As eleições equatorianas: entre o neofascismo e a social-democracia
Em 9 de fevereiro de 2025, foi realizado no Equador o primeiro turno eleitoral marcado por diversos fatores. Primeiro, uma suposta “guerra” contra grupos do crime organizado (GDO's), quadrilhas criminosas (BANDCRIMS) e organizações de tráfico de drogas. Um segundo fator é a participação de 16 candidatos com uma grande variedade de candidatos, a maioria ligados à direita nas suas mais diversas formas, e três organizações claramente definidas à esquerda. Um terceiro factor é a polarização dos eleitores em duas estruturas eleitorais. Um quarto fator é a participação de estruturas estatais que participam abertamente na campanha do candidato presidencial.
O primeiro fator é um dos catalisadores de campanhas sujas, notícias falsas e ataques abertos entre os candidatos, uma vez que já não há dúvidas a nível nacional e internacional sobre a infiltração dos GDO's, BANDCRIMS e tráfico de drogas em todas as estruturas estatais aliadas à burguesia lúmpen ligada às exportações agrícolas e ao sistema financeiro no Equador. Vem mantendo altos cargos em ministérios, tribunais, funcionários das FFAAs e Polícia, cooptando espaço no Ministério Público e tendo até acordos com altos setores do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), organização chamada a controlar e fiscalizar o processo eleitoral.
O segundo fator é a divisão existente entre as estruturas partidárias e o sentimento social, 16 candidatos dos quais 12 não ultrapassam 1% dos votos, um candidato nem sequer votou nele porque tinha residência eleitoral noutro círculo eleitoral territorial.
Destes 16 há três que merecem destaque, o primeiro é o candidato presidencial, representante da maior fortuna do Equador, nascido em Miami, estudado nos EUA e na Europa e herdeiro do Grupo Noboa, um conglomerado transnacional que entre os seus múltiplos focos controla 80% do mercado de banana em todo o mundo. Mercado que nos últimos anos tem se marcado por ser um dos principais meios de transporte de cocaína da América Latina para o mundo.
O mesmo grupo que num número anterior do nosso jornal revelou ligações com a extrema direita e o narcotráfico colombiano, e que uma das suas empresas associadas perdeu um julgamento por financiamento do terrorismo, uma vez que utilizou estruturas paramilitares colombianas para confiscar terras, criar deslocamentos forçados massivos e até assassinar camponeses que se opunham aos seus interesses económicos.
A segunda opção, representada pela Revolução Cidadã (RC), que entre julgamentos reais e encenados passa do partido no poder à oposição após a traição do ex-presidente Lenin Moreno e sua rendição aos interesses dos EUA. Esta segunda opção, que reúne sectores do centro-direita e da social-democracia, mantém e dá crescimento à sua aceitação eleitoral, conseguindo ultrapassar o seu limite percentual.
A terceira opção, mais humilde tanto pela origem do seu representante e dos seus militantes, como pela sua pequena mas decisiva votação para o segundo turno a ser realizado em 13 de abril deste ano. Com apenas 5,25% dos votos, passou a representar uma candidatura, uma verdadeira proposta para enfrentar o problema equatoriano.
Leónidas Iza, candidato do Pachakutik (PK), foi quem, sem mentiras, fez uma proposta de mudança real, sem medo das possíveis repercussões declarou-se marxista, anticapitalista, anti-racista, antipatriarcal, anti-imperialista. Sendo o segundo candidato indígena na história do Equador e o primeiro candidato abertamente marxista, tornou-se porta-voz dos excluídos, dos de baixo, dos ‘ninguéns’. Ele empreendeu uma campanha valiosa posicionando a nível nacional que a mudança pode ser gerada a partir da democracia comunitária coletiva.
O terceiro fator foi a polarização eleitoral, entre Daniel Noboa (candidato presidencial) e Luisa González (RC) receberam mais de 80% dos votos, quase empatando com 44,17% e 43,97% respetivamente. Uma diferença entre os dois de 0,2% dos votos, o que representaria 19.756 pessoas.
Esta polarização deveu-se a um confronto aberto entre o fascismo e a social-democracia burguesa, ao aumento dos índices de violência criminosa em todo o país, e o último facto levantado, já que o sistema de propaganda tanto nas redes sociais como nos meios de comunicação tradicionais, posicionando-se como atores eleitorais a favor do candidato presidente, uma inconstitucionalidade estatal no âmbito da campanha oficial, em que a separação de funções não foi respeitada e as instituições públicas estavam a trabalhar na campanha de Noboa e por outro lado uma gigantesca máquina eleitoral que fez frente ao regime atual.
No entanto, o que está por trás desta polarização são dois sistemas diferentes, por um lado o ressurgimento internacional do fascismo permite que figuras autoritárias representantes da direita tradicional e representantes das grandes fortunas mundiais tentem ganhar o poder político para assumir o controle, já perdido, do sistema atualmente em sua crise orgânica e morrendo enquanto o mundo atravessa não apenas uma mudança de centro hegemônico mundial, mas a multiporalidade atual é uma representação de uma mudança no próprio sistema de produção através do qual o sistema capitalista está desaparecendo e com ele cria-se uma fase de transição para um novo sistema produtivo.
Por outro lado, a social-democracia, também chamada de progressismo, que tenta, através da tomada do poder político, dirigir mais uma vez o Equador, onde estão em jogo as suas possibilidades de continuidade política, social e económica. Assim como, no meio desta crise orgânica do capital, tentar salvar um sistema que já está determinado a morrer.
Neste contexto, a segunda volta torna-se uma luta por um modelo, não só político mas económico, o interesse do capital é jogado para um fim pacífico ou um fim sangrento nas possibilidades sociais, políticas e económicas que a sua crise orgânica expressa.
É aí que a figura de Leónidas Iza, não como um Messias mas como atual porta-voz de um Movimento Indígena (MI) e de um Movimento Popular de esquerda, marxista e revolucionário, desempenha o seu papel principal, dos mais de meio milhão de votos nele representados, numa construção coletiva e comunitária para a tomada de decisões sobre um novo futuro, reside a possibilidade de, como diz Léonidas no seu livro El estallido, “ou comunismo indígena ou barbárie”.
Vale a pena perguntar-nos então: quais são as reais possibilidades de apoio a um ou outro candidato? A resposta é mais complicada do que dizer. Tendo participado ativamente na campanha do PK, depois de partilharmos risos, gritos e medos entre todos nós que participámos na Grande Minga Eleitoral, pode-se dizer que embora num primeiro momento a decisão devesse ser óbvia, as bases não esquecem que no governo da RC a perseguição, criminalização do protesto, expansão da fronteira extrativa, mecanismo de divisão da organização, ainda há feridas abertas, especialmente nas bases do MI.
Feridas que devem ser curadas através de compromissos claros e ações reais por parte da RC, a fim de reconciliar uma aliança tática entre o movimento revolucionário dentro do MI e a social-democracia da RC. Sabemos e já ficou claro que o fascismo não se negocia, se combate, pelo que as duas alternativas que restam são apelar ao voto nulo ou à RC, o que, pela situação atual, seria um erro tático que poderia custar toda a estratégia no que diz respeito às conquistas alcançadas e às vitórias futuras.
Mao Tsetung no seu livro Cinco Teses Filosóficas fala-nos sobre alianças táticas e estratégicas na luta revolucionária, para as quais é importante compreender que as alianças táticas, mesmo que durem 24 horas, como parte de uma luta estratégica pela transformação revolucionária devem ser consideradas necessárias, isto no sentido de poder fortalecer a organização bem como ter avanços qualitativos na conquista de direitos para sectores empobrecidos. Nosso herói Luiz Carlos Prestes já o fez quando deu seu apoio ao Getúlio Vargas, apesar das ações do último contra o movimento comunista do Brasil.
Hoje, não só o Equador, o mundo enfrenta um novo dilema, como foi apontado em nosso Editorial anterior, em que ou vamos para uma aliança tática que nos permitirá expandir a força dos BRICS, ou seremos forçados a ser submetidos ao fascismo, que, como mencionou o Comandante Fidel Castro, quando disse: "Penso que uma nova e repugnante forma de fascismo está emergindo com força notável neste momento da história humana, em que mais de 7 bilhões de habitantes lutam pela sua própria sobrevivência”.
Este fascismo, novo com máscara democrática, é aquele que deve ser combatido, em si encarna as piores tragédias da humanidade, aliado aos regimes sionistas, nostálgico do apartheid, do regresso à escravatura comercial (que agora chamam de empreendedorismo), e cheio de ódio contra a humanidade, é aquele que deve ser travado.
Para Leónidas Iza e o MI a linha é clara, não podendo retroceder em nenhum sentido dos direitos conquistados, as linhas vermelhas estão estabelecidas estas não cederão; elas são 1) não à expansão do extrativismo, especialmente à mineração em áreas indígenas, fontes de água e áreas de recarga de água, 2) não à privatização da saúde, educação e seguridade social, entre outros 3) fortalecimento de empresas públicas, proibição de sua venda, e 4) fortalecimento do Estado plurinacional e intercultural como mecanismo de combate ao racismo institucional das elites económicas.
É sabido e compreendido que a social-democracia não permitirá maiores progressos na superação do capitalismo moribundo. É também claro que poderá radicalizar esta social-democracia enquanto o movimento popular reorganiza as suas forças e levanta a construção do Poder Popular Plurinacional a partir da democracia comunitária coletiva, reforçando as estruturas de base e colocando pontos claros das reivindicações revolucionárias.
O momento histórico que atravessamos é um ponto de viragem onde ou começamos a enterrar o capitalismo, ou permitiremos que este sistema moribundo dure mais tempo, expandindo a exploração do homem pelo homem, até que o seu fim chegue com a extinção da humanidade.
O mundo, e no caso particular do Equador, estamos arriscando a vida ou a morte. Veremos a definição final, não no dia 13 de Abril, mas na capacidade de lutar por um novo sistema, pondo fim ao capitalismo, antes que o capitalismo ponha fim a todos os seres humanos.
Ousar lutar!
Ousar vencer!
Venceremos!
Fidel Viteri