Entrevista: A resistência de Valdir Onofre
Entrevista: A resistência de Valdir Onofre
Por: Valter Veríssimo
Nós estamos aqui próximos ao teatro Arthur Azevedo, em Campo Grande, entrevistando o cineasta Valdir Onofre, reconhecido internacionalmente, embora pouco divulgado pelas elites, que se colocam como definidoras do que é cultura. É com grata satisfação que o cineasta brasileiro, após dar aula de teatro, nos concedeu parte de seu tempo dedicado aos jovens atores. Lembremos que foi um dos primeiros cineastas negros do Brasil, Valdir Onofre é filho de pedreiro, teve contato com a arte ainda pequeno, e há cinquenta anos continua resistindo.
I - Valdir Onofre, fale um pouco sobre a sua origem.
VO - Minha origem é daqui de Campo Grande, sou nascido e criado aqui. E como todos na minha juventude e adolescência, filho de operário, de pedreiro, sempre lutando por um objetivo, com muita força de vontade. Estamos fazendo uns trabalhos e não dá para recuar, é só prá frente, não tem jeito. Inclusive, você falou da minha profissão; em certos meios, eu nunca sou citado como diretor, só como ator, mesmo entre alguns diretores. Para ser reconhecido como cineasta, um jornal de esquerda como o “Opinião”, disse que cinema não pode ser feito por gente do povo e para contrariar eu sou do povo e sou cineasta, reconhecido em Genebra, Paris, Portugal e em Campo Grande, como disse Tolstói, “quer ser famoso conta com sua aldeia”. Mesmo depois de 25 anos, o meu filme está sendo revisto, os universitários estão vendo, estou sendo chamado para participar de um Festival no Sul e no ano passado fui a São Paulo.
I - Há quanto tempo você está desenvolvendo este trabalho?
VO - Já se passaram 35 ou 40 anos. Eu comecei em 56, fazendo um curso por correspondência em Hollywood.
I - Sabemos que houve uma interferência muito grande da ditadura militar nas artes de uma maneira geral. Como foi para você este período?
VO - Por incrível que pareça consegui fazer um filme, “As Aventuras Amorosas de um Padeiro”. Foi um período difícil. Trabalhei também no período de João Goulart fazendo CPC da UNE, Procópio Mariano, Jorge Coutinho, Haroldo de Oliveira e eu. Viajamos o Brasil inteiro fazendo teatro na porta de fábrica e lá enfrentando os reacionários dando tiro na gente. Participei da peça “Os Azeredos mais os Benevides”, de Oduvaldo Vianna Filho. No dia da “revolução”, estávamos ensaiando, quando Haroldo de Oliveira levou um tiro perto do coração e quase morreu.
I- Além da arte você participou de algum partido ou movimento de esquerda?
VO - Eu era simpático ao Partido Comunista, sempre achei que o socialismo daria oportunidade de estudar. Pensava que com o socialismo teria condições de um pai de família sustentar uma família de 7 irmãos, que era meu caso, que sempre tive que ajudar a sustentar os meus irmãos. Hoje eu vejo que não tem esses problemas em Cuba. Lá tem Saúde, tem estudo. Minha formação sempre foi de esquerda, socialista, a minha esperança era que o povo tivesse oportunidade. Aí não sei ..., esse pessoal que estava no exílio voltou e não resolveu esse problema.
I - Sabemos de sua importância na cultura e nesse trabalho pioneiro de formar crianças. Fale para os leitores do Inverta como é este trabalho.
VO - É um trabalho difícil e a profissão é meio ingrata. Para conseguir realizar o trabalho, foi preciso ter “pai rico’. Meu pai dizia que eu tinha que ter várias profissões para sobreviver. Meu pai era ajudante de pedreiro e viveu com muita dificuldade e sacrifício. Então eu fui aprender várias profissões. Fiz curso de eletrônica, consertava TV, para fazer curso de teatro, me aperfeiçoar. O artista negro, pobre tem que ser bom, tem que se aperfeiçoar. Não se pode ficar iludido com a Globo, lá os artistas são descartáveis.
Vários artistas que têm ganhado prêmios no exterior, passaram por aqui, na Zona Oeste, pela nossa mão, como por exemplo, a Luciana Rigueira, que foi a melhor atriz do Festival de Gramado, o próprio Dioraci, que fez um dos mais importantes longa-metragens brasileiros, o “Memórias do Cárcere” e atua em minissérie de TV, não só ele, como o Rubens José, Rodrigo Ribeiro, são tantos que não guardo o nome de todos, de vez em quando lembro deles.
I - Quais os trabalhos que você já desenvolveu?
VO - Quando vou fazer um filme, procuro colocar a cara do povo brasileiro, o colorido do povo brasileiro, não a cara das novelas. A mídia tende para o arianismo, não coloca gente do povo no espaço visual, tem preconceito. E não é só contra o negro, mas contra o nordestino, os portugueses, só querem retratar o carioca. Não vê, agora é que eles descobriram que o Cristo é negro, a gente já faz o Cristo, como por exemplo, com atores negros. Na Odisséia de Cristo, eu trouxe o Marcos Vinícius, o Celso Cordeiro, o Carlos Antônio, meu filho por exemplo, o Abdala, isto sem preconceito.
Todos os anos eu faço um trabalho para homenagear o dia da consciência negra e o 13 de Maio e levamos o nossos alunos e ex-alunos cm o poema “Navio Negreiro”. No meio das festas , como por exemplo de preto velho, que existia em Inhoaíba, no meio do samba , da batucada e do afoxé, a gente parava e o povo vinha prestigiar o grupo prestigiando o poema. Minha filha acabou levando este trabalho para Santa Catarina e trabalha com as crianças pobres do morro. E está fazendo escola.
Mas fizemos vários trabalhos como “Aventuras do Barão Otlo”, no Barato dos Milhões, Clóvis no Carnaval da Zona Oeste, Cinema Brasileiro e sua Comercialização( para a TVE) , Domingo da Rapaziada. O que a TV faz , eu não sei fazer. É igual querer fazer filme só para negros, ou só com brancos, eu vivo no Brasil, aqui não tem só negras ou só brancos. O que eu faço é mostrar o Brasil e denunciar as sacanagens que fizeram com os negros, com os índios. Nelson Pereira dos Santos, o papa do cinema, veio para Campo Grande buscar os artistas para fazer “Memórias do Cárcere”, tem a minha mão, a minha moldura. Pois eu transformo qualquer pessoa em artista, faço um bom trabalho.
I - Nós, do PCML, acreditamos que dá para romper com estes esquemas. Você poderia enviar uma mensagem para os jovens?
VO - Primeiro, não ficar iludido com a televisão, a Globo, as novelas. Os que estão começando têm que estudar, ler, ter outra profissão, pois é difícil, e os atores são descartáveis, principalmente na Globo, independente de ser negro, branco, pobre e até rico.
I - Gostaríamos de saber qual a sua opinião sobre o Inverarte que vamos realizar na região, que a princípio será no dia 19/05?
VO - A gente tem que apoiar e participar de toda iniciativa em relação a fomentar a Arte e a Cultura.
I - Você tem algum projeto imediato?
VO - Tenho, há vinte anos, mas os produtores nem lêem o roteiro: “ A noite do Alô” esteve três meses em cartaz no Teatro Artur Azevedo, com casa cheia. Coisa que nenhum ator manteria em cartaz, nem Fernanda Montenegro e Paulo Autran. Estas coisas dão certo aqui. Os caras estiveram aqui, conferiram o sucesso, a casa cheia. Quando estive no festival de cinema africano, no festival de Milão, os caras viram meu trabalho e não acreditaram que eu só tenha feito um longa-metragem. Quando fiz “Clóvis no Carnaval da zona Oeste”, estava no sufoco. Botamos um lençol na rua e arrecadamos grana, o povo apoiou a iniciativa.
“A Noite do Alô” é na verdade um roteiro de filme que foi transformado em peça. Eu tenho certeza que faria sucesso, mas tenho que enfrentar certos problemas que o negro, o pobre, o suburbano tem. Para realizar este filme, tenho que levantar recursos, ou criar uma produtora, um ramo que não conheço. Quem sabe esticar o lençol conseguir 2 milhões para o filme.