Um discurso para francês
Quem viu as imagens de FH discursando no parlamento francês e nossos eternos cobiçadores de pé, aos aplausos e vivas, certamente deduziu que o discurso pronunciado agradou muito a nossos cobiçadores. E mais, se não fosse a quantidade de madeira extraída da Amazônia ilegalmente, que pavimenta o Museu do Louvre, poderíamos até imaginar que eles são nossos aliados contra “a barbárie” dos que “impõem políticas unilaterais” para todos (EUA). Mas, entre a aparência e a essência das coisas, dizem os filósofos da práxis, “correm rios”, e estes nunca são os mesmos quando os adentramos mais uma vez. Assim, que ninguém se engane: os franceses aplaudiram o discurso de FH porque ele fez bem aos seus ouvidos e massageou seus egos, da forma mais “carinhosa” possível. Em linhas gerais, FH disse para um dos países mais protecionistas e imperialistas do mundo (subsídio à agricultura na França é uma questão de segurança nacional contra os EUA e o resto do mundo) que: “Se acreditamos no livre comércio, cabe ao Mercosul e à União Européia a adoção de medidas efetivas contra o protecionismo. Entretanto, o preço desta mudança não deveria ser pago apenas pela França, uma vez que outros países poderosos continuam a subsidiar fortemente seus produtos agrícolas”. Assim, até eu, se fosse francês, aplaudiria de pé e dava “vivas a FH!”; afinal, minha eterna cobiça veio ao meu parlamento e disse que meu protecionismo não é problema maior que o protecionismo do meu rival. Então: “Viva FHC!”; “Viva o Brasil!”; “Vive la France!”.
Mas, não é esta parte do discurso o mais ignóbil, o que é mais ultrajante é ele rechear o discurso de adjetivos e superlativos, numa aparente dialética, para extrair tautologias, vulgatas, tais como a importância do ideário da Revolução Francesa (enciclopedista) para o movimento republicano brasileiro, citar o Brasil da “Belle Époque”, os intelectuais franceses da Antropologia e da Sociologia Estrutural, a “neura” de Tocqueville no espírito francês, entre detratores da URSS, liberais-facistas, e quânticos da Filosofia; para concluir de tudo isto que: “ França e Brasil, partilharem valor tão essencial como o pluralismo é digno de louvor em qualquer circunstância. Mas isto assume relevância especial na conjuntura em que vivemos”. FH podia ter ido direto ao ponto e dizer que estava ali para tentar exportar produtos agrícolas para França e União Européia, pois falar em nome do Mercosul, na atual conjuntura, é exagero: Argentina está entregue aos EUA; Uruguai idem; Paraguai é terra de ninguém, tudo lá é “mercado livre mesmo” (Ciudad del Leste que o diga). Em suma, sobram os latifundiários brasileiros. O Brasil amanhã, como a Argentina hoje, têm que fazer uma conta de chegada com o FMI e Banco Mundial, e para honrar seu compromisso com as oligarquias financeiras dos EUA, França, Alemanha, Inglaterra e etc.; é necessário superávit, mesmo primário, em sua balança comercial; e sem exportações isto é impossível. A dívida do Brasil é duas vezes maior que a da Argentina, ou seja, cerca de US$ 260 bilhões de dólares.
Fernandinho desconversou e tergiversou muito, ao invés de insistir no ponto, ou seja, negociar uma pauta de importações e exportações para a França, negociando tarifas e subsídios; preferiu um discurso geral sobre a crise internacional, tomando por premissa as idéias da vulgata comum pós-ataque do dia 11 de setembro nos EUA, entre estas, as aberrações de Bush, “do Bem versus o Mal”; e a pérola de Berlusconi, “do conflito entre civilização ocidental superior e a muçulmana inferior”. Traçou um paralelo entre a guerra irregular, que chama de “terrorismo”, com “protecionismo econômico”; “barbárie” e irracionalismo, com “imposição de políticas unilaterais”. Tudo isso para concluir as teses como a “racionalidade e o diálogo prevalecer sobre o irracionalismo e a violência”, a “soberania dos Estados Nacionais e autodeterminação dos povos”, para o caso da Palestina, como se realizou para Israel, em 1948, criando-se um Estado autônomo e etc.; e em temos gerais, uma ordem mundial onde um mercado não se imponha sobre outro (ou seja sem concorrência) e um Estado não se sobreponha ao outro (sem imperialismo), preservando a natureza (tratado de Kyoto) e anticrise com a intervenção do Estado na economia, sem cercear as liberdades civis, taxando a livre circulação do capital financeiro (protecionismo – taxa Tobin – com fins humanitários) e perdoando as dívidas dos países pobres (África, América Latina, etc...). Enfim, tudo o que um governo social-democrata gostaria de ouvir: “Liberté, Igualité, Fraternité”, como a ‘linha Maginot’; e exploração e opressão capitalista de fato! Foi um discurso para francês ver, como se diz por aqui.
É por essas e outras que Althusser afirmou que a França no século XX viveu a mais profunda obscuridade intelectual, e o comprovou muito bem todo este dilema o “existencialismo” de Sartre e a passagem do marxismo ao islamismo de Roger Garaudy, a propósito da quântica na Física. A França foi o império que não pode continuar sendo, pois quando realizou seu sonho imperial, com Napoleão, já havia gestado contradições para sua derrocada, como disse Marx, no 18 Brumário de Luiz Bonaparte, “a França, mais que em qualquer outro país, foi onde as lutas de classes se revelaram por inteiro como lei dinâmica da história”; a expansão da revolução contra a nobreza feudal, levou a luta de classes do proletariado contra a burguesia para toda a Europa. A burguesia francesa, como vanguarda do pensamento republicano, teve que se contentar o tempo todo com a segunda posição no mundo do capital, em relação à Inglaterra, e brigar desesperadamente, durante todo o século XIX contra a Prússia (hoje Alemanha) para não cair e perder suas posições coloniais na África, Ásia e América Latina. Após a guerra franco-prussiana (1870-1871), não teve jeito, passou a um papel menor na cena mundial. Durante o século XX, quando a crise do capital, em escala mundial, se abateu sobre o mundo, as I e II Guerras Mundiais reduziram sua contribuição à mesma importância da sua “linha Maginot” na II Guerra (uma falácia); ora nas mãos da Alemanha, ora nas mãos da Inglaterra, Rússia e EUA. Em síntese, a França do século XIX e XX se restringe ao laboratório da luta de classe: o episódio do massacre da Comuna de Paris pelas tropas de Versalles e no apoio à contra-revolução na URSS, demonstraram este fato.
Mas o Brasil também não fica atrás, em termos de peso político dentro da geopolítica mundial e a importância do discurso de FH, neste sentido, é nenhuma. Ele não é capaz de avançar numa oposição de fato ao centro do Império mundial, os EUA. Suas críticas e palavras açucaradas à França, neste momento, não são nada mais que uma tentativa de se fortalecer perante as negociações sobre a ALCA, que já fez questão de dizer de público que aceita sua efetivação sem reservas. Tudo que FH faz agora é um registro histórico para não ter que se explicar, em breve, diante do caos do país e da entrega que fez do Mercosul aos EUA. Aliás, o discurso do Brasil, na atual conjuntura, ficou igual ao da Argentina: um zero a esquerda. É como num trailler de um filme de terror, em que todos sabem quem será a próxima vítima, mas o autor, para fazer suspense ainda maior, muda a seqüência dos acontecimentos para prender a atenção do público. Quem não sabia que após as medidas adotadas por FHC durante a “Crise na Ásia”, que levaram à adoção da flutuação cambial no Brasil, provocariam a bancarrota de toda a América Latina? Só quem não sabia era quem não enxergava que a situação era AL ou EUA. E que neste caso, tanto a Argentina, como o Mercosul, seriam candidatos imbatíveis à bancarrota econômica. Mas o pior de tudo isto é que a crise nos EUA continuará a se intensificar e independente dos desdobramentos que tome a guerra contra o Afeganistão, tudo se inclinará mais rapidamente ou mais vagarosamente para a bancarrota do país. O Brasil de hoje é a Argentina de ontem e a Argentina de hoje é o Brasil de amanhã.
No entanto, o que dói mais mesmo é que FH não tem dinheiro para pagar os salários atrasados dos professores e servidores das Universidades Federais do Brasil, enquanto verbera elogios aos intelectuais e Universidades francesas mantidas a peso de ouro. E pior que isso, condena e classifica o protecionismo à condição de barbárie, enquanto o Congresso Nacional perdoa a dívida dos latifundiários e subsidia a exploração agrícola sobre os trabalhadores rurais e sem-terra, com somas vultuosas a serem pagas pelos mesmos trabalhadores a quem nega aumento de salários. Reclama a presença do Estado sem comprimir as liberdades civis, mas mantém um ministro da Educação que exige que os direitos conquistados pelos trabalhadores, mesmo na Justiça, sejam atropelados. Finalmente, faz um discurso social-democrata sobre o Estado num país onde a redução da jornada de trabalho e defesa de leis trabalhistas, para proteger os trabalhadores do mercado, são base da campanha eleitoral do partido socialista, do primeiro ministro, Leonel Jospin; quando no Brasil, o supra sumo da legislação trabalhista é reduzir direitos e retroagir à idade onde a mortalidade (queda vegetativa da população trabalhadora) era o termômetro das rebeliões cartistas ou sublevações revolucionárias: Domingo Sangrento, na Rússia.
Que hipocrisia, que distância dos valores universais dos enciclopedistas: “Liberté, Igualité, Fraternité!” Naquele tempo, como agora, tudo fica em torno da “Le humanité bourgoiese”. Enquanto isso, mais de 34 mil crianças morrem de fome todos os dias no mundo, que FH só conhece pela incapacidade de pagar suas dívidas externas; no Afeganistão, com a guerra assassina dos EUA, cerca de 7,5 milhões de pessoas estão condenadas à morte neste inverno. E nenhuma palavra no discurso. Tudo não passa de “Vive la France!”.
Abaixo a farsa social-democrata de FHC!
Abaixo o imperialismo!
Viva a Revolução Proletária!
Viva o Partido Comunista Marxista-Leninista!
Rio de Janeiro, 31 de outubro de 2001
P.I. Bvilla pelo OC do PCML