Perspectivas Econômicas para 2015

Artigo do professor José da Silveira Filho sobre o caráter parasitário do sistema bancário e a falta de planejamento do sistema capitalista.

A economia é um estudo complexo, quantas vezes nebuloso. Requer tanto novas leituras quanto releituras. O propósito é de embasamento, de superar fragilidades. Com isso se pode enxergar melhor o futuro a fim de perceber as tendências que se delineiam.

E qual não foi a surpresa, depois de anos de esquecimento nas prateleiras, o recontactar com o livro A Formação da Sociedade Econômica, do economista estadunidense Robert Heilbroner, de inspiração keynesiana.

A obra original é de 1975, tendo sido reeditada pelo menos 5 vezes, sendo esta última em 1982, justamente o exemplar que li, lá pelo final dos anos 80.

Na ocasião não dei atenção à certa passagem emblemática. Com certeza, foi por tê-la ajuizado irrelevante, doidivanice qualquer ou especulação descabida. Merece atenção.

Há muitos outros exemplos da escala de nossa incursão tecnológica na biosfera. Mencionamos de passagem o perigo de modificação dos padrões climáticos em consequência da descarga de calor industrial.

Um problema afim é o efeito “estufa” que resulta da descarga de dióxido de carbono na atmosfera durante a combustão.

O dióxido de carbono atua como armadilha invisível para o calor solar refletido, à semelhança do vidro numa estufa, ameaçando elevar desastrosamente as temperaturas dentro de uma ou duas gerações. (Heilbroner, p. 249).

Ora pois, o que parecia elucubração, o tempo se encarregou de confirmar. Foi uma tendência rapidamente verificável em todas as letras. Hoje, à metade do segundo decênio do século XXI, o dito cujo efeito estufa parece estar pior do que o outrora previsto. Ele é um fenômeno natural.

Possibilitou a vida na terra.

E a ação do homem potencializou seus efeitos. Empurrou-o para território de perigo ao existir do homem. Desandou em processo de agravamento.

A aceleração desse fenômeno climático, conjugada com outras atividades predatórias do homem em relação ao meio natural, irradiador de toda a vida, tanto no capitalismo quanto no socialismo, acabou por surpreender governos, cidadãos comuns, e talvez instituições de pesquisa.

A intensificação desse transtorno foi espantosa. Esta é a conclusão a que se chega. Havia neste globo terrestre algum governo devidamente preparado para isto e com clarividentes providências antecipatórias, que enxergasse com singular nitidez o que poderia acontecer? Improvável tamanha antevisão.

E ainda por cima necessitaria convencer a sociedade, que teria de estar no mesmo patamar de compreensão. Dificilmente se convence quem não está preparado para o convencimento. Soaria como fantasia sem pé nem cabeça.

Agora o problema está aí, na cara de todos. Desafiante dos crédulos e dos incrédulos. Um transtorno que está abalando mundialmente as colheitas de grãos e dos hortifrutigranjeiros.

A quantidade colhida diminui, porém o gasto realizado para ela, na melhor das hipóteses, permanece igual. O preço de produção aumenta. E nem se menciona o preço de mercado, quando o atacadista compra do produtor para se dirigir ao varejo a fim de alcançar a mesa das famílias.

Atua o preço de comercialização da comida e da bebida pago nos mercadinhos e supermercados.

E por decorrência, no caso brasileiro, esse desequilíbrio ambiental foi afetar os recursos hídricos, tanto para dar de beber a população quanto para prover de energia os lares, a indústria, o comércio e os serviços.

O nível dos reservatórios caiu assustadoramente.

E a chuva que se esperava não está aparecendo como deveria.

Quando sobrevém é tão violenta e caudalosa que o que é para chover ao longo de três meses de normalidade, cai em solitária semana ou pouco mais, tantas vezes se escuta o repetido comentário nos noticiários de parte dos especialistas.

E como a cobertura florestal foi devastada, o solo fica desprotegido e a água não encontra tempo para descer e abastecer lençóis subterrâneos, córregos e barragens. Rapidamente a súbita umidade evapora pelo escaldante calor passando à atmosfera, como se malmente tivesse chovido.

A seca se manifesta não mais como eventualidade, mas um traço permanente. São os extremos de frio e calor, seca, chuva e nevasca, que se revelam pelos continentes como a nova conduta da natureza.

Nos reflexos sobre a inflação, isto significa elevação de custo de produção.

Haverá e há  forte pressão sobre os custos.

Diminui, por exemplo, a colheita de soja e de milho, dois dos principais grãos produzidos pela humanidade.

A safra fica menor.

O preço de produção e comercialização aumentam. Todos os alimentos que levam soja e milho como matéria-prima primordial, seja para humanos quanto animais, tendem a se elevar.

Vide o preço da carne.

Vide o preço do frango.

Vide o preço das rações.

Dentre as quebras, diga-se de passagem, foram afetadas as pastagens para os rebanhos, mais rarefeitas pela seca ou mesmo inundadas pelos aguaceiros.

A escassez de água potável impacta na composição das bebidas, dos alimentos, na construção civil, na indústria química.

Em outra alusão corriqueira, quantas tintas já não se fabricam à base d’água para construção civil e automóveis... E seriam um rosário as ilustrações que poderiam ser elencadas para exemplificação na qual água é fundamental.

Performam uma cadeia de custo entre vários ramos de produção, um dando laço no outro, até chegar aonde não pode ser mais transferido, a classe trabalhadora. Esta tem como principal custo de reprodução a comida.

Primeiríssimo o gasto com o comer e o beber.

O vestir pode esperar, o passear pode esperar e assim os gastos não prioritários ficarão em sobreaviso, segundo uma escala de prioridades, consoante a sensatez das pessoas, que se acredita existir por imposição da sobrevivência.

Restringe o comércio de mercadorias e serviços não essenciais. Diminuem as encomendas para a indústria. Os próximos anos serão de baixo crescimento e redução do emprego.

O que se quer traduzir é que este tipo de inflação, novidade presentemente enfrentada, mais do que em qualquer outro momento histórico, de princípio do século XXI para cá, mais saliente pelos últimos anos da gestão de Fernando Henrique, em trânsito por Lula até Dilma, está longe de, em sua proeminência, ser inflação monetária, de demanda ou de expectativa.

É preciso sublinhar ser uma inflação de custo de produção no que traz de substancial e aí sim, é possível, monetária, de demanda ou de expectativa no que tem de acessória.

Pode-se afirmar sem receio de exagero, o preço dos alimentos em alta assumiu abrangência planetária. Alguns países afeta mais outros menos. Depende da estrutura de composição de custo.

No caso brasileiro, o custo de produção é agravado pelo transporte rodoviário.

Mercadoria nestes rincões é levada por caminhão com custo de frete e manutenção maior do que o trem, maior do que o navio.

De Norte a Sul, de Leste a Oeste.

A isso se somam os pedágios, o tempo mais alargado de transporte, o risco, o uso de combustível fóssil.

A agricultura brasileira armazena somente 20% dos grãos colhidos.

A americana ensila 100% das colheitas de grãos.

Nos EUA, em época de fartura, os grãos podem ser armazenados, em época de privação, os grãos são desovados em mercado.

Há controle rigoroso sobre os preços, nitidamente na agricultura, considerada pelos EUA e Europa como atividade estratégica, de segurança nacional.

Para os americanos não existem preços livres em agricultura. Inexiste livre concorrência aí. Existe preço definido, protegido, com pronta intervenção do Estado.

Nesta situação inflacionária, o volume de emprego será afetado.

A população trabalhadora vai gastar primeiro com a sobrevivência urgente e sensivelmente encarecida nos últimos 15 anos.

O custo de reprodução da força de trabalho será sobrelevado.

Haverá uma pressão salarial para cima.

E com o crédito também mais caro, o comércio e a indústria vão se ressentir. Haja vista que a renda é dada.

A inflação a corrói em silêncio.

A grande maioria da classe trabalhadora brasileira ganha de 1 a 5 salários mínimos. São 85% dos trabalhadores economicamente ativos.

A inflação dos alimentos pôde ser acompanhada.

Foi captada pelo índice INPC do IBGE, mensurador das famílias com salários mensais entre 1 e 5 salários mínimos.

E o chefe de família deve ser assalariado. Para essas, o item comida e bebida é mais representativo, com peso estatístico maior.

O outro índice é o IPCA, oficial do Poder Executivo, dado sua abrangência.

Também é do IBGE. Mensura as famílias entre 1 e 40 salários mínimos.

No entanto, o chefe de família não precisa ser assalariado.

Nesta mensuração, o peso estatístico de alimentos e bebidas é menor.

O radar do INPC captura com maior agudeza as variações de preço atinentes à classe trabalhadora majoritária.

Notadamente o que se passa com alimentação.

Do advento do Plano Real até 2014, o IPCA ganha do INPC até 2002. Deste ano em diante, o INPC ultrapassa o IPCA.

Alguém poderia contra argumentar em olhar de superfície ter sido a inflação responsabilidade do Governo Lula e Dilma.

Com Dilma, o crescimento econômico retrai fortemente.

Caiu o consumo das famílias, responsável por 60% da composição do PIB.

Mesmo assim, a pressão dos alimentos não retroagiu.

E não vai arrefecer o ímpeto nas próximas décadas.

E nem escrevi sequer uma linha sobre a especulação desencadeada pelos grandes bancos de investimento com o preço das commodities agrícolas (soja, trigo, milho, açúcar, café, algodão) em que ganham bilhões de dólares no jogo de apostas feito no presente face as expectativas dos preços futuros dos alimentos.

E são preços que se estipulam internacionalmente na Bolsa de Chicago.

Lá onde estão os grandes compradores mundiais.

Para haver crescimento econômico dentro do capitalismo brasileiro resta como alternativa, justamente o artifício do crédito. Capitalismo em si não sobrevive sem crédito para conseguir vender a imensa quantidade de mercadorias produzidas pela indústria. Crédito não é distorção.

É condição de existência deste sistema.

E na economia brasileira, as taxas de juros de mercado sempre foram altas. Faz provavelmente um século que é assim.

Os bancos brasileiros sempre administraram margens brutas elevadas para comercialização do dinheiro de crédito.

Eles compram dinheiro de crédito na ponta da captação para repassá-lo na aplicação aos tomadores, notadamente trabalhadores que querem financiar suas compras de utilidades e microempresários, dependurados em dificuldades, que querem financiar muitas vezes o próprio capital de giro.

Criou-se um mito, abençoado como fé universal.

A inflação deve ser combatida com política monetária restritiva.

Isso equivale encarecer o dinheiro creditício por diversas formas.

A maneira precípua está na manipulação proposital da taxa de juro interbancária, a SELIC, gerenciada pelo Banco Central. Ela foi colocada acima da inflação.

É o suficiente para garantir ganhos reais aos bancos comerciais.

Ao comprarem títulos públicos, eles já sabem que terão ganhos superiores à inflação, após desconto de imposto de renda e consortes.

E há um coro de economistas conservadores suicidas, estudados em notórias academias de culto à moeda a pretexto de ciência, que justificam esta prática como salvação, crença disseminada pela grande imprensa falada e escrita.

Ela faria sentido se a inflação em sua substância fosse de demanda.

Não é. É de custo de produção.

Não trará resultado eficaz porque vai permanecer elevada em razão do desequilíbrio em curso permanente na natureza, agravado pela estrutura de custo brasileira.

Vai beneficiar os bancos comerciais em seus ganhos especulativos dos quais compartilham os mega aplicadores rentistas.

E é por isso que se aplica o famigerado Ajuste Fiscal.

Aumentar impostos e alíquotas, de tal modo que o Estado consiga pagar os sagrados juros da dívida interna.

A arrecadação pública deve garantir o pagamento desses juros.

Os impostos pagos devem pagar a conta dos juros das aplicações de especulação financeira. Credibilidade de governo é garantir a rentabilidade do capital financeiro privado.

O que admira é não ter surgido até hoje nesses últimos 30 anos, nenhum governo republicano burguês que colocasse o sistema bancário como suporte da produção capitalista.

No lugar aonde deveria estar. É ao contrário. A produção capitalista está a mercê do sistema bancário.

A atividade bancária moderna nasceu e se desenvolveu por meio do empréstimo de dinheiro de crédito para financiar negócios, ampliar a renda por antecipação de dinheiro ocioso, gerar emprego.

Expandir a produção.

Está se tornando cada vez mais parasitária.

Alimenta-se da especulação garantida pelo Estado e deixa deteriorar a produção de mercadorias.

Nos EUA, a pátria em que o capital se desenvolveu com exuberância, o Executivo estadunidense, por intermédio do Banco Central, coloca a taxa interbancária deles próximo de zero.

Fica abaixo da inflação americana.

E a inflação deles é baixa pelo domínio que o próprio capital exerce sobre os preços de produção. Se dependesse de déficit orçamentário e emissão monetária, a inflação dos EUA seria a mais elevada do planeta. Inclusive as margens brutas de lucro lá são muito mais apertadas que as brasileiras.

Eles têm pequenas margens.

As margens de lucro bruto brasileiras são maiores que o peso dos impostos. Que “mistério” é esse de manter em patamares tão elevados as taxas de juros interbancárias brasileiras?

O ano de 2015 indica estagnação.

A inflação mais alentada subtraiu a renda nacional.

Ela é uma composição de 9 gastos: alimentação e bebidas; transportes; habitação; saúde e cuidados pessoais; despesas pessoais; vestuário; comunicação; artigos de residência; educação.

A alta dos alimentos está no foco desse movimento.

Se for tomado o PIB de 2013 como referência de cálculo e a inflação oficial de 6,4%, estimada pelo IPCA, a inflação diminuiu em 310 bilhões de reais o volume de consumo.

Esta representou grosso modo a diminuição na renda nacional. E o capitalista não investe num contexto de vendas cadentes. A demanda está em declínio ou estagnação.

O antídoto contracíclico está no uso do crédito para trabalhadores e microempresários por apresentar a resposta mais pronta e simples.

Seria um Ajuste Fiscal às avessas, diminuindo o gasto  com os juros de dívida interna em redução gradativa. Seguir com política monetária expansiva, o inverso do praticado, dado o papel ainda positivo que consegue cumprir para atender necessidades inatendidas da maioria da população trabalhadora.

A inflação alta é o argumento à prática da restrição do crédito.

Desde que fosse inflação de demanda, monetária ou de expectativa.

A inflação presente é notoriamente de custo de produção.

Para debelá-la será necessário inverter o modelo de desenvolvimento calcado em concentração de renda.

Construir a armazenagem de grãos que não se tem.

As ferrovias e hidrovias que não se tem. Soerguer modelo de desenvolvimento capaz de devolver para a natureza o que dela se extrai. Tarefas para décadas a fio.


Aos trabalhadores cabem usar da melhor forma possível seus salários.

Evitar todo e qualquer desperdício.

Dos alimentos, dos detergentes, da eletricidade, da água.

Conscientizar a família dessa necessidade, pais e filhos.

Reunir famílias de amigos e fazer compras conjuntas para regatear preços melhores com os supermercadistas.

Estender a mão em solidariedade em uso coletivo do que é mais urgente à vida.


José da Silveira Filho