Por que na China não há crise?

A China tem crescimento econômico sustentado de cerca de 10% a.a., durante 18 anos, e que pretende crescer a um ritmo médio de 8% a.a. entre 1997 e 2010 (14 anos). Em uma potência capitalista no mundo atual essa seria a ante-sala da crise.

Por que na China não há crise?

Por: Paulo Ramos Derengoski

 

 

Na aparência, a China continua apresentando-se como um vasto canteiro de obras, com uma produção massiva de produtos de consumo de massa, inclusive duráveis, ampla oferta de produtos agrícolas e bens de todos os tipos, e uma população afluente com crescente acesso ao mercado.

Na prática, um país com um crescimento econômico sustentado de cerca de 10% a.a., durante 18 anos, e que pretende crescer a um ritmo médio de 8% a.a. entre 1997 e 2010 (14 anos). Um país que está se transformando rapidamente numa vasta sociedade de consumo de massa e numa potência industrial de primeira grandeza, com uma escala de produção desconhecida dos padrões ocidentais.

Em 1997, o PIB chinês atingiu a cifra de 7,5 trilhões de yuans (cerca de 1 trilhão de dólares, pelo método de paridade com o dólar), empregando 696 milhões de trabalhadores em todos os setores da economia e mantendo uma taxa de desemprego de 3,1% da população economicamente ativa.

Para realizar esse feito, a China iniciou em 1978 um planejado processo de reformas que deve durar de 50 a 100 anos. Começou pela reforma agrícola e pela abertura ao exterior e continuou pelas reformas legal, urbana e industrial, financeira, comercial, tributária e fiscal, de preços e salários, educacional, política e outras.

As metas dessas reformas, tomando por base o ano de 1980, consistiam em quadruplicar o PIB até o ano 2000 e dobrar novamente este PIB até o ano 2010. Isto permitiria eliminar totalmente os bolsões de pobreza (60 milhões de pessoas, em 1996) até o ano 2000 e fazer com que o 1,2 bilhão de chineses alcancem um padrão de vida medianamente abastado em 2010. A quadruplicação do PIB em 20 anos foi alcançada em 18.

A reforma agrícola permitiu duplicar a produção de grãos (cerca de 500 milhões de toneladas anuais na atualidade), elevar a produtividade da terra e do trabalho rural e transformar as zonas rurais num vasto mercado interno para as indústrias urbanas. A partir de 1984, quando tiveram início as reformas na indústria, esta possuía uma demanda reprimida considerável a atender.

Paralelamente, a abertura ao exterior e a reforma urbana, combinadas à elevação da produtividade do trabalho agrícola, estimularam o surgimento de uma diversi-ficada indústria rural que se encarregou de grande parte do ‘boom’ da construção civil, de boa parte da produção do vestuário para exportação e, principalmente, evitou o êxodo massivo de agricultores para as cidades. As indústrias rurais ocupam hoje mais de 130 milhões de trabalhadores e são responsáveis por mais de 60% do valor da produção das zonas rurais.

A abertura ao exterior permitiu à China captar até hoje mais de 200 bilhões de dólares em investimentos diretos, tanto com aporte de novas tecnologias, quanto com tecnologias intermediárias de uso intensivo de mão-de-obra, voltadas na maior parte para as exportações. Utilizando-se principalmente do sistema de joint-ventures entre empresas estatais ou públicas e empresas estrangeiras, esses investimentos combinam produção em escala com salários nominais, incentivos fiscais e impostos relativamente baixos.

Desse modo, a China transformou-se numa agressiva nação exportadora, com preços competitivos, suas indústrias enfrentaram um acelerado processo de reciclagem, ocorreu um aporte considerável de novas tecnologias e as indústrias espacial, aeronáutica, eletrônica, de telecomunicações e de novos materiais conquistaram um lugar de ponta.

O crescimento acelerado daí decorrente causou o surgimento de um surto inflacionário, cujo pico chegou a 23% a.a. em 1993. Para debelá-lo, o governo chinês adotou medidas de ajuste nos investimentos não produtivos, permitindo levar a inflação a um declínio paulatino, mas permanente e seguro. Ela chega a 4% a.a. em 1998 e continua caindo nos anos seguintes, sem prejudicar o crescimento.

O aspecto mais significativo desse processo chinês de industrialização e revolução tecnológica tardia parece ser não a exportação massiva de produtos de consumo de massa, mas sim a criação de um mercado interno de massa sem precedentes por sua escala.