Crise global, Brasil e o FMI
Desde a queda na Bolsa de Valores, em Hong Kong, em 24 de outubro de 1997, que marcou a emergência da Crise do Capital, observa-se o agigantamento deste fenômeno em todo o mundo, e com ele uma certa banalização do seu significado e importância histórica. A tendência quase sempre dos “douto-economistas” de plantão é abordar ou buscar uma explicação racional ou irracional para o fenômeno a partir de uma ótica particular nacional ou no máximo regional, como por exemplo: “Crise da Ásia”; “Crise do Japão”; “Crise da Rússia”; “Crise do Brasil”; “Crise do México”; “Crise da Argentina” e agora “Crise dos EUA”; e assim por diante. Claro está que o problema desta abordagem é a unilateralidade na análise levando sempre a diagnósticos e prognósticos incorretos sobre as causas e o desenvolvimento da crise. Além disso, a abordagem particularizada esconde o essencial do processo, já que não permite visualizar o nexo entre as crises dos diversos países e nem entender porque elas são quase que inexoráveis neste quadro histórico do desenvolvimento declinante do modo de produção capitalista.
Mas, se de modo geral a tendência dos “douto-economistas” é de particularizar a crise, ou mesmo setorizar: crise cambial, crise na balança de pagamentos, crise na indústria, etc.; na outra ponta, a dos governantes, a explicação para as crises é sempre apresentada como o “resultado inexorável da Globalização”; “a massa de capital volátil”; “especulação contra a moeda”; “um problema do outro país e sem saída para ele (o que fazer diante da crise da Argentina?)”; isto é, elevam o fenômeno da Crise do Capital à categoria ideológica do fetiche para esconder sua responsabilidade e falcatruas no processo. É como se a economia nacional fosse vítima das outras e digna da compaixão de toda a população, em particular a classe operária e trabalhadores em geral, já que os banqueiros e homens de negócios pouco se importam se o país vai à bancarrota ou a uma ditadura militar ou oligárquica sangrenta, o que eles querem é receber o que consideram seus “lucros ou juros”. E é neste recurso maniqueísta que toda inteligência dos “doutos” do capital se concentram: ora particularizando, ora generalizando, e sempre aplicando a máxima de Goebbels para seus diagnósticos e prognósticos.
Vejam agora mesmo a situação mundial, o Brasil e a Argentina dentro desta conjuntura. Quem analisa a economia mundial pelo ângulo das transformações no modo de produção capitalista verá seguramente que os seus três pólos - Japão, Alemanha e EUA - estão mergulhados num impasse profundo entre o desenvolvimento das forças produtivas e as relações de produção, ou seja, o movimento desigual e por saltos das transformações no aparelho produtivo capitalista (tecnologia, métodos de trabalho e força de trabalho) estão em contradição com as relações de produção e demais relações sociais. E aí está, em linhas gerais, todo o descompasso que revela o impasse e incompatibilidade entre estas duas determinantes do modo de produção capitalista. A questão aqui é, até determinado ponto, simples de compreender, pois se no setor industrial o impacto da introdução de novas tecnologias (novas máquinas, equipamentos e métodos e técnicas de trabalho) produziram a redução da força de trabalho e o aumento da produtividade, logo da produção, é de se esperar também que as relações de propriedade tenham avançado cada vez mais num sentido monopolista e oligopolista. Pois não existe introdução ou aplicação de novas tecnologias e métodos de trabalho sem o pressuposto da acumulação, que quer dizer em tese: lucros para os burgueses. Mas se isso é verdadeiro, não menos verdadeiro é a máxima que quanto mais avança o emprego da máquina e o desemprego dos homens, mais no mercado se reduz a demanda efetiva (consumo das massas), crescendo em contrapartida gigantescamente a carência geral das massas. Afinal, esta é a Lei Geral da Acumulação Capitalista, como formulou Marx em “O Capital”. Derivar deste processo real as teorias do ciclo do capitalista nos parece uma conseqüência lógica e cientificamente comprovada.
Claro que não se pode desprezar o impacto das novas tecnologias tanto no comércio mundial (velocidade das trocas e circulação das mercadorias) como no crescimento dos meios de troca e pagamentos que a velocidade do comércio mundial exige. Ora o avanço da tecnologia das comunicações com a fibra ótica, os protocolos TCP IP, o comércio eletrônico, não somente aceleram o ritmo das trocas no mundo como exigiram um maior volume dos meios de trocas e pagamentos (papel moeda, cartões de crédito, ações e demais meios daí derivados) ampliando a massa monetária a gigabytes no mundo. Ao par disso elevou o jogo das bolsas de valores à categoria de jogos do stargates, globalizando suas conseqüências; os mercados encurtaram suas distâncias e os transportes aéreos, terrestres e marítimos foram pouco a pouco se convertendo num gargalo histórico à “pronta entrega”, pois sobre estes as energias combustíveis cobram sua renovação constante e fontes de matérias-primas inesgotáveis. Assim a equação econômica capitalista mundial parece se encaminhar para um único ponto: substitua o homem pela máquina que os custos de produção inviabilizarão a própria produção capitalista; e quanto mais se multiplicarem os peixes, o pão e o vinho no mercado, mais a demanda das bocas famintas diminuem e fora dele se multiplicam por milhares de milhões; desemprego, emigrações, fome, miséria e violência se tornam lugar comum e fenômenos globais do capitalismo.
Vê-se assim que, diante deste fenômeno geral do modo de produção capitalista, realmente, como dizem os governos atingidos pela crise geral do capital, não há como fugir desta, é uma situação realmente inexorável. Entretanto, antes de aceitarmos totalmente esta explicação para a crise tanto do Brasil como da Argentina, que são as mais atuais, pergunta-se: por que alguns países são mais atingidos que outros na crise? Ou ainda, seria assim também se os países vivessem sobre outro modo de produção? Sem dúvida, aqui reside o xis do problema, já que é na diferenciação das crises e na busca de um governo do sistema em manter a credibilidade de sua economia que aparece a responsabilidade das classes dominantes e seus asseclas na condução do sistema. Neste particular a questão econômica já não está no fatalismo divino ou no determinismo histórico, mas sempre na habilidade deste ou daquele governante em aplicar a política econômica oficial em suas distintas variantes. Aqui sempre são ressaltados os fundamentos econômicos de cada país, as vantagens de sua política econômica e etc. Foi assim quando ocorreu a primeira manifestação da Crise Geral do Capital no México (Crise Tequila). Naquela ocasião tanto um como o outro país destacavam sua diferenças com o México. Depois veio a manifestação da Crise na Ásia, com a queda da bolsa de Hong Kong, e o debacle geral da Indonésia, Coréia do Sul, Malásia, sem falar no Japão já em crise desde 1992; prosseguindo o processo, veio a Crise na Rússia; logo em seguida o Brasil; e agora a Argentina.
Diante desta conjuntura, parece que toda vez que um país tentou se desvincular da crise de um outro, acabou por se desmoralizar caindo numa crise de igual proporção ou ainda maior. Quem não se lembra do Sr.Cavallo a sorrir diante da crise do Brasil há alguns anos? E agora chora lágrimas de sangue, e embora diga que o que acontece na Argentina seja culpa do Brasil, vingança dos especuladores brasileiros, com certa razão, não é menos ridículo que os governantes brasileiros durante a crise do Real acusando o capital especulativo pela crise. Agora se observa as oligarquias governantes no Brasil, pela milésima vez, repetirem a mesma ladainha de que hoje somos mais imunes às crises, e em particular à crise da Argentina, do que ontem e que o empréstimo do FMI de U$ 15 bilhões de dólares ao Brasil é prova de que a economia do país está saudável, ao contrário do que acontece com a Argentina que continua a perambular pela salas e ante-salas do FED, BIRD e FMI a implorar migalhas. Quem cair mais uma vez nesta conversa que se prepare para o tombo, a verdade é que no Brasil os investimentos declinaram pela metade e não foi por causa da crise energética não, mas por uma retração geral dos investimentos no mundo devido à crise geral do capital, que se agudiza tanto nos EUA, como no Japão e na Alemanha. O crescimento econômico dos EUA está próximo de 0%; da Alemanha é insignificante, entre 1 e 2%, e do Japão é de 0,2%. O mundo inteiro, capitalista, caminha para uma grande depressão e desta situação parece que não há como escapar.
Contudo há sempre os que dizem que podem enfrentar “O Mar em Fúria”; entendemos a necessidade da classe burguesa agir desta forma, mas não porque o proletariado se deixa conduzir por estes farsantes. O mundo capitalista está podre e basta um pontapé da classe operária para pôr abaixo todo o sistema de opressão e mentiras. Entretanto, não é muito complexo perceber como se cria uma máscara social para encobrir a verdadeira cara da fera e ludibriar o povo, pois se o emprego das inovações tecnológicas se aplicou ao setor de serviços, em particular às comunicações, não se pode desprezar o poder que estas tecnologias exercem na multiplicação e difusão das idéias, bem como sua capacidade de massificar certas idéias. Sobre o aparelho ideológico e de propaganda do sistema capitalista repousa a responsabilidade da idiotização das massas através da banalização dos fenômenos sociais que tomam lugar no processo histórico do capitalismo. Neste particular, é sempre bom lembrar Marx em “O Capital”, quando afirma:
“Ao lado disso, entretanto, uma enorme quantidade dessas letras representa negócios meramente fraudulentos que agora vêm à luz do dia e estouram; além de especulações feitas com o capital alheio, mas fracassadas; e, finalmente, capitais-mercadorias desvalorizados ou até invendáveis ou refluxos que jamais podem entrar. Todo esse sistema artificial de expansão forçada do processo de reprodução não pode naturalmente ser curado pelo fato de um banco, por exemplo, o Banco da Inglaterra, dar a todos os caloteiros, em seu papel, o capital que lhes falta e comprar todas as mercadorias desvalorizadas a seus antigos valores nominais.”
(...) A queda da Inglaterra, encaminhada e acompanhada pela drenagem de ouro, salda o balanço de pagamentos da Inglaterra, em parte pela bancarrota de seus importadores (...), em parte pela expulsão de uma parcela de seu capital-mercadoria a preços baixos ao exterior, em parte pela venda de títulos estrangeiros, a compra de títulos ingleses, etc. Chega então a vez de outro país. O balanço de pagamentos lhe era momentaneamente favorável, mas agora o prazo que em tempos normais existe entre o balanço de pagamento e o balanço comercial desaparece ou se encurta, em virtude da crise; todos os pagamentos devem ser liquidados de uma só vez. A mesma coisa se repete aqui. A Inglaterra tem agora refluxo de ouro, o outro país drenagem de ouro. O que num país aparece como excesso de importação, aparece no outro como excesso de exportação e vice-versa. Mas houve importação e exportação excessiva em todos os países (não estamos falando aqui de colheitas malogradas etc., mas de crise geral); isto é, superprodução, promovida pelo crédito e pela inchação geral dos preços, que a acompanha.”
“O balanço de pagamentos, em tempos de crise geral, é desfavorável a cada nação, pelo menos a cada nação comercialmente desenvolvida, mas sempre uma após a outra, como num fogo de fila, tão logo chega sua vez de pagar; (...) Revela-se então que todas as nações, ao mesmo tempo, exportaram excessivamente (portanto, superproduziram) e importaram excessivamente (portanto, supercomerciaram), que em todos os preços foram inflados e o crédito foi ampliado em demasia. E em todas sucede o colapso. O fenômeno da drenagem de ouro alcança então a todas sucessivamente e demonstra, justamente por sua generalidade, 1) que a drenagem de ouro é mero fenômeno da crise, e não sua causa; 2) que a seqüência em que ele sucede nas diversas nações apenas indicam quando na série chegou sua vez de ajustar suas contas com os céus, quando nelas chegou o momento de crise e nelas irrompem os elementos latentes da mesma.” (Marx, K. O Capital. Livro III, Vol. V, tomo 2, paginas 29-30).
Como já afirmamos no editorial anterior, a maior tragédia da Globalização é que ela banaliza os fenômenos da sociedade e um mesmo golpe pode ser aplicado várias vezes. Abaixo a farsa capitalista! Abaixo o governo das oligarquias no país! Viva a Revolução Comunista!
Rio de Janeiro, 14 de agosto de 2001
P. I. Bvilla P/OC do PC Marxista-Leninista