Quem planta vento colhe tempestade, ou os pés de barro dos EUA
É trágica, dramática e sem precedentes a forma com que o povo americano e demais admiradores ou opositores do seu sistema, no mundo, passam a tomar consciência da fragilidade dos EUA. A ação militar que derrubou as duas torres do World Trade Center e uma parte do Pentágono, mais do que atingir os símbolos do poder - capital financeiro e inteligência militar - atingiu a alma mesmo dos americanos mostrando o quanto ela é vulnerável e mortal como qualquer outra no planeta. Os americanos de hoje em diante, passarão a conviver com um trauma nas mesmas proporções do bombardeio de Pearl Harbour, durante a II Guerra Mundial.
Diante deste acontecimento, a questão colocada é, de que adianta o escudo antimíssil dos EUA se numa guerra irregular não é necessário um único míssil para destruir instalações do Pentágono ou centros financeiros? De que vale todo o aparato tecnológico, raios laser, infravermelho, satélites, bomba de nêutron e um exército numeroso e treinado para batalhas no ar, no mar e na terra ou até munição de urânio empobrecido; se basta menos de 20 homens, "facas e estiletes", para transformar uma aeronave comercial em míssil e dirigi-la contra alvos a sua escolha? Imaginem agora se os alvos fossem uma base nuclear ou usina atômica, ou ainda as instalações da NASA? Sem dúvida, a surpresa e a ousadia da ação foram armas fatais no tipo de operação. Muitos diante do acontecimento exclamaram: "A vida imita a arte", tentando reduzir a complexidade do evento a um epíteto ou a uma frase feita. Mas isto soou complemente falso, pois toda a vez que a vida imita a arte, a farsa acaba em tragédia e a divina comédia humana prossegue seu curso histórico. Na vida real, a situação é inversa, nela é a arte que imita a vida e já não há heróis e vilões, mas ações.
Entretanto, mais que divagar sobre a idiossincrasia humana, o que vale aqui é entender o porquê de tudo isto, qual o sentido deste acontecimento e que lições se pode extrair deles? Para nós que já há algum tempo vínhamos defendendo a tese de que a crise geral do sistema se inclinava perigosamente para um saída guerreira, situar o papel deste evento neste quadro não constitui um exercício muito complexo; afinal, não temos que começar do zero. Como todos sabem, há menos de um mês, tendo em vista o agravamento da Crise Geral do Sistema Capitalista e suas implicações sociais e políticas, afirmávamos:
"A intensificação da crise geral do capitalismo no mundo tem elevado a tensão nas relações internacionais e internas de todos os países, principalmente, daqueles que subsistem sob o regime capitalista. E sobre estas tensões, o fantasma da III Guerra Mundial ameaça, como a espada de Demócles, a cabeça de todos. Observa-se empiricamente este fato através da escalada de guerras imperialistas na Europa, Ásia, África e América Latina (de secessões e recolonização). A lista dos países em conflitos bélicos é imensa, basta ver os boletins da ONU e da OTAN. Mas, não tão somente pelas guerras de baixa e média intensidade, pode-se ter uma idéia da real dimensão da atual crise geral do capital e seus desdobramentos, igualmente também se pode inferir este fato das propostas que vão surgindo em resposta às contradições dos países imperialistas na cena histórica atual: tanto no plano econômico - a crise cíclica do capital (estagnação, recessão e depressão) na Alemanha, Japão e EUA - ; quanto no plano político - o desacordo sobre o Tratado de Kyoto e o Plano Antimíssil Global, aos quais se agregam o Plano de Aliança Militar Independente da Europa e o "Plano Colômbia". O desacordo sobre estas propostas projetam uma crise política realmente global que, para além do episódio de apreensão pela China do avião espião americano e do histórico confronto comunismo versus capitalismo, indica a tendência quase inevitável de uma III Guerra mundial entre as potências capitalistas." (In A Crise Geral do Capitalismo, a estratégia Global dos EUA e o Brasil, Inverta no. 293, p.5)
Neste sentido, já era esperado um evento de grande magnitude, como desdobramento natural deste processo. Assim, a questão agora é saber até que ponto este acontecimento representa este desdobramento? Ora, não é novidade compreender "a Guerra como política por outros meios", como disse Clausewitz; além disso, também não é novidade alguma entender que a crise econômica se converte em crise política, portanto é plausível concluir que este acontecimento indica a clara passagem da crise econômica mundial à crise política, mas não a política eleitoral ou diplomática, mas e sobretudo a "política por outros meios": a Guerra. Neste caso, uma distinção se deve fazer ao considerar o ataque às torres do World Trade Center e ao Pentágono, um ato de guerra e não mais um atentado terrorista; ou seja, a distinção do tipo de Guerra, pois imaginá-la como mais um conflito de média intensidade, como foi o caso da Guerra do Golfo ou dos Balcãs, é o mesmo que reduzir a imaginação estratégica a regras e éticas que mais se conformam com uma boa partida de xadrez, mas nunca uma guerra entre homens. Aqui pensar o cerco e aniquilamento como desfecho natural de uma estratégia para uma vitória incontestável na guerra, foge à idéia de um bando de fanáticos ou índios, acuados, levantando as mãos para os céus e implorando pela intervenção divina para salvá-los da fúria dos inimigos. A guerra envolve massas; um Vietnã urbano. E neste particular, de nada valem as táticas e estratégias convencionais; e quanto mais poderosa a nação, como é o caso dos EUA, mas frágil ela se torna neste tipo de guerra. A questão é, como os EUA podem destruir os próprios EUA? Vejam as armas usadas no ataque ao WTC e ao Pentágono, eram os próprios aviões dos EUA. Imagine se ao invés do WTC eles fossem dirigidos contra as instalações nucleares?
Assim, se tratando de uma Guerra, mas não de uma Guerra convencional, contudo uma guerra que também passará pelo convencional, resta saber por que ela é quase inevitável? Por que este ato poderá se constituir, realmente num caminho sem volta para mais um hecatombe humano? Aqui a questão já se coloca dentro de um quadro geral mais amplo que o do limitado pensamento estratégico, ante as possíveis modalidades de guerra na atualidade; aqui o problema é derivar de um quadro complexo do desenvolvimento capitalista, esta quase inexorabilidade da guerra como saída para crise do capital. Neste aspecto, vale lembrar que, um dia antes do atentado, as bolsas de valores em todo mundo caíram e a Argentina pediu moratória ao FMI; esta última instituição vinha a público afirmar que mais uma vez suas projeções para a economia mundial estavam furadas e que já não era mais o crescimento de 3,2% do PIB mundial, mas 2,7%, e assim de uma previsão de crescimento acima de 5%, hoje o mundo caminha para estagnação. A idéia de recessão já é lugar comum e, nos EUA, este processo se acentua dramaticamente devido ao seu padrão industrial, onde a indústria automotriz tem peso significativo, na medida em que sua economia também tem igual peso na economia mundial.
Esta nuança que fazemos ao padrão industrial americano é importante porque ele explica, em linhas gerais, a crise estrutural do sistema presente na crise geral atual; e como já enunciamos anteriormente, trata-se da aplicação de Marx, em "O capital", no qual demonstra a tendência histórica da substituição do homem pela máquina; fato que se acentuou indiscutivelmente nas últimas décadas de aplicação da revolução científico-técnica, desenvolvida na Guerra-Fria (corrida aeroespacial, robótica, cibernética e química fina) ao processo de produção multiplicando a capacidade produtiva, a redução da força de trabalho pelo emprego de tecnologia, e os mercados monopolizados e oligopolizados em escala mundial, global - globalização. Todo este processo se acentuou drasticamente nas três últimas décadas de aplicação das políticas neoliberais e chegou ao paroxismo com a queda da URSS e do campo socialista do leste. Trabalhadores sem proteção e desorganizados; foi o suficiente para avançar o processo de substituição acelerada do homem pela máquina. Mas se isto acarretou a substituição do homem pela máquina, isto é, da força muscular pela força automotriz, etc.; por outro lado, exigiu cada vez mais fontes de energia natural para acionar a força motriz e o trabalho intelectual para criar as forças de emprego da energia natural (combustível, hídrica, termo, nuclear, solar, eólica, etc.) no processo de produção e de infra-estrutura social. Daí o problema dos países capitalistas desenvolvidos e imperialistas, quanto maior seu desenvolvimento tecnológico (sua composição orgânica de capital), mais dependente ele é das fontes de energia, tanto as tradicionais como as modernas.
Portanto, é deste fato que deriva a inevitabilidade do conflito entre as grandes potências e os países dependentes por fonte de energias, tanto tradicionais como as alternativas; no caso dos EUA e dos países que copiaram seu modelo, esta corrida desesperada por estas fontes de matérias-primas é vital. Por isso, não se pode esperar outra coisa dos EUA que sua postura em relação ao Oriente Médio, já que o cartel da OPEP, erguido pelos países na região coibiram o lucro direto das Sete Irmãs e transformaram a dependência americana de petróleo em uma arma letal a sua economia. Foi isto que aconteceu com a primeira crise energética em 1973; e depois, nos anos 80. Claro que todo este processo indica quase como natural que o conflito geral inicie por aí; as guerras contra o Iraque foram um forte prenúncio disso; mas o mesmo se deu recentemente nos Balcãs; e na Palestina, parece uma ferida dura de sarar. Agora, para piorar a situação, o próprio quintal dos EUA, Venezuela, Colômbia, Brasil e etc., parece ter chegado ao limite de suas forças para continuar a sustentar a sede de mercados e matérias-primas dos EUA a custos impensáveis. A Venezuela com Hugo Chávez deu um novo grito de independência; a Colômbia já não é capaz de agir como antes, devido ao crescimento estupendo da guerrilha das FARC-EP e do ELN. Mas não é só por aqui que as coisas estão feias, também na África negra crescem os conflitos e mesmo diante de golpes como o da Nigéria, patrocinado pelas Sete Irmãs, as dificuldades se acentuam; na Ásia então, a situação ainda é mais grave; aos poucos o Japão vai afundando e a China se alçando por sobre tudo e dividindo os Tigres. Mas não pára nisso. Ali também estão o Afeganistão, o Paquistão, a Índia que, a exemplo da Indonésia, necessitam chegar a algum porto.
E assim um mundo cruel, talhado pela Guerra-Fria e aparentemente conquistado pelo maior império do mundo, se tornou um inimigo invisível, sem rosto, que assombra a tudo e a todos. Das batalhas contra os campeões da "democracia", o G-8, até os atos de guerras como os que vivem os EUA neste momento. Neste mundo, os aliados de ontem, como foi o caso de Saddan Hussein, Osama Bin-Laden e o Talibã; Shuarto, Pinochet, Fujimori, Noriega, ou mesmo os reformistas e traidores da antiga URSS, Polônia, Iugoslávia, Tchecoslováquia, Romênia e etc., podem se converter nos inimigos de hoje. Veja o caso do Avião da Egypt-air, que explodiu em pleno vôo! Deste modo, uma primeira evidência surge desta guerra: o inimigo parece sem rosto, e qualquer retaliação ou ataque poderá ser sobre o alvo errado e não resolver nada. Se duvidar, basta perguntar quem poderia ter motivos para executar um ato como este contra os EUA? A lista de respostas seria enorme, desde Estados formais, até estados dentro de estados. Será que os iraquianos não teriam motivo, ou os palestinos, iranianos, iugoslavos, romenos, chineses, talibãs, os panamenhos de Noriega, os fujimoristas, os narcotraficantes do exército colombiano, os porto-riquenhos ou até mesmo o "exército vermelho" do Japão? O problema do império é não saber quem dos oprimidos se levantará contra a opressão, nem de onde virá a ação. Quem sabe, dos próprios bairros pobres dos EUA, dos negros, devido a sua desfaçatez em não reconhecer que se beneficiou do tráfico de escravos e inclusive desenvolveu criação para venda? Quem sabe, tudo não tenha partido das próprias forças de direita ou de Israel para fazer com que os EUA se posicionem de vez ao seu lado e usem sua força para legalizar o massacre de Ariel Sharon contra os palestinos, como fez em Sabra e Chatila?
Os EUA, o FBI, a CIA, o Pentágono, ninguém sabe. E neste sentido, a única coisa que se pode dizer é que no centro de tudo está a crise do capital, e seja como instrumento para forçar uma saída belicosa para crise, seja como indicação de que o processo da crise transitou para o terreno político, a resposta é sempre a crise e a guerra. Neste contexto, vale a pena lembrar que toda caçada sem rosto só desencadeia um ódio maior aos poderosos, pois entre culpados e inocentes é difícil a distinção quando todos estão numa mesma classe social ou condição social e por maior precisão cirúrgica dos instrumentos de guerras, sempre ao lado disso, existem os efeitos colaterais (quer dizer, a morte de pessoas inocentes). Foi assim que se espalhou a guerrilha na China, Coréia, Cuba e Vietnã, se transformando em guerra popular prolongada. A cada repressão, mais e mais homens, mulheres e jovens comuns se transformavam em revolucionários, guerrilheiros e soldados revolucionários. Não foi diferente com a revolução islâmica, contra o Xá da Pérsia, nem na Argélia, Afeganistão e agora na Colômbia e em Chiapas. Mas a questão fundamental agora é pensar este processo nos centros metropolitanos dos EUA e outros países imperialistas; uma guerra de massas, onde o cenário não é a casa do inimigo, mas sua própria casa; onde a arma que enfrenta não é a arma do inimigo, mas suas próprias armas nas mãos dos inimigos. E agora império, a água começa a molhar seus pés de barro!
O povo americano, como durante Pearl Habour, sofreu o trauma na vulnerabilidade; como na guerra do Vietnã sofreu com a contagem dos seus mortos; neste momento mais que arte, a vida real é cruel e insensível às idiossincrasias humanas. É como diz aquele filme sobre a revolução nicaragüense contra Anastácio Somoza: "se soubéssemos que a morte de um americano mudaria o curso da guerra e resolveria o problema dos nicaragüenses, teríamos poupado 30 anos de mortes, assassinatos e torturas, opressão, fome e miséria ao nosso povo". Será esta a sina do povo norte-americano? Aprender que seu sistema é cruel para milhares e milhões, e que não se pode ser feliz espezinhando e subjugando a felicidade dos outros. Isto é ridículo para um país que se intitulou campeão da democracia, pois sua lição número um é: "minha liberdade termina quando começa a liberdade do outro".
Abaixo o imperialismo dos EUA!
Abaixo toda a opressão imperial!
Abaixo o Plano Colômbia!
E viva a paz Mundial!
Rio de Janeiro, 13 de setembro de 2001.
P. I. Bvilla pelo OC do PCML