Em sigilo, ALCA poderá radicalizar medidas neoliberais (2ª parte)

Artigo de Marco Aurélio Weissheimer analisando o trabalho "A ALCA e a ameaça aos programas sociais, ambientais e à Justiça Social nas Américas”, escrito pela canadense Maude Barlow.

Em sigilo, ALCA poderá radicalizar medidas neoliberais  (2ª parte)

Por: Marco Aurélio Weissheimer



Leis nacionais motivariam indenização às multis...

Desde o início, as informações sobre o que está exatamente contido nos documentos de trabalho da ALCA têm sido escassas. O que se sabe é que os EUA querem aprovar normas destinadas a liberalizar serviços, inclusive a assistência médica, a educação, os serviços ambientais e a água. Cabe lembrar que em muitos países latino-americanos, inclusive o Brasil, esta política já vem sendo implementada, em maior ou menor grau, pelos governos nacionais.

No último dia 21 de fevereiro, o governo brasileiro enviou ao Congresso Nacional, em regime de urgência, um projeto que estabelece as condições para uma futura privatização do serviço de saneamento básico.

Mas as ambições dos negociadores da ALCA são ainda maiores. Eles pretendem incluir regras pelas quais as empresas poderão processar diretamente os governos por lucros perdidos resultantes da aprovação de leis criadas para proteger a saúde e a segurança, as condições de trabalho ou as normas ambientais.


...o que já começou a ocorrer no Nafta

Isso já está ocorrendo no âmbito do NAFTA. Recentemente, a empresa Ethyl Corporation, sediada em Virgínia, forçou o governo canadense a revogar a legislação que proibia a venda do seu produto, MMT, um adi-tivo da gasolina proibido em muitos países e classificado pelo primeiro-ministro canadense, Jean Chretien, como uma neu-rotoxina perigosa. S.D. Myers, uma empresa de eliminação de resíduos também forçou o Canadá a revogar a proibição das exportações de resíduos perigosos uma proibição que o Canadá empreendeu de acordo com a Convenção de Basel, que proíbe o movimento trans-fronteiras de resíduos perigosos.

Além disso, impetrou com sucesso uma ação contra o governo canadense no valor de US$ 50 milhões em danos perdidos quando a breve proibição esteve em vigor. Um outro exemplo: a Sun Belt Water Incorpora-tion, da Califórnia, uma companhia de exportação de água, está processando o governo canadense em US$ 14 bilhões porque a Colômbia Britânica proibiu a exportação de água a granel em 1993, deste modo bloqueando as oportunidades da companhia se meter no negócio de exportação de água naquela província. Este é o mundo idealizado pelos negociadores da ALCA.

Porta aberta para transgênicos em todo o continente

Em seu trabalho, Marlow revela ainda que o Grupo de Miami (formado pelos EUA, Canadá, Argentina e Chile) quer forçar todos os países das Américas a aceitar a biotecnologia e os alimentos geneticamente modificados, promovendo deste modo os interesses das companhias de biotecnologia, tais como a Cargill, a Monsanto e a Archer Daniels Midland, acima das necessidades de sobrevivência dos pequenos agricultores, camponeses e comunidades de toda a América Latina.

A organização não-governamental Public Citizen denuncia que os EUA pretendem expandir as normas do NAFTA sobre protecionismo empresarial de patentes, normas que proporcionam às companhias que têm uma patente em um país os direitos de monopólio e comercialização do produto em toda a região privando, deste modo, a população local do acesso aos medicamentos tradicionais. O Brasil já está vivendo este problema na própria carne com a pressão do governo norte-americano e das grandes empresas farmacêuticas contra a produção e comercialização de medicamentos genéricos.

Em xeque, o próprio conceito de República

Caso o acordo seja aprovado nos termos atuais, pela primeira vez em qualquer acordo de comércio internacional, as empresas de serviços trans-nacionais terão direitos competitivos para a série completa de fornecimento de serviços do governo e terão o direito de processar qualquer governo que se oponha à indenização financeira.

Maude Barlow diz que o verdadeiro objetivo desta proposta é reduzir ou destruir a capacidade dos governos do hemisfério fornecerem serviços com financiamento público (considerados monopólios no mundo do comércio internacional). Este é o horizonte que está desenhado para os países latino-americanos no início da primeira década do século XXI.

O que está em jogo é o próprio conceito de res publica (coisa pública), alvo de um ataque jamais visto até aqui. O funda-mentalismo liberal que anima os idealizadores da ALCA tem um sonho cada vez menos secreto: a privatização de todas as dimensões da vida humana.


leia a Primeira parte do artigo de Marco Aurélio Weissheimer