Thiago de Mello presente!

O poeta Thiago de Mello, nascido em Barreirinha, no Estado de Amazonas, faleceu dia 14 de janeiro deste ano, aos 95 anos de idade. Prestamos nossa singela homenagem ao poeta da esperança, que serviu, como alento para a geração que lutou contra a ditadura, em vários países latino-americanos. Seus poemas sempre traziam uma mensagem que, apesar do que estávamos vivendo, podíamos ter a certeza de outro mundo, que a luta valia.

O poeta Thiago de Mello, nascido em Barreirinha, no Estado de Amazonas, faleceu dia 14 de janeiro deste ano, aos 95 anos de idade. Prestamos nossa singela homenagem ao poeta da esperança, que serviu, como alento para a geração que lutou contra a ditadura, em vários países latino-americanos. Seus poemas sempre traziam uma mensagem que, apesar do que estávamos vivendo, podíamos ter a certeza de outro mundo, que a luta valia.

Foi diplomata em vários países latino-americanos, nossa Pátria grande, como fala em livro publicado em 2011. Esteve na Bolívia, Chile, Uruguai e Colômbia. Com o Golpe civil-militar de 1964, quando esteve preso, deixando de ser diplomata, foi para o exílio no Chile, onde escreveu 2 poemas de importante mensagem de esperança de um mundo socialmente mais justo: "Os Estatutos do Homem", que foi traduzido para 30 idiomas (Pablo Neruda o traduziu para o castelhano), e "Faz Escuro mas eu canto".

"Os Estatutos do Homem" tornou-se uma chama de esperança, mundialmente, em épocas de ditaduras, em diversos países da nossa Pátria Grande. Seus poemas sempre falavam de um mundo melhor, com a certeza que era possível mudar a realidade que massacrava e continua massacrando o povo. Lutou pelos direitos humanos e pela defesa da Amazônia. Ao retornar ao Brasil, foi morar no Amazonas, à beira do Rio Amazonas.

No começo do século XXI, o poeta declara, acerca dos Estatutos do Homem:

"Aproveitei para afirmar naquela época o que agora reafirmo com maior vigor: creio ardentemente na utopia e, por ventura, meus versos não são mais que a expressão poética de minha convicção de que, apesar de todas as ferocidades que se cometem neste reino dos homens, é possível, sim, a construção de uma sociedade humana solidária."

Em 2011, publicou o livro "Poetas da América de Canto Castelhano, ao qual se dedicou por 20 anos, com mais de 400 poemas de 120 poetas. Na introdução deste, comenta que celebramos autores europeus de terceira e quarta ordem, relegando ao esquecimento os gênios de nosso continente".

Dedica esta antologia à Casa das Américas, de Cuba, fundada por Haydee Santa Maria, há mais de meio século, pelo abraço cultural de todos os povos, distinguindo os latino-americanos.

Encerramos esta homenagem com trechos do Poema "Estatutos do Homem".

Artigo 1:

Fica decretado que agora vale a verdade.

Agora vale a vida,

E de mãos dadas,

Trabalharemos todos

Pela vida verdadeira.

Artigo 2:

Por decreto Irrevogável

Fica estabelecido o reinado permanente

Da justiça e da claridade

E a alegria será uma bandeira generosa

Para sempre desfralda

Na alma do povo.

Ana Alice T.Pereira

Poemas de Thiago de Mello

O PÃO DE CADA DIA

Que o pão encontre na boca
o abraço de uma canção
construída no trabalho.
Não a fome fatigada
de um suor que corre em vão.

Que o pão do dia não chegue
sabendo a travo de luta
e a troféu de humilhação.
Que seja a bênção da flor
festivamente colhida
por quem deu ajuda ao chão.

Mais do que flor, seja fruto
que maduro se oferece,
sempre ao alcance da mão.
Da minha e da tua mão.

FAZ ESCURO MAS EU CANTO

Faz escuro mas eu canto,
porque a manhã vai chegar.
Vem ver comigo, companheiro,
a cor do mundo mudar.
Vale a pena não dormir para esperar
a cor do mundo mudar.
Já é madrugada,
vem o sol, quero alegria,
que é para esquecer o que eu sofria.
Quem sofre fica acordado
defendendo o coração.
Vamos juntos, multidão,
trabalhar pela alegria,
amanhã é um novo dia.

CANÇÃO DO AMOR ARMADO

Vinha a manhã no vento do verão,
e de repente aconteceu.
Melhor
é não contar quem foi nem como foi,
porque outra história vem, que vai ficar.
Foi hoje e foi aqui, no chão da pátria,
onde o voto, secreto como o beijo
no começo do amor, e universal
como o pássaro voando — sempre o voto
era um direito e era um dever sagrado.

De repente deixou de ser sagrado,
de repente deixou de ser direito,
de repente deixou de ser, o voto.
Deixou de ser completamente tudo.
Deixou de ser encontro e ser caminho,
deixou de ser dever e de ser cívico,
deixou de ser apaixonado e belo
e deixou de ser arma — de ser a arma,
porque o voto deixou de ser do povo.

Deixou de ser do povo e não sucede,
e não sucedeu nada, porém nada?

De repente não sucede.
Ninguém sabe nunca o tempo
que o povo tem de cantar.
Mas canta mesmo é no fim.
Só porque não tem mais voto,
o povo não é por isso
que vai deixar de cantar,
nem vai deixar de ser povo.

Pode ter perdido o voto,
que era sua arma e poder.
Mas não perdeu seu dever
nem seu direito de povo,
que é o de ter sempre sua arma,
sempre ao alcance da mão.

De canto e de paz é o povo,
quando tem arma que guarda
a alegria do seu pão.
Se não é mais a do voto,
que foi tirada à traição,
outra há de ser, e qual seja
não custa o povo a saber,
ninguém nunca sabe o tempo
que o povo tem de chegar.

O povo sabe, eu não sei.
Sei somente que é um dever,
somente sei que é um direito.
Agora sim que é sagrado:
cada qual tenha sua arma
para quando a vez chegar
de defender, mais que a vida,
a canção dentro da vida,
para defender a chama
de liberdade acendida
no fundo do coração.

Cada qual que tenha a sua,
qualquer arma, nem que seja
algo assim leve e inocente
como este poema em que canta
voz de povo — um simples canto
de amor.
Mas de amor armado.

Que é o mesmo amor. Só que agora
que não tem voto, amor canta
no tom que seja preciso
sempre que for na defesa
do seu direito de amar.

O povo, não é por isso
que vai deixar de cantar.