Sobre as idéias e conteúdo histórico do Governo Lula
A viagem do presidente do Brasil, Luis Inácio Lula da Silva, e a reunião com George W. Bush, presidente dos EUA, constituiu um marco decisivo no ciclo de idéias que consubstanciam a sua plataforma de governo para estes quatro anos de mandato. Em síntese, se até ontem o governo Lula expressava uma suposta contradição entre sua política interna de reformas neoliberais e a política externa de opor o Mercosul à ALCA, de opor as relações com a Europa e, até mesmo uma aliança estratégica com a China e a Rússia, às relações com os EUA, nos episódios da Guerra do Afeganistão e depois Iraque, agora tudo isto se desmorona. As declarações de Lula, que indicam a clara adesão do seu governo à ALCA, jogam por terra as ilusões de um confronto nesta arena com o imperialismo e sem dúvida eliminam a aparente contradição entre as reformas internas neoliberais e o não alinhamento a globalização sob os auspícios dos EUA na América Latina através da ALCA.
Esta posição do Governo Lula encerra um ciclo de idéias que consubstanciará o seu governo, e que podem ser resumidas em: autonomia do Banco Central (controle da política monetária pela oligarquia financeira, o Citybank); reformas neoliberais (previdência, trabalhista e fiscal); inserção na globalização (ALCA); e políticas compensatórias ou afirmativas (Fome Zero, Cotas para Minorias, Primeiro Emprego, etc.). Naturalmente, esta “matrix” de pensamento político não é desconhecida de todo, nela é visível o dedo do FMI e sua lógica de ajuste fiscal, como demonstra o indefectível “superávit primário” que engolimos goela abaixo todos os dias; também é visível o dedo da OMC e sua lógica desigual de intercâmbio comercial entre os países imperialistas e os países dependentes e subdesenvolvidos e do Fórum Econômico Mundial e sua nova divisão internacional do trabalho, sob a lógica irreversível de Globalização. Portanto, no limite destas idéias que encerram o programa de governo Lula (do PT), não há nada de inédito.
Mas, a vida é verde e palpitante, como afirmou Goethe, e a teoria, como completou Lênin, cinzenta. E nesta metáfora ergue-se a idéia de que para além da vontade dos homens individuais, grupos e partidos, uma realidade massiva se impõe como nova realidade eclipsando o objeto da ação política. Quem se dê conta da história do país nos últimos 20 anos e dos governos civis que se seguiram a Ditadura Militar, verá esta realidade. Quem não se lembra de Sarney e seu Plano Cruzado? Quem não se lembra de Collor de Melo e seu Plano Brasil Novo? Quem esquece FHC e seu Plano Real? Em que redundou tudo? Sarney que ao anunciar o Plano Cruzado afirmava que estava “decretado o fim da inflação”, saiu do governo desmoralizado com a inflação batendo patamares inauditos; Collor foi cassado pelo povo, sua czarina da economia está no anonimato nos EUA e como o General Figueiredo diz: “esqueçam que eu existo”. Itamar, como se sabe foi uma espécie de tapa buraco e que só serviu de escada para FHC e seu “Plano Real”. E o que sobrou dos dois mandatos de FHC (oito anos)? “O controle da inflação”, dizem seus defensores e o atual governo Lula; mas se é assim, falta dizer: a que custo se domou a inflação? Desemprego brutal, desarticulação total do serviço público, entrega do patrimônio nacional, superávit primário, taxa de juros astronômicas, em síntese: miséria, fome, violência, perda de soberania econômica.
Quem ao olhar para o governo Lula atual e não lembrar desta história, certamente acreditará que tudo irá neste sentido mesmo e que o governo Lula, ao contrário de FHC e dos demais governantes concluirá a agenda neoliberal do imperialismo, considerando que sua tarefa é a de negociar não com os patrões mais no interesse dos patrões e contra os trabalhadores. Há quem afirme que ele será o pelego mais bem pago do mundo, que somente na Austrália se viveu uma experiência similar. Mas convém aqui lembrar que semelhante experiência vivida pela Austrália se deu no tempo em que a social-democracia avançou no mundo, através do “Estado do Bem Estar Social”, último recurso da burguesia – dar os anéis para não perder os dedos –, tendo em vista a tendência mundial da luta dos trabalhadores, em especial após a II Guerra Mundial, para a revolução socialista. Portanto, uma conjuntura totalmente diferente, pois um governo pelego naquele tempo era para justificar para a classe operária porque ela não poderia obter mais conquistas. Hoje, como se vê, a correlação de forças é o inverso, da guerra fria emergiu um mundo unipolar; a classe burguesa não vê na URSS mais que história e seu principal desafio é administrar as demandas mais insuportáveis da classe operária e massas exploradas no mundo.
É nisso que se resume o significado histórico do atual governo brasileiro, considerando este quadro da história mundial. E nestes termos, a questão que se coloca é: como, então, esperar um quadro político mediatizado e não apenas uma efetivação da estratégia imperialista em nosso país? Evidentemente, a resposta aqui é quase um enigma, pois não há outra resposta fora da idéia da luta de classes e, confessemos, está bastante reduzida no mundo atual, inclusive dentro dos que se dizem revolucionários a validade desta lei do desenvolvimento histórico, que desde Maquiavel se tornou uma categoria para a análise de política (Maquiavel, in “Discursi”, Comentários Sobre a Primeira Década de Tito Lívio, afirma que ela é a base para o equilíbrio do poder). No que se refere à categoria marxista, é preciso diferenciar a noção de luta de classe revolucionária (de classe para si) da luta de classe econômica, política e ideológica (de classe em si) imediata; uma é dirigida subjetivamente e outra é objetiva (que independe do pensamento sobre ela). É claro que a metafísica aqui é apenas para demonstrar a contradição entre o pensamento e a ação; entre a “vida verde e palpitante e a teoria cinzenta”. Assim é que não se pode pensar que o governo Lula, apesar de todas as suas credenciais, seja capaz de exercer sua função de presidente pelego, sem que o povo brasileiro se oponha aos seus objetivos e quanto mais estes se identificarem com o imperialismo dos EUA e G.W. Bush.
Quanto aos revolucionários e homens e mulheres de bem em nosso país, a tarefa atual, acima de tudo, é cada vez mais mostrar dentro do “novo governo Lula”, o núcleo fundamental do “ancião governo FHC”; a “la Tocqueville”. Por outro lado, identificar os pontos de ruptura com as demandas populares e o atual governo, que de agora em diante, se apresentarão cada vez maiores: já são visíveis pelo menos três pontos de conflitos: reforma urbana (movimento dos sem-teto); reforma agrária (movimento dos sem-terra) e funcionalismo público (luta contra a reforma da previdência); e agora na linha do Estado Mínimo e da privatização dos serviços públicos, a idéia do ministro da Educação Cristóvam Buarque, de tornar o ensino universitário público pago de forma direta, bi tributando o contribuinte; derrotar esta proposta, com certeza, pode ser um bandeira a ser levantada pelo movimento estudantil. Quanto ao movimento sindical, que mobiliza a luta dos trabalhadores na “iniciativa privada”, tudo dependerá da piora geral da sociedade e do desemprego crescente, pois a reforma trabalhista insere um engodo geral, na medida que parte do pressuposto que o contrato por temporada é questão liquidada e inquestionável, permitindo o que os teóricos burgueses chamam de flexibilização do trabalho, através da desregulamentação das leis trabalhistas. A questão aqui é, como resolver o problema do desemprego formal (com carteira de trabalho), se permito o emprego por temporada?
Vimos, pois, que o ciclo de idéias que condensam o programa de governo de Lula, pode se resumir em: submissão ao capital financeiro, reformas neoliberais, ALCA e políticas compensatórias, neste sentido seu conteúdo será negociar estas reformas a favor dos patrões e contra os trabalhadores e esta é sua grande surpresa tão largamente anunciada: ele que foi eleito com base na oposição do povo (trabalhadores em geral, especialmente o funcionalismo) às reformas neoliberais e contra o hegemonismo dos EUA, hoje se revela não somente defensor das reformas neoliberais como adesista ao projeto hegemônico dos EUA; e o pior de tudo, se revela como um governo que tem por alvo o funcionalismo público. Portanto, a surpresa está revelada ao povo, que cabe tomar consciência desta realidade, pois se é verdade que objetivamente a luta se dará mediatizando a avidez do capital, não menos e mais efetivo seria que esta luta se conformasse num amplo movimento de massas pelo socialismo, de fato. Mais que algumas bandeiras a tremularem nas manifestações contra o governo seria a busca de uma unidade programática tática entre os revolucionários, Marxista-Leninista, neste momento histórico. “Sem teoria a prática é cega”; “sem prática a teoria é morta”.
Abaixo o seguidismo ao imperialismo!
Abaixo a ALCA e as Reformas Neoliberais!
Por um amplo movimento de massas dos trabalhadores contra as Reformas neoliberais e a ALCA!
Por uma Plataforma Comunista e um governo revolucionário para o Brasil!
Por uma Revolução de fato!
Rio de Janeiro, 22 de junho de 2003
P. I. Bvilla - P/ OC do PCML