Rebelião no Equador e a luta anti-imperialista na AL
A história política do Equador tem um desenvolvimento menos linear que alguns de seus vizinhos. Depois de um período de ampliação de suas bases no início do século XX, o liberalismo se converte em poder oligárquico. As contradições de um país basicamente agrário, com cerca de 80% da população de origem indígena, alimentam um nacionalismo com matizes de esquerda também presente em outros países da América Latina.
As mais importantes manifestações dessa política foram os governos de Velasco Ibarra e Rodriguez Lara. O primeiro chegou ao poder em 1944 e foi apoiado por liberais dissidentes, socialistas e comunistas. As tentativas de reforma foram todas frustradas e o poder voltou aos conservadores. Em 1973, Rodríguez Lara lidera um golpe militar que retoma o nacionalismo reformista. O país entra na OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), adotando uma política altiva frente às multinacionais. No plano interno, dá início a uma reforma agrária. As reações do imperialismo foram rápidas e, em 1976, Rodríguez Lara era deposto.
Em 1999, o Equador vive a pior crise dos últimos anos, com 72,5 % da população desempregada ou subempregada e uma crescente onda migratória que já atingiu 2,8 milhões nos últimos dez anos (para um país de 12,9 milhões de habitantes). As manifestações contra a política neoliberal de Jamil Mahuad crescem após a dolarização da economia em 2000 e resultam no levante popular que o tira do poder. A revolta, que teve à frente a Confederação das Nacionalidades Indígenas (CONAIE) e o PCMLE (Partido Comunista Marxista- Leninista do Equador) e outros movimentos populares, foi acompanhada da formação de órgãos de poder popular que substituíam os funcionários do regime neoliberal por representantes eleitos pelas assembléias populares. Novamente a luta popular foi golpeada com a intervenção do imperialismo estadunidense que derrubou a junta popular e colocou no poder o vice Gustavo Noboa. As frustrações aumentaram com a traição de Lucio Gutierrez ao programa antineoliberal que o elegera em 2002. A economia continuou dolarizada, aproximou-se, junto com o Peru e a Colômbia, da política intervencionista americana na região e, por último, rompeu com a legalidade burguesa ao destituir a Corte Suprema de Justiça, o Tribunal Eleitoral e o Tribunal Constitucional.
O afastamento de Gutierrez de seu programa original levou à divisão de sua base de apoio. Após o fracasso de uma greve nacional convocada pela Esquerda Democrática e pelo Partido Social Cristão, um panelaço contra o governo, no qual, majoritariamente, participavam setores pequenos burgueses, médios e altos de Quito, foi bem sucedido. Uma dessas ações teve lugar em frente à casa de Gutierrez, que declarou não admitir que um “grupo de foragidos” ameaçasse a integridade de sua família. Como resposta, os manifestantes passaram a divulgar: “Todos somos foragidos”, palavra de ordem rapidamente disseminada pelos meios de comunicação.
Este movimento, dizendo-se espontâneo e apartidário, procurou rechaçar qualquer aliança com o Movimento Popular Democrático e a Juventude Revolucionária do Equador, alardeando seu pacifismo e repúdio aos partidos políticos. As forças populares há meses vinham defendendo a queda de Gutierrez e com a intensificação da luta dos chamados “foragidos”, os combates contra o governo levaram a sua deposição pelo Congresso em 20 de abril. Esta participação popular conseguiu romper com o pacifismo das primeiras manifestações e a palavra de ordem “Nem Lucio nem Palácio, governo popular” ganhou força nos momentos que antecederam à queda do presidente. Com a posse de Alfredo Palácio, os setores populares estão defendendo o cumprimento de seus compromissos de campanha.
Que conclusões podemos tirar da nova rebelião popular no Equador? A contra-tendência ao neoliberalismo na América Latina se afirma, dessa vez, com veemente oposição a um governo que traiu o compromisso de adotar um novo programa, distinto dos ditames do imperialismo e voltado para a solução dos problemas da maioria da população. Somente graças à ajuda do governo Lula, o ex-presidente equatoriano conseguiu fugir da Justiça de seu país, que ainda acredita conseguir extraditá-lo. As declarações de Condoleeza Rice, ameaçando mais uma vez o governo venezuelano, indicam que os Estados Unidos se inquietam com o aumento das manifestações anti-imperialistas. Por outro lado, lutas como a do Equador colocam mais uma vez a urgência da criação das condições subjetivas para a revolução. Certamente, sem a atuação dos comunistas equatorianos, a rebelião não poderia estar agora como uma espada sobre a cabeça de Palácio: se falhar, aqueles que combateram lutarão contra ele.
Antonio Cícero Cassiano Sousa