Sobre as eleições burguesas e a Plataforma Comunista

Uma vez mais, o processo político nacional é tomado pelo espetáculo promovido pelas oligarquias burguesas. O filme tem o mesmo fundamento: a luta político-eleitoral entre os partidos que sustentam o atual governo neoliberal de FHC (PSDB, PFL e PMDB) pela sucessão presidencial. O episódio atual pouco difere daquele que precipitou, em termos políticos, a campanha eleitoral, ou seja, a luta pela presidência do Senado e do Congresso Nacional, que resultou na renúncia de Antônio Carlos Magalhães (PFL), José Roberto Arruda (PSDB) e, um pouco depois, do próprio Jader Barbalho (PMDB). Agora, os novos personagens são Roseane Sarney (PFL) e José Serra (PSDB), ambos candidatos à sucessão presidencial por seus partidos. Neste combate, como já se notou, as armas (meios e métodos) são as mesmas utilizadas nos processos anteriores, nomeadamente o “poder Judiciário”, para coagir, constranger, anular ou mesmo esmagar os adversários, destacando-se a figura do procurador público como agente fundamental desta ação política.

Claro que “é preciso separar o joio do trigo”. Mas, não se pode ir adiante nesta análise sem registrar as particularidades com que se apresenta o fenômeno geral na cena política atual. Uma delas é a ação do poder Judiciário, que tem jogado um papel excessivamente relevante no atual quadro. Talvez, o mesmo que jogam os meios de comunicação e os institutos de pesquisa de opinião, ou seja, o poder econômico. É a isto que a burguesia chama de “métodos democráticos e legais” de luta política, quer dizer: ação judicial, meios de comunicação e institutos de pesquisas; para, de um dia para outro, transformar uma candidatura em pó. É evidente que se tratando da luta entre as oligarquias burguesas, isto só acontece se o “fulano” em questão tiver “culpa no cartório” ou rabo preso a compromissos que lhe reivindiquem uma “ética especial” (de grupo político, econômico ou de Máfia): “o sacrifício em nome do grupo”. É evidente também que há espaço para uma “armação ou montagem”. Afinal temos “muitos especialistas” no assunto aqui no Brasil ou importados, e quanto maior o peso do mercado na sociedade, maior o peso das comunicações e do marketing. Portanto, imaginar um fato e torná-lo realidade através de uma montagem, ou trazer um fato até ontem encobertado, à público, como escândalo, é mais simples do que se imagina; historicamente, é parte da cultura da política burguesa mundial.

Quem observou a seqüência de fatos e como eles se desenvolveram, pode comprovar que a lógica é a seguinte: a) é feita a denúncia; b) o Ministério Público acolhe e abre um processo; c) os juízes fornecem os instrumentos legais para o trabalho, mandados de busca, apreensão, etc., inclusive com uso da força policial; d) a imprensa, quando é de interesse, acompanha os processos e torna-os públicos; e) o fato consumado é matizado pelos institutos de pesquisa, que aferem a cor da repercussão do acontecimento junto às massas. É um processo repetitivo, já que se trata da rotina tanto da “Justiça”, como da Imprensa burguesa. Mas o que não é rotina, ou até então não era, é a utilização da Justiça burguesa de forma tão ostensiva, como está ocorrendo agora. E tão pouco a imagem dos procuradores foi tão utilizada, como vemos na atualidade. Eles se transformaram numa espécie de “Intocáveis”, verdadeiros “Eliott Ness”; ora exaltados; ora execrados; ante a gangesteria do processo político burguês e suas manobras. E esta utilização tão ostensiva da Justiça para se atingir fins eleitoreiros acaba maculando a áurea de “imparcialidade” do poder Judiciário, ao ponto de gerar uma crescente repulsa às suas ações, neste momento. Tudo vai se parecendo aos “espetáculos de seqüestro”, armados pela Polícia, para encobrir fatos gravíssimos, que violam a ordem constitucional e o Estado de Direito.

As classes exploradas, em especial a classe operária assiste a tudo como telespectadora ou atua no papel coadjuvante como massa de manobra. Ela desconfia dos “fatos e das autoridades”, mas devido à sua situação de extrema miséria, absoluta opressão e total falta de direitos, espera sempre que surja um herói, não importa que seja anjo ou demônio, para salvá-la do martírio e do seu “vale de lágrimas”. É uma situação que chegou a ruborizar o Professor Jean Ziegler, representante da ONU e ex-colega de profissão de FHC, em Paris. Segundo declarações do Professor, a reforma agrária do governo é uma ficção, não funciona, mais de 25 milhões de brasileiros passam fome aguda e a ausência de políticas sociais é um fato. Agora, soma-se a isto a crise econômica, que se traduz em desemprego em massa, redução de salários e perda dos direitos sociais, além das privatizações dos serviços públicos, da infra-estrutura (Luz, Telefone, Transportes), Educação, Saúde e etc. Assim, forma-se um quadro de acúmulo de necessidades de justiça e igualdade das massas que se refletem no imaginário social e, dialeticamente, no contraditório entre o individual (limitado, injusto e pecador) e o coletivo (ilimitado, justo e perfeito), dando base aos personagens ou organizações sociais. São gemas fulgurantes, que surgem num dia e desaparecem no outro, rendendo-se à lei do capital, das oligarquias e no interior destas ao seu setor hegemônico.

E assim a conjuntura eleitoral vai cada vez mais desmistificando a fábula da autonomia dos poderes do Estado, trazendo à luz o poder real que está por trás do poder Executivo, Legislativo e Judiciário, ou seja, o poder da classe dominante; o poder econômico capitalista, a burguesia. É a partir dela que se pode entender o porquê das dissensões e consensos em torno do poder político. É a partir dela que se vai entender também que o fundamento do atual dissenso dos principais partidos que compõem a base do governo (PSDB, PFL e PMDB) resulta da quebra dos acordos políticos firmados nos processos eleitorais anteriores. Este foi o caso da crescente discordância do PFL, principalmente através das oligarquias do Nordeste, nomeadamente Antônio Carlos Magalhães. É claro que o fundamento desta discórdia se encontra na crise econômica em que mergulhou o país, puxada pela crise geral do capital na Ásia. Esta conjuntura favoreceu a FHC, por um lado, devido ao reformismo dominar o proletariado e não propor uma solução revolucionária à crise; e por outro, pela incapacidade técnica das oligarquias do Nordeste para sair da crise. Assim, FHC e Cia (PSDB) ficaram em condições de se reelegerem ao Governo Federal. Para isso bastava uma pouco de corrupção aos parlamentares da base aliada e até da oposição para aprovar a emenda da reeleição, e tudo certo.

Mas as denúncias da compra de votos para aprovar a emenda da reeleição e acordos se refletiriam em retumbante derrota do Governo FHC em Estados importantes politicamente no país (Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul). Com o resultado das eleições desfavorável ao partido do Governo e a manutenção dos seus redutos pelos partidos aliados, PMDB e PFL, muda a correlação de forças na base do governo e a luta se acirra entre estes dois setores para ver quem iria “influenciar” mais o governo. Para saber quem representa quem, basta ver onde está a força eleitoral de cada partido da base aliada: o PSDB tem seu principal reduto em São Paulo, logo é o partido que expressa o pensamento da oligarquia paulistana; o PMDB, Minas Gerais e Pernambuco; já o PFL, na Bahia e Maranhão. Com o aprofundamento da crise econômica, nacional e internacional, a necessidade do Governo Federal agir no interesse das oligarquias frente ao capital financeiro internacional (Mercosul versus ALCA) e responder às demandas sociais crescentes das massas (reforma agrária, desemprego e a miséria); a alternativa foi se aliar ao PMDB fisiológico de Jader Barbalho: assumir a presidência da Câmara dos Deputados Federais e entregar a presidência do Senado Federal e Congresso. Mas ao fazer isso rompeu com o acordo com o PFL, em especial ACM, que ao perder o filho tinha por objetivo permanecer na Presidência do Senado e do Congresso.

Aí está a raiz de toda a discórdia; a partir daí a seqüência de fatos se explicam por si só: ACM inicia campanha contra o Governo, denuncia as privatizações e Eduardo Jorge (Secretário de FHC) como responsável pela compra de votos para aprovar a emenda da reeleição, faz demagogia com a esquerda, lança a idéia do fundo contra a pobreza e do aumento do salário mínimo; finalmente joga pesado no caso do TRT de São Paulo, do Juiz Lalau e na cassação de Luís Estevão (PMDB). O governo se defende contra-atacando com a armação da violação do painel do Senado (o senador Roberto Arruda, líder do Governo, prepara a cilada da lista de votação e o “Tuninho Malvadeza” cai com um pato). Jader se aproveita da situação e leva adiante o processo de cassação de ACM e do senador Arruda (sacrificado em nome do Governo, FHC reconheceria sua coerência ética e serviços prestados publicamente). Mas, ACM renuncia e, através de um libelo, denuncia um apagão moral e econômico do governo e declara guerra. Vai aos meios de comunicação e aciona os meios legais contra Jader Barbalho, que acaba renunciando à presidência do Senado, entregando-a ao “Rábula do Pantanal”. O PMDB continua na presidência do Congresso e o PFL se prepara para lançar candidatura própria.

A aliança entre o PMDB e o governo, permeada o tempo inteiro pela ameaça de candidatura própria do primeiro (Itamar Franco), foi uma estratégia importante; com isto garantiu sua posição mais decisiva junto à sociedade neste processo eleitoral. Já o PFL descobriu este caminho muito tarde e parece que esqueceu as lições do tempo da Ditadura, quando o próprio governo era a Justiça e podia fazer o que quisesse sem “os tais procuradores”. Esqueceu também que quando se briga contra o governo num país capitalista não se está brigando apenas contra administradores, mas com o Estado, e quem briga contra o Estado, briga contra a classe dominante, da qual ironicamente o PFL é parte significativa. Mas aqui é sempre bom compreender que uma parte não é a totalidade da classe, embora possa refleti-la. Contudo, não basta refletir para ser, pois mais que a consciência, é preciso que uma convenção social ou acordo, ou mais precisamente, que uma relação social estabeleça de fato esta representação, cujo método, na sociedade burguesa, é o processo eleitoral burguês.

Mas entre uma coisa e outra, existem as alianças, a utilização dos instrumentos legais e do intelecto, coisas que não se apreendem de um dia para outro. Afinal quem se criou sobre o estado de exceção, comensurando o regime militar, como poderia hoje sustentar uma luta sobre novos métodos? Aqui todo o segredo das vantagens competitivas do PSDB sobre o PFL se resume a: enquanto um usa o procurador, o mandado judicial e a polícia; o outro usa o açoite, a polícia e a pistolagem; métodos “diferentes” para fins iguais: a opressão e exploração de classe ou a imposição da hegemonia sobre sua própria classe. Além disso, não enxergar que hoje em São Paulo está o cerne das oligarquias, que representam cerca de 40% do PIB do país, é insensatez pura. Daí, só se pode concluir que a única oposição ao Governo FHC, com possibilidade real de vitória, só poderia sair de uma dissidência que fosse capaz de subtrair esta representação do PSDB ou, como é o caso atual, uma oposição que expresse já não o consenso da classe dominante e suas oligarquias regionais, mas a classe que se desenvolve em imediata oposição de interesses à burguesia: o proletariado e demais setores explorados, como é o caso atual do PT e, até ontem, do PDT. Mas aqui não se pode perder as perspectivas que, como partidos reformistas, sociais-democratas ou nacionalistas, terão que enfrentar toda a estrutura e a máquina do poder do Estado. O que vale dizer: se preparar para as investidas e golpes de um poder cada vez mais técnico e sofisticado e extrair corretamente as lições para a luta de classes.

Nossa idéia é que as forças revolucionárias deveriam se unir através de uma Plataforma Comunista para a Sociedade Brasileira, através de seminários e formação de Comitês de Luta Contra o Neoliberalismo. O resultado deste processo de organização e construção de um Programa Revolucionário seria influenciar as posições da oposição reformista e abrir uma perspectiva para as massas de uma revolução direta, como método de chegar ao poder e transformar a sociedade. Mostrar que a idéia coletiva (totalidade, ilimitada e perfeita) sobre a individual (parte, limitada e imperfeita) pode se configurar numa relação de produção e social concretas: o modo de produção e de vida comunista. Só aí criaremos nossos heróis verdadeiros, ou seja, o próprio povo consciente e organizado, dirigindo sua própria história, rumo à igualdade, à justiça e à liberdade. É necessário refletir profundamente sobre este processo e relacioná-lo com a conjuntura mundial, sobre o espectro do bonde do terror imperialista. O Brasil pode ser um lugar digno de se viver e sonhar. Um lugar para todos que queiram transformar esta utopia em realidade!

Viva a Greve Nacional dos Trabalhadores!
Por uma Plataforma Comunista para o Brasil!
Viva o Partido Comunista Marxista-Leninista (Brasil)!
“Sonho que se sonha junto é realidade
!”

RJ, 20 de Março de 2002

P. I. Bvilla P/ Órgão Central do PCML