Entre duas Guerras

 

Com a proximidade de um desfecho da guerra imperialista dos EUA e Inglaterra contra o Iraque, do ponto de vista estritamente militar, o olhar daqueles que acompanham os acontecimentos passa a se dirigir para os possíveis desdobramentos deste evento, tanto em termos globais, como local. E, justamente neste contexto de especulações e experimentos dos “efeitos colaterais” da guerra, os problemas que de forma direta ou indireta impulsionaram os acontecimentos, voltam a dominar a cena histórica e a demarcar os parâmetros para uma avaliação mais rigorosa dos fatos. É importante estabelecer esta linha divisória na análise política do acontecimento, visto que confundir a vitória militar ou técnica com a vitória da guerra, isto é, a conquista do objetivo político da guerra, são duas coisas bem distintas, pois se a “guerra é simplesmente o prolongamento da política por outros meios”, precisamente a violência, como ensinou Clausewitz, a pergunta que se deve fazer em seguida é: que objetivos políticos motivaram esta guerra dos EUA e Inglaterra contra o Iraque? O simples aniquilamento das forças militares e a derrubada do governo de Saddam Hussein respondem à questão? Eis a questão de fundo, tão antiga quanto o tratado de política de Nicolas Maquiavel e cuja resposta está na relação entre os meios e fins (táticas e estratégias).

Os objetivos políticos que motivaram a guerra contra o Iraque declarados publicamente pelos protagonistas deste episódio são: o não cumprimento da resolução de desarmamento do Conselho de Segurança da ONU, que obriga o país a destruir suas armas de destruição em massa (química, biológica e nuclear) e financiamento do terrorismo. Embora seja desnecessário dizer como os EUA sabiam destas armas de destruição em massa, químicas e biológicas, é importante relembrar que foi ele mesmo quem brindou e municiou o Iraque com estas “armas” para combater a revolução dos ayatolás no Irã. Foi o tempo em que “o ditador Saddam Hussein e o terrorista Osama Bin Laden” eram coqueteados nos salões ovais da Casa Branca e nas mansões (Palácios) dos magnatas das finanças, petróleo e indústria bélica, dos quais os Srs. Bush, Dick Cheney, Rumsfeld pertencem e representam. No que se refere ao financiamento do terrorismo, que no fundo é o problema crucial para se entender a motivação política real da guerra, independente da verdade ou não, o fato é que ela provém do petróleo, já que o país possui a segunda maior reserva de petróleo no mundo – diz a imprensa burguesa –; além disso, grande parte deste investimento se encontrava nos próprios bancos americanos, que, segundo informa o governo americano, foi confiscado. É verdade que desde a unificação da Europa e constituição do Euro, o regime iraquiano transferiu seus investimentos e contratos para o Euro, mas isto não muda “o fato dos fatos”: a única arma que possui o Iraque é o petróleo e sem ele não há finanças e sem finanças não há armas de destruição em massa, pois a fonte de ambos são os próprios EUA.

Nestes termos, a questão volta novamente à tona: é possível a partir do aniquilamento das forças armadas do Iraque e com a queda de Saddam Husseim, a perseguição e eliminação dos dirigentes do partido Baath atingir o objetivo da eliminação ou controle da proliferação das armas de destruição em massa e das finanças para o terrorismo antiamericano? Se entendermos que basta o petróleo do Iraque estar controlado pelos EUA para que armas não se proliferem no mundo e o terrorismo cesse, então não há o que condenar do massacre americano e inglês ao povo iraquiano, pois neste caso, politicamente falando, os fins justificam plenamente os meios; mas se entendermos que o centro produtor de armas de destruição em massa continua necessitando de mercado e o centro financeiro mundial, dos juros; como é possível cessar o emprego de armas de destruição em massa no mundo ou do capital financeiro para financiar o terrorismo, o tráfico de drogas, escravos, e por que não dizer da própria guerra? Vejam o absurdo: os EUA e Inglaterra fazem uma guerra para derrubar “O Ditador” Saddam Hussein, como fizeram para liquidar Osama Bin Laden, e para isso motivam lideranças shiitas, formam novos Xás Reza Pahlevi e treinaram mais de 3 mil novos terroristas e mercenários. Por outro lado, mesmo durante a guerra, a empresa que financiou a campanha eleitoral de Bush, com mais de 2 bilhões de dólares e cujo vice-presidente Dick Chenney foi presidente, já assumiu a administração do porto de Al Qsar. Assim o paradoxo é visível; os EUA lutam contra ele mesmo, parece que a realidade que o cerca não é mais que seu próprio reflexo.

Mas, se todo o objetivo da guerra resvala do discurso da “Liberdade do Iraque”, para a liberdade de exploração das riquezas do Iraque por americanos e britânicos deixando a França, a Alemanha e a Rússia de fora, então a coisa se complica ainda mais, pois, nestes países, o capital financeiro e a indústria bélica também estão ávidos por mercado e juros. E onde vão atuar se a luta deixa a esfera da concorrência pelos meios políticos diplomáticos e do mercado para se situar na esfera da guerra, onde o monopólio do mercado e o regime de exceção são a pedra angular do estado? Neste contexto, até mesmo os britânicos ficam com um pé atrás e, como todo bom malandro, é no fundo um bom oportunista, nada melhor que usar a ONU para arrancar os cargos e migalhas da pilhagem americana dos recursos naturais do Iraque, sem escapar sequer a administração do Porto de Al Qsar. Quanto à ONU – como diz Bush – “terá um papel-chave”: prestar assistência social e cuidar dos feridos físicos (mutilados) e mentais; enfim, prestar ajuda humanitária (petróleo por alimento), quiçá uma opinião ou duas sobre o que seria “bom ou não para o povo do Iraque”. Mas governar o Iraque, controlar os negócios e explorar seu petróleo, isto nunca. A junta militar que exercerá a nova ditadura sobre o povo iraquiano já está escolhida; as empresas que vão reconstruir as instalações, explorar portos, petróleo e até vender água, já estão escolhidas também. Assim o que passaremos a assistir agora será a outra guerra que está por trás da guerra militar, ou seja, a guerra comercial, industrial e financeira, a guerra do capital.

Naturalmente, muitos podem achar que ao tratar o problema deste ponto de vista, não enfocamos bem o problema da resistência iraquiana ou dos partidários de Saddam Hussein, ou como disse o nosso Ministro da Casa Civil, José Dirceu, “a guerra verdadeira vai começar a partir da ocupação”. Sinceramente, não se pode saber o que ele quis dizer com isto, me arrisco a pensar que foi muito pouco de imaginação e uma fartura de demagogia. Não é possível nem um pouco confundir as coisas, pois afirmar que guerra verdadeira é guerra de resistência e a guerra convencional como falsa guerra, não passa de força de expressão ou, no melhor da literatura, um eufemismo. Negar a morte de milhares de pessoas, negar o massacre e o extermínio; negar o aniquilamento das armas e das forças armadas do Iraque e afirmar que após isto é que vai começar a guerra, nada tem a ver com os processos históricos vividos pela URSS na II Guerra Mundial e muito menos com a história da conquista da Eurásia, seja por Alexandre da Macedônia, seja por Gêngis Khan, como fundir o que diz Engels no Anti-Dühing da força da cultura no processo de colonização, nada tem a ver com a idéia da impossibilidade da manutenção do domínio pela espada, mas muito da assimilação da cultura do conquistado pelo conquistador, na medida em que esta seja mais forte e desenvolvida.

Eis uma guerra que merece uma cobertura mais profunda, pois dela provêm as guerras que viraram imagens sensacionalistas e propagandas da indústria militar e das tecnologias de extermínio em massa, bem como das finanças que alimentam e se nutrem deste processo. Os EUA em seu discurso habitual buscam resolver os seus problemas reais como, por exemplo, a crise do capital que se aprofunda neste país, através do seu reflexo nos outros povos. Pobre EUA tão poderoso na espada e tão fraco de imaginação: haja homens-aranhas, demolidores e hulks. E nós aqui do outro lado do hemisfério, ficamos a pensar, quando pensamos, realmente, em se libertar desta opressão imperialista; quando nos prepararemos para uma guerra de fato? E depois do petróleo o que será: água? Amazônia? A maior área agrícola do Planeta? Eis o problema central que se deve extrair dos acontecimentos. Um menino sem braços, um povo escravizado, um mundo manietado! “Viva ao Capitalismo e liberdade de Milton Fridman!”; Neoliberalismo é um eufemismo de Nazismo e Fascismo!

Abaixo o Capitalismo!
Abaixo a guerra imperialista!
Viva a resistência das massas!
Viva a Revolução Comunista!

Rio de Janeiro, 9 de abril de 2003

P. I. Bvilla P/OC do PCML