Algumas considerações sobre o Governo Lula (II)
Começa a crescer no proletariado nacional e demais setores explorados no país, o sentimento de frustração com o governo Lula. O mesmo sentimento que moveu inicialmente a crítica de certos setores da intelectualidade; seja pela “exclusão” do governo, seja pela contrariedade de princípios (por este último compreendemos elementos subjetivos, de ordem ideológica ou doutrinária que estão em contradição irreconciliável com os do governo). Pois bem, este mesmo sentimento, agora se apodera de certas lideranças sindicais, que já sentem o cheiro do “peixe estragado”. E aqui também, da mesma forma que se manifestou nos intelectuais, este sentimento decorre dos dois fatores já enunciados: a exclusão dos círculos de decisão do governo e a contrariedade de princípios. É isto que explica as pesquisas que registram mais a queda da popularidade do governo e, sobretudo, a greve dos servidores públicos, e a manifestação da Força Sindical e a ruptura desta central sindical com o governo Lula, acusando-o das mesmas armações eleitorais tal qual foi acusado o ex-ministro da Saúde de FHC, José Serra, construção de dossiês e fatos falsos para chantagear os adversários, e da qual se sente vítima.
Não é possível mensurar o quanto de verdade está presente nos lados desta luta intestina do governo, que somente chega aos que estão de fora do processo por meio de defecções ou espasmos, contudo é possível desde já afirmar duas linhas gerais de onde derivam estas divergências: o núcleo ideológico, formado por várias correntes marxistas dentro do próprio partido do governo, o PT (Partido dos Trabalhadores), como são os casos da “Democracia Socialista”, “Força Socialista”, “Tendência Marxista”, “MST” e setores do PCdoB (Jandira Feghali, no Rio de Janeiro), e os fisiológicos do PL, PTB, PMDB e dentro do próprio PT, PSB, PDT, PPS, PCdoB, que ainda não é possível distinguir precisamente devido à máscara ideológica, mas que uma vez por outra vem à tona, como foram os casos da Ministra da Assistência Social Benedita da Silva (PT) e do Ministro dos Esportes Agnelo Rossi (PCdoB). Contudo, esta é a linha de frente e a origem de todas as divergências que tem chegado a todos e que dá a tônica de um futuro desmembramento e reformas ministeriais. A questão é: quem vencerá a pendenga, os ideológicos ou fisiológicos? Colocamos o problema desta forma porque entendemos que ele não mais que reflete a dualidade entre as massas e as oligarquias burguesas no país, se bem que é um reflexo invertido desta realidade, mas de qualquer forma um espaço onde se encontra o vestígio da real contradição que movimenta a todos nos dias atuais.
Naturalmente, não se desconhece a existência de grupos ideológicos fora do governo que se somam nesta batalha de forma pontual e programática; ideológicos que se somam à esquerda (PCML, PSTU, PCR, Liga e outros); e os que se somam à direita (PSDB, PFL, PPB). Contudo, a correlação de forças que se expressa no plano interno do governo é desfavorável à esquerda ideológica, como demonstra a fritura e isolamento de expressões parlamentares como a Senadora Heloísa Helena (AL) e agora o Senador Paulo Paim (RS). Deste modo, a luta que está para emergir com toda a força e por todos os poros da sociedade já há muito vem se esboçando na luta interna do governo Lula, e justamente nisto está sua diferença e seu avanço em relação ao governo FHC: enquanto Lula convive com a contradição principal da sociedade entre o capital e o trabalho, o povo versus as oligarquias, FHC não sofria este tipo de contradição, o que significava uma hegemonia total das oligarquias e sem vacilações, o que o fazia dar voltas em torno do próprio rabo e que o impediu de realizar completamente as reformas, que estavam apenas no âmbito da própria governabilidade e na oposição popular e da classe operária ao governo.
Portanto, com o governo Lula a própria luta de classes se manifesta diretamente no processo de governo, composição e medidas programáticas. Neste sentido, na medida que as tendências fisiológicas vão se impondo e levando-o a posições cabalísticas, na Reforma da Previdência, na Reforma Fiscal, na Reforma Trabalhista, sempre favorecendo aos patrões e ao capital financeiro internacional, mais internamente o governo tende a se depurar, expulsando ou repulsando os grupos ideológicos de esquerda e acomodando os grupos fisiológicos da direita. E assim não se pode rotular o governo Lula de um governo “Social-Democrata” ou de “Socialismo Democrático”; buscando situar melhor o caminho programático do Governo, chega-se ao liberalismo social, a la John Stuart Mills, que na contradição com o pai, tenta salvar pragmaticamente as teses do “utilitarismo” de Jeremias Bentham, admitindo que “se cada um têm o seu preço, então a mão invisível do mercado, não é tão invisível assim”, como se pode depreender do seu discurso “Sobre a Liberdade”; logo admite uma certa presença do Estado na educação, assistência social e etc. Claro que é um discurso escatológico, mas neste caso serve para definir os limites do governo Lula, e da força social do petismo e suas medidas revolucionárias contra miséria e a fome: “Bolsa família”, mais popularmente conhecida como a “Bolsa esmola”.
Por conseguinte, não é difícil entender que, se por um lado, internamente ao governo se fortalecem os setores fisiológicos, naturalmente sua tendência é realizar o programa de governo das oligarquias contra o povo (as reformas neoliberais), através do debate “democrático” no Congresso e de medidas não tão democráticas assim, como a escolha de Henrique Meirelles para presidência do Banco Central, a “independência” do mesmo entregando a política econômica às mãos do capital financeiro internacional. Por outro lado, quanto mais se firma o programa das oligarquias como o programa de governo de Lula, mais e mais cresce a insatisfação das massas e a decepção com o mesmo, e mais também o sentimento de que tudo não passa de um engodo. E justamente neste ponto, começa um outro processo que não pode passar desapercebido, ou seja, a sensibilidade de alguns grupos fisiológicos ou corruptos para detectar o real caráter do governo e usar os mecanismos de pressão de massas (greves, manifestações e etc), para atingirem objetivos na partilha do poder político ou para encobrir atos de corrupção, o que explica até certo ponto as manifestações lideradas pelo presidente arqui-pelego da Força Sindical, Paulinho “filho do Medeiros”, e agora, a greve dos metalúrgicos do ABC paulista liderada pela CUT, que está disputando em peleguismo com a FS. O governo Lula que se cuide, pois foi de uma situação como esta, na Rússia, em 1905, que teve início a insurreição (ou primeira revolução russa), com o episódio do “Domingo Sangrento”. É verdade que Paulinho nem as lideranças da CUT são padres, como Georgi Gapon, mas até onde eles estão longe do padre Marcelo Rossi?
Para nós do Partido Comunista Marxista-Leninista, à classe operária e massas exploradas no país, pouco importa o problema do sr. Paulinho com o governo Lula, o que nos interessa mesmo é que no último ano a renda do trabalhador caiu cerca de 14%, o desemprego aumentou em todo o país, e já atinge a mais de 2 milhões de trabalhadores somente na Grande São Paulo, enquanto a indústria cresceu 6%, portanto a greve por aumento de salário é mais que justa e necessária e deveria se espalhar por todos os trabalhadores do país para forçar o governo Lula a tomar uma posição realmente favorável à classe trabalhadora e contra os patrões, pois quem mais teria condições morais e apoio popular para tomar uma medida favorável aos trabalhadores, senão Lula? Quando nos tempos da Ditadura Militar o ex-ministro Delfim Neto vinha a público dizer que: “primeiro tem que fazer o bolo crescer, para depois reparti-lo", Lula, a CUT e toda a esquerda do país gargalhavam deste discurso embromador e sacana; agora, para espanto de todos, é o próprio presidente Lula que usa este argumento espúrio. Claro que alguns podem argumentar, em defesa do governo, que é cedo para exigir resultados, mas a pergunta é: cedo para quem? Na Alca o governo negocia melhores condições para a burguesia nacional e regional, nacionalmente impõe reformas neoliberais em benefício dos patrões e do capital financeiro internacional; esperar mais o quê: a “Bolsa Esmola”? Camaradas do Liberation, o próprio Lula sabe: “que a esmola quando dada a um homem que é são ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão” (José Dantas).
Todos na luta contra as reformas neoliberais!
Todos na luta por melhores salários e condições de trabalho!
Todos na luta contra o assistencialismo e o clientelismo no governo Lula!
Todos contra o oportunismo e a crítica de direita e fisiológica ao governo Lula!
Rio de Janeiro 31 de outubro de 2003
P. I. Bvilla / Pelo OC do PCML