pituca que é a produtora. E nós temos feito muitas apresentações e viagens, tem dado certo. Além disso, eu continuo na ala de compositores da Mocidade, às vezes as pessoas me perguntam se eu parei de escrever, e eu falo que não, mas as pessoas só aparecem quando ganham.

 

IN- Jacy, você representa o samba da Zona Oeste, inclusive leva o nome de Campo Grande. Esta região é uma das mais abandonadas pelo poder público. Qual a importância da cultura popular em geral e do samba em particular para esta região, o que falta e o que poderia ser feito pra melhorar esta situação?

J- Campo Grande é um celeiro de bambas, se você procurar pelas escolas você vai ver que tem ritmistas, cantores, compositores, em fim todos os segmentos. Campo Grande é muito rico, a cultura de Campo Grande é muito linda.

Eu costumo dizer que Campo Grande tem a doçura do mel, é a terra do meu coração, um pedacinho do céu.

Então a cultura é muito importante, se eu morrer sem ver uma grande escola de samba em Campo Grande eu vou morrer frustrado, porque se você comparar Padre Miguel com Campo Grande, nós aqui não temos uma escola de samba a altura pra disputar com as outras. A Zona Oeste é muito rica só falta vontade política, porque aqui é uma das maiores zonas eleitorais, mas que está abandonada. Aqui tivemos muitos talentos como o grande jogador de basquete, o Algodão, e outros mais. A própria “Festa do Divino”,  que ganhou um Estandarte de Ouro,  veio de Campo Grande.


IN- Deixe uma mensagem final aos leitores do INVERTA.

J- A mensagem que eu quero passar é que através do estudo se consegue tudo, nós temos que olhar pelas nossas crianças porque elas é que vão dar o retoque final no nosso mundo. Tudo começa com a educação, segurando a violência, ampliando a saúde e dando um emprego digno aos jovens.


Fábio Rodrigues