O que temos pela frente

 

O ano de 2004 é um ano teoricamente dominado, em termos políticos, pelas eleições municipais. Elas acontecem em todos os municípios do país e implicam uma poderosa articulação das forças que procuram manter uma intervenção unitária e coesa neste processo. É quase natural que as forças políticas, incapazes de se manterem unidas em termos de objetivos gerais (estratégicos), devido à diversidade de táticas para atingirem estes objetivos nas eleições locais, se desagreguem ou constituam grandes contradições que mais tarde poderão acarretar esta desagregação ou perda de unidade. Portanto, este é o principal desafio que vamos enfrentar este ano, e, embora nossa posição frente ao processo eleitoral burguês não seja uma novidade, nunca é demais repeti-la e, refletindo criticamente, até que ponto nós, realmente, a implementamos. E na medida que este processo tem por novidade o “social-liberalismo (PT) e a esquerda reformista” no comando imediato do processo, até que ponto o significado das eleições permanece o mesmo e a nossa posição frente a este? Mas se isto não for o suficiente para justificar nossas preocupações, então que se faça o debate em torno da integração dos objetivos locais e perspectivas, com os objetivos e perspectivas gerais do Partido. E quanto mais urgente este processo, mais estaremos preparados para enfrentar este desafio e mais as organizações e movimentos de massa (sociais) encontrão em nossas diretrizes um caminho sólido para a independência política e a revolução.

Não é novidade para nenhum comunista revolucionário que a tradição bolchevique, ou melhor, marxista-leninista, em torno da participação ou não nas eleições burguesas, seja uma conduta unilateral ou que sobre ela repouse toda a perspectiva revolucionária. Quem mergulha na literatura marxista-leninista, encontrará situações diversas em posições diversas, seja participando, seja boicotando as eleições, como se pode extrair da história revolucionária tanto de Marx e Engels, durante a insurreição de 1848 na Alemanha, quanto de Lênin e os bolcheviques, após a insurreição de 1905, no século passado na Rússia. Em todos esses processos, o que se pode extrair em termos gerais é: primeiro, os comunistas revolucionários não aceitam a luta parlamentar como a principal via para chegar ao poder político da sociedade; segundo, os comunistas não subestimam a importância política deste processo para a reprodução da ordem burguesa e por isso não são omissos diante dele, intervindo seja para boicotá-lo, seja para denunciar as mazelas da sociedade de classe (exploração, corrupção, e mesmo o significado das eleições burguesas), como também para propagandear as idéias revolucionárias (o socialismo científico) e acumular forças. Neste último caso, a tradição é lançar candidatos revolucionários ou apoiar candidatos simpatizantes da causa revolucionária, através de proclama ou manifesto público.

Entre os revolucionários é quase lugar comum, sempre que a participação no processo eleitoral burguês entra em debate, a referência a este legado histórico de Marx e Engels ou de Lênin e os Bolcheviques para se justificar esta ou aquela posição, e quase sempre este debate genérico obscurece o problema concreto, ou seja: qual o significado das eleições em questão? A participação eleitoral ajudará ou não o processo da revolução no Brasil? O boicote ajudará ou não a revolução no país? É possível chegar-se a esta conclusão sem uma estratégia revolucionária definida para o Brasil? E as forças que dispomos são capazes de atingir objetivos que se estabeleçam para a nossa ação política frente às eleições? Eis dilemas reais e que, para além do debate da participação ou não, requerem uma visão da situação da luta de classes no país, em especial dos objetivos em jogo ou que se concatenam neste processo. Em linhas gerais, temos todo um debate acumulado sobre a realidade da luta de classes no Brasil, e em especial, o que está por se decidir na conjuntura atual, onde a crise do capital se aprofunda e as oligarquias burguesas já não conseguem mais se manterem no poder sem nenhuma mudança e os debaixo já não querem mais seguir como até então, acomodados. Além disso, hoje no Brasil, mais que nunca, o problema da luta de classes se projeta num terreno inteiramente objetivo da história social, pois justamente quando no mundo inteiro os comunistas entram em crise ideológica, cai o bloco socialista do leste europeu, cai a URSS, os Partidos Comunistas se desagregam e o capital proclama sua vitória universal, o fim da história; justamente neste momento, a crise do capital iniciada na Ásia se manifesta magistralmente no país e em menos de 4 anos corrói toda a base social dos partidos das oligarquias, queima suas velhas e novas lideranças e, para não perderem os dedos, oferecem os anéis às camadas médias: o governo.

Como se sabe, a eleição de Lula, e com ele a chegada da coligação de forças lideradas pelo PT ao governo, se por um lado mostrou o esgotamento total das lideranças políticas das oligarquias burguesas no país, por outro revelou sua capacidade de manobra e cooptação das forças da oposição burguesa, pequeno-burguesa e da aristocracia operária para suas teses neoliberais e seu mundo “sem fronteiras”; uma prova contundente disso é que o governo Lula, em seu primeiro ano, foi mais realista que o rei e levou a política econômica neoliberal ao paroxismo, numa manobra muito arriscada, tipo “Collor” e seu confisco da poupança, através da elevação brutal da taxa de juros, elevando aos píncaros a concentração do capital financeiro nas mãos das oligarquias financeiras. Quem bem parar para pensar isto, foi um estelionato eleitoral tão grande quanto do Collor. A elevação da taxa de juros, o acordo com o FMI (aumentando o superávit primário), a continuidade das privatizações, as negociações com a ALCA e tudo mais, gerou um grande mal estar entre os que ainda mantinham um mínimo de princípios revolucionários no governo e nas forças que o apóiam. Até mesmo o vice, o mega explorador do trabalho alheio José de Alencar, deixou a “mineirice” de lado e pôs a boca no trombone a reclamar das taxas de juros. Aqui se poderia dizer que o governo Lula, a exemplo de Collor ou de Fernando Henrique, usando a tática ortodoxa (aumento das taxas de juros), agiu no mesmo sentido que estes, tratou de concentrar o capital monetário, só que nas mãos diretamente do capital financeiro, para depois negociar tanto com o capital financeiro quanto com o empresariado o apoio aos seus projetos políticos, crescimento e reeleição (Lula, PT e Cia tem projeto para pelo menos 12 anos de governo).

Neste sentido, o processo eleitoral que enfrentaremos está pleno deste significado para a luta de classes no país, ou seja, até que ponto o governo Lula será ou não aprovado pelo povo nestas eleições municipais e formará a base social que necessita para levar a cabo sua estratégia de poder? O governo tem como carta no colete as verbas destinadas para as áreas sociais do primeiro ano que não gastou, além disso, criou a dificuldade (alta das taxas de juros) no primeiro ano para trocar facilidades no segundo (redução da taxa de juros), toma medidas no plano social, como unificação dos projetos sociais (fome zero, bolsa escola, primeiro emprego, etc), o projeto de eletrificação, saneamento e água potável, micro crédito e outras pequenas migalhas que atuarão como cada voto nas mãos dos políticos locais (vereadores e prefeitos, etc). Mas, Lula foi mais longe e atraiu para a sua base de sustentação o PMDB, através de uma reforma ministerial, e já está em negociação com o PP; é isto mesmo, o “antigo PPB”, herdeiro direto da Arena (Partido que sustentou a Ditadura Militar/Civil no Brasil, até 1983). Portanto, mais que um pacote social e clientelista, o governo também já conta com uma base política mais ampla: PT, PL, PSB, PCdoB, PCB, PMDB e PTB. Mas, isto não é tudo, o governo também conta com o seu instrumento de política monetária para intervir no processo eleitoral. É esta a lógica da manipulação da taxa de juros, os empresários serão forçados a “chegarem junto” e apoiarem os projetos do governo, como “primeiro emprego”, “conta bancária para todos”, etc... Pelo menos no período eleitoral, depois a cobrança será em dobro.

E o que temos no plano da oposição ao governo Lula? Para além de pequenos da esquerda revolucionária ou pequeno-burguesa radicalizada, registrados legalmente como o PSTU, PCO, ou não registrados como PCML, PCR, LBI, o que temos são os nacionalistas-trabalhistas de Brizola (PDT) e os partidos da velha (PFL) e nova (PSDB) oligarquia burguesa. Com exceção dos pequenos partidos e grupos da esquerda e do PDT de Brizola, a oposição das oligarquias (PSDB e PFL) sofreu uma forte cisão com a adesão do PMDB ao governo. Além disso, os anos à frente do processo político nacional e sua vinculação direta seja à Ditadura Militar, seja à crise econômica ou a ambas ao mesmo tempo, não possibilita uma reação capaz de derrotar o governo nesta primeira eleição. Embora a imagem do governo tenha sofrido arranhões, a esperança que prova entre as massas ainda é grande e alimentada pela mídia nazi-fascista comandada pelo órgão oficial do sistema: a rede Globo. Por outro lado, a própria miséria das massas e a pressão constante que fazem sobre a classe burguesa como um todo no país – violência, seqüestro, roubos, ocupação de terras, ocupação de prédios, manifestações, greves, etc. – são um fator objetivo da crise, que torna o governo ainda mais confiável e apoiado pela classe dominante (o medo de perder os dedos é terrível). Neste sentido, a oposição oligárquica só poderá obter vitórias em regiões de total domínio ou situações particulares, onde a conjuntura específica não tenha alternativa política às oligarquias, como parece sugerir cada vez mais a realidade no Rio de Janeiro. Este quadro é tão sintomático em todo o país que o PDT e o PFL já negociam abertamente uma aliança eleitoral.

Nestes termos, a tendência eleitoral parece se confirmar na decisão popular de substituir as oligarquias do poder central, deslocando-as agora do poder local e consolidando sua posição. Portanto, cabe aos comunistas revolucionários se perguntarem até que ponto sua interferência neste processo pode contribuir para a revolução ou não e de que forma. Em nosso caso, tendo em vista a estratégia que seguimos, que é dividir e isolar completamente as oligarquias, este processo contribui e contribui muito. Para nós, independente da crítica que temos sobre o governo Lula, não podemos perder de vista que na fase atual do processo político nossa tarefa é e continua ser dividir e isolar as oligarquias em todo o país, portanto, um objetivo geral que temos nestas eleições é buscar apoiar as forças locais que atendam nossos objetivos. Naturalmente, em situações especiais, onde todas as forças locais estejam atreladas às oligarquias, havendo apenas divisão de forma e não de fato, cabe participar denunciando o processo, através de candidato parlamentar e manifesto apresentando nossa plataforma em âmbito nacional e local, e na impossibilidade disto, boicotando e defendendo nossa plataforma revolucionária. É muito importante lançar candidatos da Plataforma Comunista onde seja possível, para denunciar o processo eleitoral burguês, a crise do capital e a política neoliberal do governo Lula, acumular forças e divulgar as idéias do socialismo científico.

Diante desta posição, a questão que se apresenta é: já que o processo eleitoral burguês caminha no sentido de consolidar o governo Lula, o PT e Cia, porque participar eleitoralmente do processo? À esta questão temos três argumentos: primeiro, não vivemos uma situação revolucionária na qual o problema da dualidade de poderes esteja colocado, situação vivida pela Rússia de 1905 entre os Soviets e a Duma; segundo, nós seguimos uma estratégia que é, nesta primeira fase, dividir e isolar as oligarquias, nestes termos apoiamos todas as forças e eventos que nos auxiliem nesta tarefa e não comprometam futuramente a segunda fase da mesma, que é se bater diretamente; terceiro, porque necessitamos acumular forças materiais e de uma conjuntura favorável para desencadear a segunda fase de nossa estratégia. A passagem de Lula, do PT e Cia pelo governo será uma experiência concreta vivida pelas massas que destruirão mitos e nos permitirá avançar para a luta direta pelo poder político real da sociedade e não pelo governo apenas. Sendo assim, insistimos uma vez mais a que todos passem diretamente a este debate, que procurem observar como as táticas políticas do governo Lula estão sendo implementadas, que forças podem nos ajudar na tarefa de isolar as oligarquias no local, até que ponto as forças ligadas ao governo podem ser “aliadas ou não”, quem e por quê. Um partido realmente de vanguarda está na frente dos acontecimentos e não na retaguarda, é momento de avançar: dividir e isolar as oligarquias, denunciar o processo eleitoral burguês, a crise do capital e a política neoliberal do governo Lula e dos governos locais, avançar no acúmulo de forças e propagandear as idéias da revolução: a Plataforma Comunista!

Todos à Luta! Avante Camaradas, é destes pequenos embates que prepararemos as condições para o embate final pela revolução! Abaixo o capitalismo e viva o Comunismo! Longa vida a Fidel e Cuba Socialista e abaixo a condenação dos Cinco revolucionários cubanos nos EUA! Kintê em casa, pequena vitória, estamos felizes! A luta continua!

Rio de Janeiro, 27 de janeiro de 2004

P. I. Bvilla P/ OC do PCML