Para Compreender a Inflação II: as alterações climáticas

Crescer economicamente se tornou prioritário, bem mais importante do que o combate à inflação.

 

A economia não é uma ciência que se define em si mesma. Não está estanque, ilhada, sem qualquer entrelaçamento com outras manifestações da natureza e da ciência. Pelo contrário, ela é por vezes a síntese de diversas contribuições, como se refletisse o movimento que pode partir de diversas direções. E, depois, passa a agir como causa determinante de novos desdobramentos importantes. Em outras palavras é como se causa e efeito se confundissem e originassem uma dinâmica difícil de dissociar um do outro.

A mais recente influência percebida pela economia procede das alterações climáticas. No passar do ano de 2010 para 2011, as evidências empíricas parecem denunciar que o desequilíbrio do meio ambiente redobrou a força como já vinha se apresentando. Quem traz nos ombros um pouco mais de experiência nesta existência tão fugaz, e é um quase cinquentão, como o escrevinhador destas poucas linhas, ainda lembra de sua infância um clima melhor definido, com estações mais regulares e bem esperadas. À medida que os anos transcorreram se aprofundaram com rapidez os destemperos, os cataclismas com consequências imediatas e destruidoras no existir dos seres humanos, principalmente os mais pobres, trabalhadores, sobreviventes nas condições mais frágeis. Os pobres não moram aonde querem ou gostariam, nos lugares altos e seguros, caros de residir. Moram aonde é possível construir algo e, diga-se de passagem, de modo bem precário. Foi o que restou para eles.

Para o planeta e a natureza estas modificações nada representam. A natureza pode se recuperar sozinha. A vida, desde os primeiros aminoácidos, necessitou de 1 bilhão de anos para irromper da matéria inorgânica. Em dois mil anos ou três, o planeta se refaria dos desajustes que a própria ação humana provocou. O problema supremo está na espécie homo sapiens que não pode aturar um período que para ela é dilatado demais. Mais cinquenta anos de destruição, quem sabe nem tanto, é o homem quem vai desaparecer. Depois, a natureza se recompõe, livre do atrapalho humano. E isto é gente tarimbada, versada nas ciências, laureados pelas academias, que afirma. Para quem educa filhos, e neles enxerga o espelho de si mesmo, é um pesadelo e autêntica fonte de preocupação ver que mundo havemos de deixar.

No Brasil, os recentes dilúvios, resultantes do excesso de evaporação, em razão da quantidade maior de água presente no mar a receber o calor do sol, afetaram principalmente os hortifrutigranjeiros. Verduras, legumes e frutas se tornaram mais caros em todas as partes. Não parou por aí. O gado, criado extensivamente, também padeceu. Os pastos inundaram e os animais não podiam comer. Animais morreram afogados e outros não tiveram o que comer. O preço da carne se elevou em questão de meses, mais rações tiveram de ser compradas para nutrir os rebanhos que antes se alimentavam do que a natureza fornecia em espontânea abundância. A inflação, em especial o componente alimentos, o mais importante, aumentou de preço de um salto. A dificuldade é que este patamar novo atingido pela inflação, não vai descer para níveis inferiores, porque seu impulsor está fora de controle por parte do homem. A natureza está desajustada. É o fruto da atividade predadora de como o capitalismo exerce sua acumulação. É efeito de um capitalismo orgulhosamente ignorante que agora pulou a ser causa de uma inflação mais intensa sem a possibilidade de regresso a níveis mais confortáveis e pacíficos para todos. Os custos de produção agrícola se elevaram com a periódica quebra de safras. E essa carestia foi parar no preço do prato à hora do almoço.

E o Banco Central brasileiro, o guardião da moeda, o guardião da estabilidade, e mais do que isso, o guardião da rentabilidade do capital financeiro, costurado por um cubo no cérebro, com teorias que rumina sem por a cabeça para fora da janela e observar que a realidade é bem outra, imensamente mais rica e contraditória, tenta controlar ou retroceder este tipo, por ora irreversível de inflação, com o remédio da elevação de juros e contenção de crédito, como se São Pedro, com as chaves do sol e da chuva, lesse lá no céu manuais de economia que não contemplam a novidade climática. Ao invés do presidente do Banco Central ir ao Senado da República prestar contas ao Congresso, ele deveria convencer o santo teimoso que não lhe dá ouvidos. Esta inflação de alimentos já se alastrou pelo planeta. E nas regiões em que a geografia é impiedosa, acantonada de desertos e quase sem água, com pouco espaço físico para o plantio, explodiram rebeliões. O pão faltou em cima da mesa, as populações sem alternativa foram para as ruas protestar e, como quem nada tem a perder, imolaram-se em sacrifício contra ditaduras, como se todas fossem do mesmo naipe e atuassem da mesma maneira, que tornariam intransponível a solução de mais este gravíssimo transtorno. O primeiro foi o Egito,... depois vieram em cordão os outros países com a mesma natureza inclemente e dominados por despotismos. Décadas de ditadura desmoronaram em estalo de dedos.

O Banco Central, obcecado por seu compromisso de metas de inflação, em que há uma inflação média aceita de 4,5% ao ano, com dois pontos percentuais para mais e para menos, o que permitiria uma margem de manobra entre 2,5% a 6,5%, de inflação mínima e máxima, insiste em querer encolher um ser que pelo seu próprio desenvolvimento ficou maior. Aplica um princípio de inflação de demanda, como se a população trabalhadora estivesse com poder aquisitivo exagerado, para uma inflação que é instigada principalmente pelo custo de produção. A inflação já está num patamar superior e não irá retroceder, exceto se as ações da natureza subitamente se modificarem para melhor para não afetarem os custos dos gêneros agrícolas. Ao invés de querer retroceder com a inflação, o Banco Central terá de propor novas metas de inflação superiores, mais elevadas, compatíveis com essa difícil etapa histórica que todos já estamos em curso de atravessar.

Com a elevação dos juros e do crédito, a fim de desestimular o crescimento econômico, pretendem arrefecer a expansão da demanda. De fato, mais pessoas desempregadas, menos empregos em oferta, pode, e se é que isso vai acontecer num contexto de economia dominada pela grande indústria praticante de preços administrados, reduzir os preços pelo aumento da pobreza e das hordas de desocupados famintos, perambulantes pelas praças, andarilhos pelas estradas, criminosos pelas esquinas. Quem sabe os trabalhadores pobres morram antes e deixem em paz o ganho financeiro futuro dos rentistas. Os mortos descansam e param de sofrer. Também nada vão comprar. É a lógica de conter a demanda por taxas de juros sempre entre as maiores do planeta. E isto é colocado como decisão técnica, científica, os sabichões entre os sabidos.

De regresso ao contexto da alteração climática, será impossível conviver com inflação mais reduzida, como almeja o Banco Central, principalmente no que diz respeito ao preço dos alimentos. Em 2010, a Rússia, um dos maiores produtores de grãos mundiais, conviveu com a seca, que afetou 43 regiões produtoras. A colheita sofreu uma quebra de 37,3%, o que é enorme. A Rússia é grande produtora de trigo. A Argentina também sofreu seca com forte aumento sobre a soja e também o trigo, dois grãos dos quais ela é também grande produtora mundial. Austrália, Ucrânia, China e Paquistão sofreram grandes decepções em suas colheitas. A pesca também não vai permanecer ilesa, os oceanos devem aquecer e afetar a reprodução dos peixes e sua disponibilidade em cardumes. São os desequilíbrios presentes, muito mais do que no passado recente a exigir atenção redobrada para reduzir sua escalada e promover a segurança alimentar.

Nunca o cuidado com a natureza foi tão relevante para a humanidade quanto agora. O ar, a água, a vegetação são bens humanitários, responsabilidade de governos e cada cidadão. Inclusive o crescimento do capitalismo deve incorporar como praxe a preservação. Crescer preservando e não destruindo. E para quem é trabalhador assalariado com emprego, zelar com especial atenção de suas finanças pessoais se tornou uma imposição, uma preocupação para se resolver e discutir em entendimento envolvendo a família.

E para os trabalhadores excluídos e os menos qualificados, que são ainda tantos milhões por esse Brasil afora, que estão vendendo balas de goma pelo pontos de ônibus, em desemprego disfarçado, é preciso atender com o assistencialismo e colocar como prioridade o crescimento econômico, porque eles são os mais delicados, os que vão perecer com maior facilidade. Crescer economicamente se tornou prioritário, bem mais importante do que o combate à inflação.

José da Silveira Filho