Quem faz o Movimento? Entrevista com Zola Florenzano
Zola Florenzano, 83 anos, intelectual marxista, nascido em Lorena-São Paulo, coronel reformado da Aeronáutica e advogado. Seu pai, Domênico Antônio Florenzano, funileiro, era considerado "livre pensador" e exercia grande liderança entre os demais operários da cidade de Lorena.
Em 1929, ingressa na Escola de Aviação do Campos dos Afonsos, onde teve os seus primeiros contactos com a efervescência revolucionária dos jovens tenentes, líderes do Levante de 1935. No dia seguinte ao Levante de 1935, é preso pela primeira vez. Este episódio marcaria profundamente sua conduta e ideário, dentro das Forças Armadas. Termina o curso em primeiro lugar e recebe as divisas de segundo sargento.
No período de 1935 a 1939, cursa a Faculdade Nacional de Direito. Neste período, passa a estabelecer sua ligação teórica com o marxismo, dedicando-se ao seu conhecimento e aplicação na vida prática.
No mesmo período, intensifica sua militância na ANL (Aliança Nacional Libertadora) e em todas as campanhas democráticas e nacionalistas. Em 1950, participou da campanha, que elegeu o general Horta Barbosa presidente do Clube Militar e das campanhas pelo "Petróleo é nosso" e contra a desnacionalização da economia. Em 1953, esteve ao lado do Marechal Lott para garantir a posse de Juscelino Kubitschek. Em 1961, com a renúncia de Jânio Quadros, lutou pela posse de João Goulart, sendo preso no navio Custódio de Mello com mais 50 oficiais. Em setembro de 1969, ficou preso por mais de 30 dias, em regime de solitária, na Base Aérea de São Paulo, sendo arrolado em dois processos, que buscavam sua desmoralização, intrigando-o com a esposa, Esther da Silva Florenzano, que nega as acusações e manobras dos "gorilas", defendendo-o de todas as falsas acusações.
Durante 15 anos, foi considerado morto e isolado pela Ditadura de 64, tendo que sobreviver com seus recursos intelectuais (advogado) até a anistia de 1979, quando é reformado como coronel com proventos de Brigadeiro do Ar.
Mas, durante todo este período não ficou parado. Dedicou-se a atividades intelectuais, escrevendo mais de 30 obras de Direito e incursou pela área de História e de Economia, do ponto de vista marxista. Fundou o Instituto Brasil-URSS e o Centro de Estudos Marxistas, no Paraná.
Há cerca de quatro anos, mesmo com o forte abalo da perda de seu filho Emílio Zola, que foi grande liderança do movimento estudantil na década de 60, e intelectual da Imprensa, em Curitiba e mais recentemente de sua leal companheira de vida, Esther da Silva Florenzano, continua ativo e trabalhando na difusão do Marxismo como ciência capaz de formar homens, que constituirão o Partido Revolucionário, até hoje inexistente no país.
Em Curitiba, vem divulgando o Jornal INVERTA, agora diante da atual situação de entrega do país e acreditando aprofundar sua contribuição ao Movimento de Reunificação dos revolucionários no país, tornou-se membro do Conselho Editorial do INVERTA - órgão dirigente do Movimento da Organização Popular Pra Lutar (OPPL).
Aluísio Beviláqua
I - Quais são suas origens?
ZF - Meu pai e meu avô eram imigrantes italianos. Vieram para o Brasil nos últimos anos do século passado. Meu pai era funileiro. O meu primeiro trabalho de produção também foi esse. A família quando chegou ao Brasil foi para Rezende. Meu pai acabou indo trabalhar em Lorena. Deixou as atividades do campo para ser um artesão. Tinha liderança entre os trabalhadores de Lorena. A oficina do meu pai à noite transformava-se num comitê operário.
I - Como foi sua passagem para a vida militar, seu ingresso nas Forças Armadas?
ZF – Meu pai morreu. Não tinha quem cuidasse da oficina e a gente tinha que comer. A saída para mim, como para todos aqueles que tinham alguma visão e queria melhorar na vida, era o Exército. O Exército na História do Brasil, pelo menos nessa fase, é o grande construtor da mocidade brasileira.
I - Como foi seu ingresso e convívio nas Forças Armadas?
ZF - Foi como soldado, do VI Regimento de Infantaria de Caçapava, o Regimento de Itororó da FEB. Mas ser soldado não bastava, eu queria subir. Fiz concurso e passei para a Escola de Aviação do Campo dos Afonsos. Lá conheci muitos companheiros, inclusive aqueles que a História fala sobre o Movimento de 1935: Sócrates, Agliberto, Benedito Silva, tenente França e outros mais.
I- Como foi a tua aproximação com esses líderes de 35?
ZF - Naquela época, eu estava cuidando de terminar meu curso e não estava ligando para a vida política. Se bem que era incomodativo, e muito, a política instaurada naquele tempo, que dizia quem não está comigo, é meu inimigo. Se você não estava com os que mandavam lá dentro, principalmente quando predominou a corrente integralista, era comunista.
I - Mas em 35, você sofreu sua primeira prisão na noite seguinte ao Levante.
ZF - Fui acusado, porque estava tudo apagado, o sistema elétrico não estava funcionando. Como eu tentei acender a luz do lugar que eu ia dormir, fui acusado de estar fazendo sinais para o exterior. Aí fui preso, mas fui solto no dia seguinte, por ordem do major Ivo Borges. Ele viu que era tudo bobagem.
I - Qual a importância desse movimento na história?
ZF - Para fazer uma análise desse momento é preciso ter muito preparo político, sócio-económico, pois foi um movimento importante. Nada mais foi que um reflexo da luta anti-fascista, que estava se levantando, porque o fascismo dominava a alta oficialidade da Aeronáutica, aliás, do Exército, porque naquele tempo ainda não existia a Aeronáutica. O Movimento teve um caráter democrático.
I - Você hoje é Coronel. Como foi seu desenvolvimento dentro do setor militar, tua função, mudança...
ZF - A mudança política mesmo se deu com a Guerra de 1939. Todos nós sabemos o que houve aqui, de adesão ou não adesão ao eixo. E a minha cultura naquele tempo já era mais elevada, não era um estudo só para ganhar posição e me fazer na vida. Já era um pensamento cultural levado pelos estudos, que eu tive na Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil. Tive grandes professores, que tinham ideias marxistas, como Hermes Lima, Filadelfo de Azevedo, Leônidas Rezende, Roberto Lira e Ari de Azevedo Franco. Estudei Filosofia Política, Economia Política, Teoria do Estado. Minha consciência foi se abrindo. Foi lá que tive minha primeira ligação com as ideias marxistas. O primeiro livro que me levou à essas ideias foi o do Hermes Lima, Primeiro Ministro no Brasil, que esteve preso no navio Pedro I em 1935. Foi uma evolução cultural. Estudando todos esses aspectos culturais e sócio económicos, abriu minha consciência sobre a situação do Brasil perante o mundo, da exploração do homem pelo homem.
I - A sua formação então primeiro é militar, depois em Direito.....
ZF - Como soldado aprendi as suas grandes qualidades, a questão da honestidade. Em geral o militar é honesto, é cumpridor de seus horários, é disciplinado. A formação em direito foi a que me deu tutu. Fui considerado morto durante quinze anos, no golpe de 64, não podia fazer nem caderneta de Caixa Econômica. Fui trabalhar como advogado. Tenho mais de 30 obras de Direito.
I - Soube que você teve participação na ANL, como foi?
ZF - A Aliança Nacional Libertadora foi uma reação à Ditadura de Vargas. Por um motivo ou outro, essa reação se estendeu por todo país, foi simpática a todas correntes brasileiras, menos a fascista, que tinha simpatia pelo governo de Vargas. Consequentemente é fácil ser contaminado pelas ideias, porque quando uma ideia se apossa de um povo, de uma comunidade, ela adquire uma força terrível, põe abaixo qualquer obstáculo. A ANL chegou a esse ponto. Para destruí-la Getúlio Vargas teve que fazer a Constituição de 37, a polaquinha. Naquela luta, eu fui contra a expulsão da mulher de Prestes, Olga Benário. A situação de prisão, que puseram o Prestes, não se justificava aquilo. Eu me voltava contra isso. Eu era comunista. Como oficial eu entrei para o Clube Militar e naquele tempo ele foi a maior expressão organizativa da democracia brasileira, em defesa de nossas riquezas, jazidas minerais, em defesa da soberania nacional. O Clube foi a mola mestra, que impulsionou o Brasil naquele tempo.
I - Como foi se avolumando esse nível de participação sua até chegar 64?
ZF - A União Soviética derrotou o nazismo. Vieram de lá grandes patriotas, lutadores da Itália, da FEB. A mocidade daquele tempo só ouvia falar em democracia e nos males do nazismo. Consequentemente, essa mocidade entrou em contradições com os que eram favoráveis ao nazismo. Eu tendi naturalmente para as lutas democráticas. Mas surgiu a Guerra Fria, cujo ponto principal foi dividir as Forças Armadas Brasileiras. Eu continuei no caminho normal, que os livros me ensinaram, que a democracia me ensinou que é fazer o bem sem olhar a quem. Fui preso, posto num quarto escuro, em 1964, na base de Cumbica. Lá fiquei até que resolveram me soltar porque não tinham nada contra mim. Quiseram me intrigar com minha mulher, inventando motivos que ela desmascarou na frente daqueles gorilas que estavam lá - a questão de administração de dinheiro , mas não conseguiram provar nada, tanto que o Supremo Tribunal arquivou o processo e a Pretória de São Paulo absolveu todo mundo. Não houve um só condenado.
I - Que lição extrair dos acontecimentos que levaram à desagregação da União Soviética?
ZF- Eu vejo a questão da União Soviética e digamos a posição de Stálin de dois ângulos: pelo ângulo interno, eu absolutamente não posso dizer nada, porque eu não estive lá. Eu não conheço, não vi, não sei o que se passou. E ainda não se sabe bem o que aconteceu. Pelo ângulo externo, eu vejo notável papel histórico tanto do Stalin, como da União Soviética, porque derrotou o nazismo. Hoje é muito fácil atacar, mas quando estavam com medo de perder a guerra, ninguém atacava. Eu dou como exemplo Getúlio Vargas. Eu nunca fui getulista, mas sempre pus Getúlio Vargas na posição dele de um grande brasileiro, que fez muita coisa, trouxe progresso para o Brasil. Mas também auxiliou um criminoso, um assassino, como o chefe de polícia dele, Filinto Müller.
I - Com os acontecimentos da União Soviética,como você vê o mundo hoje?
ZF- Sou marxista e repito: ou você acredita que a história se desenvolve mediante leis ou não acredita. Se você diz que a história se desenvolve sem obedecer a leis, tudo certo. Você pode ter até 200 partidos. Cada partido faz sua leizinha própria. Mas se você crê que o movimento histórico obedece a leis, não às leis naturais, são as leis sociais. E estas são as leis marxistas. Claro que o marxismo é uma ciência, e como tal evolui, se aperfeiçoa, como se aperfeiçoam a matemática, a astronomia, a química, a física. Ciência é todo desenvolvimento e este exige perfeição. Então, o desaparecimento da URSS, por uma causa ou outra, é por causas históricas. Existem aí muitos impérios que desapareceram: o império inglês, o romano, o francês. O desaparecimento de um Império não quer dizer que o mundo acabou: é a prova que o mundo progride. O desaparecimento da União Soviética foi uma necessidade. Essa necessidade livra e livrou o mundo talvez, eu não sei dizer quais sejam, de uma porção de erros graves, e inclusive erro de organização partidária, porque o que se desfez na União Soviética foi o Partido Comunista Soviético, o apodrecimento desse partido, que não teve líderes direitos, não teve ideólogos à altura, não teve conhecedor para corrigir o que estava errado.
I - Você acredita que isso abriu uma crise de direção revolucionária no mundo?
ZF - Sim, abriu uma crise, porque teoricamente criou-se uma situação excepcional que é contrária até ao desenvolvimento cosmológico. Hoje não há contradição política ao nível das relações internacionais. Não havendo contradição política ao nível das contradições internacionais, as relações internacionais não se desenvolvem, ao contrário, elas se entravam, como estão entravando hoje, porque o mundo nunca teve tanta guerra como tem agora.
I - Você vê diferenciação entre o perfil do militante revolucionário a partir de 22 e 30 e a militância que se tem pós-64?
ZF - O militante antes de 64 era muito desprovido de conhecimentos teóricos. Era muito personalista. Era um militante cheio de si, contrário até aos princípios teóricos. A teoria sem a prática, nada vale. A prática, sem a teoria é cega. O militante de hoje, é um militante sem teoria e sem prática. Sem teoria porque não querem estudar, acham que o marxismo acabou. Tem que se estudar mais do que nunca o socialismo científico para se ter o conhecimento científico e sabê-lo aplicar corretamente aos conhecimentos práticos.
I - Diante dessa situação de desestruturação das forças revolucionárias no país, qual o caminho para sair desta crise?
ZF - Não há crise sem saída. Se a história tem leis, temos que procurar quais são as leis específicas capazes de nos tirar dessa crise. Então um esforço geral nacional, conjunto, de democratas, homens sinceros, batalhadores, homens que são contra a espoliação do país, contra essa negação da soberania, contra essa ideia de uma economia global, impossível de ser usada. Trata-se de instaurar uma linha política capaz de pôr nos seus verdadeiros lugares as necessidades nacionais de desenvolvimento e salvaguardar as necessidades estratégicas nacionais, como por exemplo, salvaguardar o nosso Exército na sua verdadeira missão, que é a defesa de nossa soberania.
I - Em Curitiba, você construiu o Centro de Estudos Marxistas e também foi Presidente do Instituto Brasil-União Soviética. Como foi esta experiência?
ZF - Havia cerca de 18 centros. Eu tentei e consegui fazer o Centro agir independentemente, dentro de seu estatuto, fora de qualquer interesse, qualquer oportunismo. Isso não era o que existia nos outros centros. Era o domínio completo de interesses secundários, de oportunistas.
I - Quando você veio para Curitiba?
ZF - Eu cheguei a Curitiba em 1950. Mas lidei com as tendências naturais da sociedade curitibana. Ninguém pode impor sua vontade, quem impõe sua vontade é o coletivo, a sociedade. Se um grupo não aceita isso, como você pode impor a força? Era isso que havia. Mas eu resisti, fui sabotado. Nunca estive na União Soviética, ou tive passagens de graça. Nunca me aproveitei de nada no Centro e podia ter aproveitado. Meu negócio não era na União Soviética, meu negócio era no Brasil. Eu estou aqui para fazer cultura, para lutar pela democracia, pela liberdade, para lutar que não haja guerra. É isso que eu tenho que fazer. E isso eu fiz.
I - E o Centro de Estudos Marxistas?
ZF - O Centro de Estudos Marxistas, fundado por mim, deu grandes resultados, porque já teve mais de 600 alunos e, atualmente, está sendo muito procurado. Eu estou sendo pressionado a reabrir o Centro no Paraná. Eu o fechei porque eu vi que não havia condições para sustentá-lo, não tinha recursos. Ele está devidamente registrado. É só reabrir.
I - Como você vê a possibilidade de nós reerguermos um movimento de caráter nacional nessas características que você dizia: grupos de pessoas com respeitabilidade que possam vir de todo país.
ZF - É tão possível quanto acabar com o analfabetismo.
I - Que papel você acha que o INVERTA pode desempenhar no surgimento desse movimento?
ZF - Capaz de desempenhar não, já está desempenhando. Todo brasileiro devia ler o INVERTA. Agora, é claro que ele é bloqueado, o custeio e a distribuição são difíceis. É um trabalho dificílimo, mas não é impossível. Tanto não é impossível, que ele existe.
I - Eu queria que você nos falasse sobre três personalidades. A primeira delas, quais suas impressões sobre Prestes, a segunda, sobre Agliberto, e a terceira o que você acha sobre o papel que você desempenhou?
ZF - Prestes foi um grande brasileiro. Fui amigo dele. Divergi dele em vários pontos. O Agliberto é testemunha. Em até certo ponto eu concordava com Prestes. Basta a honestidade, basta a coerência militar dele para dizer que Prestes foi um grande homem. Não precisa mais do que isso. O grande pensador simples, modesto. Aceitava as críticas. Eu me lembro as críticas que eu fazia. E ele aceitava. Ele dizia assim: "Zola, você acredita nisso?" Eu dizia: "acredito". Então prove". O Agliberto foi um grande piloto aviador que nós tivemos. Ele foi o criador da estatística na aviação brasileira, pouca gente sabe disso. Eu estou dizendo, porque eu trabalhei com ele. Um grande sujeito. Ele sempre foi um revolucionário muito consciente, mesmo. Ele trabalhou até na Tchecoslováquia, dirigia jornais lá. Ele nunca recuou um centímetro apesar de perseguido, maltratado.
I - Você acha que Zola já cumpriu a sua determinação histórica ou Zola ainda tem muito que cumprir dentro do processo histórico?
ZF - Eu não estou morto. Eu vivo dentro de uma sociedade. Aquilo que eu aprendi é o que me ensina. A nossa consciência é a consciência social e não individual. Dentro da história da vida, a gente só termina quando morre. Enquanto não morre, a gente tem que lutar pelos valores científicos, corretos, combater a corrupção, combater tudo que é mau na sociedade e lembrar-se do ensino, porque quem faz a nossa consciência não somos nós mesmos. Quem faz a nossa consciência é o meio, a sociedade em que vivemos. Enquanto o meio e a sociedade em que vivemos precisar que eu faça alguma coisa capaz de melhorá-la, eu estou na luta.
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