2001: Ano em que vivemos perigosamente
Há precisamente um ano atrás, dizíamos o que nós, latino-americanos, devíamos fazer: declarar uma guerra aos EUA. Muitos, entretanto, compreenderam nossa posição como tão somente uma denúncia da situação política internacional que se formava com a “solução” política das oligarquias financeiras à crise geral do capital – a eleição de George W. Bush para presidente dos EUA. Sem dúvida era uma solução estreita e perigosa demais para todos, e os fatos em 2001 não nos desmentiram: atravessamos um dos anos mais terríveis e perigosos para toda a humanidade. Um ano marcado pela ascensão do sectarismo que voltou a assumir feição da escatologia da guerra (como na Idade Média); o oportunismo domina a diplomacia, Tony Blair, Fernando Henrique, Kofi Allan, etc.; e a intolerância supera a inteligência trazendo o pânico, o terror e o banho de sangue – do atentado às torres do WTC e ao Pentágono, até a guerra imperialista contra o Afeganistão. Um ano onde a idéia de paz num mundo do capital, globalizado e neoliberal foi reduzida à cinzas pela realidade histórica da luta de classes e a luta da juventude anti-globalização, anti-neoliberal e anti-capitalista, afogada pelo G-8 no sangue de um brutal assassinato do jovem Carlo Giulliani, em Gênova, e na guerra assassina contra o Afeganistão. Um ano que beiramos o cataclisma nuclear.
Para a América Latina, a situação foi ainda mais dramática. Por um lado, porque adiou-se apenas alguns meses, quiçá, um ou dois anos o debacle geral, prevalecendo neste exato momento, a dissincronia política dos ciclos econômicos, formando uma “fila de fogo” em que cada país aguarda “a sua hora de ajustar contas com os Céus” (Marx, O Capital). Uma situação de extremo pânico e alto risco que impulsiona saídas extremas (de esquerda e direita); uma catástrofe anunciada. Por outro, porque abre espaço para interpretações oportunistas da situação do tipo “é possível sair da crise sem sair do sistema” ou, o que é pior, “crescer a economia do país de forma soberana dentro do sistema”, idéias ilusórias que conduzem as massas aos regimes populistas. Assim volta-se a viver o velho jogo das oligarquias entre o populismo e o autoritarismo - Allende e Pinochet, Perón e Videla, João Goulart e Castelo. Em termos econômicos, o confronto entre Keynesianos ou neokeynesianos e liberais e neoliberais. Um jogo de cartas marcadas que se repete, “ad infinitum”, ao longo da história republicana do nosso continente. Os exemplos mais recentes são as crises do Paraguai, Equador, Bolívia, Peru e, atualmente, Argentina. O trágico de tudo isto é que todos já esperam, ansiosos, por seus 15 segundos de fama. Afinal, nada como uma boa tragédia para projetar um medíocre oportunista à categoria de celebridade do ano, arquétipo do bem ou do mal.
Esta crise geral do capital na América Latina é uma catástrofe enunciada, porque já é de conhecimento público a solução das oligarquias financeiras para ela: “O Plano Colômbia”. Um plano de guerra que se diz “contra o narcotráfico e o terror”, mas na verdade, todos sabemos que se destina à ocupação militar do Prata e a anexação da Amazônia. Sabe-se ainda, que pelo menos 7 bilhões de dólares foram despejados nos preparativos e operativos deste macabro “Plano”, quase todos aniquilados pelas Guerrilhas revolucionárias na Colômbia, em especial, as FARC-EP. O ponto fraco do plano é que ao invés da guerrilha, quem controla o narcotráfico na Colômbia são as oligarquias locais que estão no poder econômico, político e militar do país. Quem quiser pode conferir: toda cocaína é sempre apreendida das mãos dos para-militares, organizações clandestinas ligadas aos latifundiários, industriais e ao exército. Outro dilema são os massacres que acontecem diuturnamente nos campos. Todos, sem exceção, têm uma mesma origem: os Para-militares e Forças Armadas do Governo. Nunca se ouviu falar de um massacre praticado pela guerrilha contra o povo ou mesmo contra o Exército do governo. Pelo contrário, foram as FARC-EP, basicamente, que obrigaram o governo a troca de prisioneiros. Ela mantinha quase meio milhar de prisioneiros que foram libertados ou trocados. Nenhum destes acusou a guerrilha de maus tratos ou torturas. Assim, o discurso do imperialismo para justificar sua guerra de rapina resvalou da esquerda para a direita e nenhuma de suas incursões, infiltrações e operativos contra a guerrilha forjaram uma situação convincente, que justificasse a intervenção direta dos EUA como ocorreu no Afeganistão, embora mantenha cerca de 12 mil militares na Guatemala.
É claro que no ano de 2001 o conflito bélico aberto se deslocou dos Balcãs (Iugoslávia) para a Ásia menor (EUA e Afeganistão, Paquistão e Índia) e o Oriente Médio (Israel e Palestina). E justamente aí, o perigo ficou mais evidente. Na guerra contra a Iugoslávia, de Milosevic, o risco era previsível devido a situação da Rússia - a crise econômica e a autoridade do presidente Vladimir Putin, por suas posições nacionalistas e a guerra na Chechênia, que levantou o orgulho grão russo e conquistou grande prestígio, que nem mesmo o trágico acontecimento com o submarino Kursk foi capaz de abalar sua autoridade. Este fato, facilitou enormemente o controle da guerra e a partilha do botim, bem como favoreceu a recuperação da economia russa. Mas se aí este controle era previsível, já na Ásia menor e no Oriente Médio nem tanto. Neste caso, a corrida bélica entre Paquistão e Índia escondem objetivos imperialistas amplos e sustentados à base do poder nuclear. E o alinhamento ideológico indica uma variável de risco sem controle, como ficou patente no terror dos Talibãs, em particular do grupo Al Qaeda, dominarem a tecnologia nuclear, dada a sua aproximação com o Paquistão. Assim, a luta pela região de Caxemira, entre a Índia e o Paquistão, combina os ingredientes explosivos da religião islâmica e das armas nucleares. Como no Oriente Médio combina a religião islâmica ao Petróleo. E nisto reside todo o perigo que perpassou a humanidade neste ano de 2001.
E não era para menos, as contradições vividas pelos EUA na atual situação mundial se tornaram um problema para a humanidade. Seu PIB é 1/3 da economia mundial; sua moeda, o padrão das trocas e do sistema financeiro internacional; seu poder militar, a base da unipolaridade mundial e da supremacia do ocidente sobre os “bárbaros”. Portanto, na medida em que sua economia passa a perder o fôlego, ressentindo-se da crise mundial e da sua própria crise estrutural, suas ações envolvem a todo mundo. Em 2001 a economia dos EUA foi oficialmente declarada em recessão, não como um pouso suave como todos diagnosticavam, mas abrupto e com a possibilidade de um grave acidente. Em primeiro lugar, porque o padrão industrial se tornou ultrapassado e antieconômico em vastos setores da sua indústria, em especial, a automotriz. Aqui a questão é simples, a matriz energética da indústria americana é de energia fóssil (Petróleo, Diesel, etc.), o que implica dizer que ao acelerar-se a substituição da energia muscular (Homem) pela energia elétrica (máquina), a tendência ao consumo de energia se torna cada vez maior, logo a necessidade de estoque cada vez maior desta matéria-prima. Em segundo lugar, porque tendo em vista que a energia fóssil não é renovável impõem-se como necessidade vital para economia dos EUA a mudança da sua matriz energética e, por conseguinte, do seu padrão industrial. E se isto não se faz sem o controle das novas fontes de energia alternativa, garantindo acesso irrestrito destas matérias-primas a baixos custos (monopólio), muito menos se faz sem o controle ainda maior das antigas fontes de matérias-primas (Petróleo), dada a base de acumulação de capital que tal empreendimento requer.
A Europa e o Japão, cujos padrões industriais se alteraram no curso da reestruturação do pós-guerra, suas forças produtivas (força de trabalho e meios de produção) foram submetidas a uma completa devastação durante a I e II Guerras Mundiais. Já os EUA não passou por isso, pelo contrário, elevou sua indústria e forneceu a base para a reestruturação destas economias. Deste modo, enquanto não mudar o padrão industrial, esta crise estrutural em sua economia se aprofundará a cada elevação do preço do barril de Petróleo ou quanto mais sua economia esquente. A elevação dos seus custos industriais faz cair na razão inversa sua acumulação de capital, exigindo um novo padrão de acumulação que proporcione as ditas “vantagens competitivas” com os produtos da União Européia, América Latina, Ásia e até a África. E quanto mais a crise geral do capital se estende pelo mundo, de continente para continente, país para país, baixando os preços das mercadorias, chegando a deflação mundial, mais os EUA se vêem compelidos a buscar mecanismos de redução de custos, pois, a baixa das bolsas acompanham a queda da economia mundial (Japão em depressão arrasta para o abismo a Ásia capitalista; a Europa estagnada chupa o que resta da África; os EUA, em recessão profunda, impõem seus custos a América Latina) e reduzem o consumo mundial, da mesma forma que o crescimento do desemprego diminui as demandas populares. Agora com a entrada em circulação do Euro, a luta pela hegemonia do sistema financeiro mundial abrirá ainda mais a brecha entre as oligarquias financeiras (ricos) e as massas proletárias e exploradas (pobres) da sociedade a 20/80 (20% viáveis, economicamente; e 80% descartáveis, economicamente?). Nela, a superprodução absoluta se mensura na relação proporcional a superpopulação relativa. “Esta é a lei geral e absoluta da acumulação capitalista: concentração de riqueza num pólo equivalente a concentração de miséria, fome, escravidão e todas as torturas do trabalho daquele que produz seu próprio produto como capital...” (Marx, O Capital).
É assim que o ano de 2001 deixa como herança para 2002, não a sensação de que vivemos em perigo, mas a sensação de que a queda dos lucros, queda da mais-valia, implica concentração de capital e esta, a miséria, fome, luta pela sobrevivência e guerras, até o extermínio. Que se o dedo do ditador se deteve hoje ante o botão do hecatombe, amanhã não lhe custa mais que sua vida o descuido fatal. Que nestas circunstâncias, a humanidade baile uma balada desesperada; uma dança sobre um painel atômico, contando vidas, exumando cadáveres, lambendo lágrimas e cuspindo fogo. Quem poderia exigir mais adrenalina da vida? Em tempos em que necessitamos de gigantes, o que a história nos oferece são sórdidos “anões”: nanicos de pensamento, de generosidade e de ousadia. A América Latina aguarda a sua morte sob a marcação do surdo, uma guerra anunciada. Se a crise dos EUA o impulsiona cada vez mais à ações horrendas, não lhe custa encontrar uma justificativa para sua guerra de reativação econômica: vendas de armas, conquista de mercados e matérias-primas (petróleo barato). Imaginem agora o agravamento da crise na Argentina descambando para uma guerra civil? A humanidade quer a paz, mas a paz que a humanidade procura é puro argumento de retórica de quem perdeu o tesão pela luta; pois, como categoria teórica, a humanidade é uma figura abstrata que não conta para a história viva. Já a história da luta de classes, mesmo recortada teoricamente dos interesses econômicos, sociais e políticos, também não existe fora do contexto do modo de produção social e de vida. A vida é aquela que se faz na luta. A América Latina precisa viver e somente viverá pela luta contra o seu opressor do Norte! Abaixo o Plano de Guerra do Imperialismo para a América Latina! O dever de todo Latino-Americano é declarar Guerra contra os EUA, antes que eles consumam seu Plano de ocupação do Prata e a anexação do Amazônia!
Avante Camaradas! Avante proletariado brasileiro e Latino-Americano! É momento de se lançar uma vez mais contra o capitalismo e o imperialismo! Proletários de todos os países: uní-vos!
Rio de Janeiro, 02/01/2002
P. I. Bvilla OC do Partido Comunista Marxista-Leninista (Brasil)