A Odisséia Brasileira em 2004

 

O Brasil entrou em 2004 e, fiel à tradição popular, renovou a esperança de milhões de trabalhadores na luta por dias melhores, após um primeiro ano de muita espera e frustrações com o governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Os números do país divulgados pelo IBGE, até a versão final, nos dão conta de uma realidade estapafúrdia e, apesar da maquiagem das estatísticas, mostram o tamanho do problema que o governo do PT e aliados se propuseram resolver. O Brasil, que durante este primeiro ano de governo Lula viu crescer sua economia em 0,4%, ou seja, quase zero, é um país de extensão territorial de quase a metade do continente sul-americano, cerca de 8,7 Km2; sua população, de 169.872.856 milhões, é a quinta maior do mundo; e embora seu PIB (Produto Interno Bruto) continue patinando em torno de 500 bilhões de dólares, nos últimos dez anos, está entre os 10 maiores da economia mundial; com a formação do Mercosul constituiu a maior fronteira agrícola do planeta, que somado às reservas de hidrografia e de biodiversidade (a Amazônia) e grau do desenvolvimento do modo de produção capitalista no plano mundial, configura-se numa região geopoliticamente estratégica para a economia, política e o poder militar no planeta. Mas, em contradição a todo este potencial natural e humano, a esmagadora maioria da população brasileira, como nos outros países em sua mesma situação, encontra-se esmagada, tanto pelo processo de exploração das riquezas naturais e humanas, quanto pelo sistema de apropriação destas riquezas, o modo de produção capitalista na sua formação dependente.

Os números, mesmo maquiados, denunciam de forma clara ao mostrarem que apenas 1,2% do total de 77.467.473 da PEA – População Economicamente Ativa, ou seja, 942.649 mil pessoas recebem 30 salários mínimos ou mais; enquanto aproximadamente 24.538.558 (32%) recebem até 1 salário mínimo (na época do Censo o valor do salário mínimo era de R$ 155,00); 32.032.800 (41%) recebem até 2 salários mínimos; e cerca de 57.809.024 da população em idade ativa não tem rendimento algum. Do total da PO - População Ocupada - de 65.629.892, cerca de 68% (43.694.129) são empregados; em torno de 22% (15.396.247), trabalhadores por conta-própria; aproximadamente 7% (4.641.476), trabalhadores sem remuneração e em cultura de subsistência; e apenas cerca de 2,9% (1.897.842) são patrões. Considerando a relação entre PEA e PO, chega-se ao desemprego aberto de 11.837.581. Mas, esta realidade é ainda mais cruel ao observar que a PEA é um cálculo que deixa de fora cerca de 59.442.884 de pessoas, consideradas PNEA – População Não Economicamente Ativa, do universo de 136.910.538 da PIA – População em Idade Economicamente Ativa (pessoas de 10 anos em diante). É claro que alguém poderia ponderar que neste bloco estão incluídos os aposentados, portadores de deficiência e etc. E, na verdade, isto é um fato. Contudo, considerando que dentro deste contingente que chega a 28 milhões: cerca de 14 milhões, com 60 anos ou mais de idade e os portadores de deficiência que chegam a 14 milhões; mesmo assim chega-se a um número em torno de 30 milhões de trabalhadores presentes na PNEA que somados aos 11 milhões de PNO (População Não Ocupada), elevam para 41 milhões o exército de desempregados no país.

Entretanto, o mais chocante nestes dados é que eles indicam que 85% da população têm menos de 50 anos, 73% menos que 40 anos e, finalmente, cerca de 60% menos de 30 anos. Portanto, uma população jovem e sobre a qual recaem as conseqüências danosas da crise do sistema, como o desemprego, miséria, discriminação e o terror da repressão. Além disto, considerando que 81% da população é urbana e se concentra em grandes centros e capitais do país, em especial, nas regiões sudeste, nordeste e sul, a situação fica mais explosiva. Em primeiro lugar, porque nestes grandes centros urbanos e capitais não somente cresce o índice de escolarização, como também, os meios de comunicação, centros de consumos (Shopping Center e etc.), e manifestações culturais, mas, sobretudo, a ação política de todos os setores sociais em luta pela hegemonia da sociedade, e que de uma forma ou de outra acabam por arrastar esta parcela mais ativa da população ao mundo da estratégia (governo ou parlamento) e da tática (o voto), provocando ora decepções e revoltas, ora ambição e ilusão sobre o mundo e vida. E este “qui procó”, do processo social e histórico que vai forjando demandas e estabelecendo limites a todo o sistema de exploração e opressão social. O próprio governo do PT e de Lula é um produto inelutável desta dialética subjetiva e objetiva que está subjacente à luta de classes no capitalismo.

O Brasil que entrou em 2004, escreve uma verdadeira odisséia. Sua trajetória como formação social capitalista dependente, não consegue ir além, historicamente, de um passo à frente para recuar sempre diante dos grandes e reais desafios e problemas que necessita desesperada e inexoravelmente enfrentar e resolver. Numa paráfrase a idéia de Lênin sobre a luta interna no Partido Operário Social-Democrata Russo, de 1903 a1912; aqui este recuo parece não ter fim. O tributo pago com a vida, torturas e lamentos de nativos, africanos e degradados, tornou-se cultura de domínio e teorias explicativas da barbárie colonial e neocolonial até hoje em vigor. O genocídio dos nativos e africanos, a servidão e opressão imposta aos “gaijins” e demais emigrantes, o tratamento policial das greves operárias e conflitos sociais, parecem tão atuais que mal dá para se falar em história passada, observando-se as estatísticas e o noticiário de hoje. O golpe militar a serviço das oligarquias burguesas nacionais e internacionais, em 1964, não desmente esta constatação e menos ainda sua herança de entreguismo e subserviência ao capital financeiro internacional, em especial, ao norte-americano, e menos ainda sua herança de assassinato, tortura e terror sobre a classe operária e suas organizações revolucionárias. A destruição de suas principais lideranças revolucionárias, física ou ideologicamente, fez recuar as conquistas sociais, e com elas as conquistas nacionais como um todo. A implantação do sistema de subserviência ao capital financeiro internacional fez o país voltar aos tempos da inquisição como denunciou o Marechal Pery Bevilaqua, ao defender o General Nelson Werneck Sodré no Tribunal de Justiça Militar. Não é tão estapafúrdio assim comparar o processo de condenação de Rumba Gabriel pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, somente mostra a que nível recuamos.

Hoje, quando ingressamos em 2004, os desafios são maiores ainda, pois quase dobrou o tamanho da população nestas 4 décadas (1964 para 2004). A dependência ao capital financeiro chegou ao nível de lei orçamentária (superávit primário), as bases de uma indústria e tecnologias nacionais chegam ao nível de um terminal burro de computador, e sequer pode comentar a possibilidade de desenvolver a tecnologia nuclear. O governo Lula, que fez pulular as esperanças em milhões de trabalhadores, cada vez mais se revela como um verdadeiro fiasco: o programa “Fome Zero” não saiu do slogan de campanha franciscana, cerca de 43 milhões sequer chegam ao mercado de trabalho e 58 milhões da população não tem rendimento algum; o desemprego chegou aos píncaros e o “Primeiro Emprego”, tem gente na fila esperando até hoje, como demonstrou a prefeitura do Rio de Janeiro ao fazer a demagogia do concurso para gari. E ao contrário da curva senoidal da produção social e das taxas de juros e da dívida interna e externa, brande os próceres do sistema que o “Risco Brasil” caiu e que o capital financeiro pode continuar fazendo a festa no país, pois as privatizações vão continuar. E assim, a inflação cresce em surdina, justamente nos preços dos alimentos e gêneros de primeira necessidade, como medicamentos, passagens de ônibus, tarifas elétricas, telefone e etc; paralelamente, a massa da população persegue sua odisséia refletindo-se na peregrinação do atual presidente Lula, que como Ulisses vai de um lugar em lugar, de aventura a aventura, pensando que está retornando a Ítaca.

Mas, que fique claro, nossa odisséia nada tem de Aventura cujo Happy End (Final Feliz) é garantido pelo duplo estatuto de semideus do herói grego e a ajuda de sua deusa protetora Atena ante o furor de Poseídon, que quer vingar a morte de um dos seus Ciclopes. No nosso caso, estamos mais para a figura do monolito, obscuro, e que reflete nada mais que a própria imagem do homem no processo histórico de desenvolvimento permanente. E dele, o que se pode extrair em relação ao futuro de nosso país é uma grande reflexão sobre “o que fazer” diante deste retrocesso histórico a que fomos e estamos sendo submetidos. Ou melhor, “o que refazer?”. A nossa resposta a esta indagação é só uma: a Revolução Comunista! É como diz sempre nosso camarada Oscar Niemeyer: “Quando a revolta se instala e a esperança foge ao coração dos homens, só a revolução!”. Nela, se encerra o ciclo de nossa odisséia. Que neste ano, em que se completa 80 anos da morte de Vladimir Ilich Ulianov, Lênin (herói de verdade do proletariado internacional); 80 anos da Coluna Prestes (movimento armado contra as oligarquias que jamais foi derrotado); 45 anos da Revolução Socialista em Cuba; não nos esqueçamos também o golpe reacionário de 1964 que completará 40 anos. Portanto, que ninguém se iluda com o conteúdo do processo histórico atual, a luta continua e a nossa tarefa é vencer! Que estas duras e necessárias lições da história possam ensinar, com mais clareza, nosso caminho para se retornar e retomar Ítaca, e que nos guiando estejam os nossos heróis de carne e osso: como Zumbi, Sepé Tiarajú, Anita Garibaldi, Tiradentes, Luiz Carlos Prestes, Olga Benário, Lamarca, Marighella, Che Guevara, os nossos milhares de mártires e anônimos de nossa história!

Salve 2004 e viva a luta revolucionária em nosso país e no mundo!
Viva Marx, Engels, Lênin e Stalin!
Viva o Partido Comunista Marxista-Leninista!
Contra a condenação de Rumba Gabriel!

Rio de Janeiro, 5 de janeiro de 2004

P.I. Bvilla Pelo OC do PCML

* Ulisses fez uma viagem de décadas para voltar a Ítaca (sua terra natal) no romance “A Odisséia”, de Homero.