INVERTA 33 anos depois: A Ruptura da Ordem Unipolar, a Rússia, a China e o Brasil

Jornal Inverta foi criado em 20 de Setembro de 1991 com lançamento na Associação Brasileira de Imprensa (ABI) no Rio de Janeiro […] Hoje, três décadas e três anos após este evento, no XVIII Seminário Internacional de Lutas Contra o Neoliberalismo, a ser realizado nos dias 20, 21 e 22/09 na UERJ, os temas em debate sobre a situação internacional dizem muito sobre as ideias defendidas pelo Jornal desde sua Primeira Edição.

O Jornal Inverta comemora seu 33º aniversário. Foi criado em 20 de Setembro de 1991 com lançamento na Associação Brasileira de Imprensa (ABI) no Rio de Janeiro, em cujo Salão Social, espremidos num cantinho, reuniram-se cerca de 120 participantes. Em suas palavras, um dos convidados na abertura do evento vaticinou em relação à relevância do mesmo: “Que dure por seis meses, já significa que não estamos calados”; outro parafraseou Vinicius de Moraes: “Que seja eterno enquanto dure”; outro afirmou: “Uma Grande Iniciativa, somente a força de sua proposta e luta dirá o tempo de existência do Inverta”. Finalizando, um poeta cordelista da Baixada Fluminense declamou: “Existem muitos jornais/ O Dia, A Noticia e A Gazeta/ Que o povo lê e aceita/ Mas Jornal de Verdade/ Está Lançando: é o INVERTA”. Desde a denominação do periódico INVERTA ao seu conteúdo, o jornal era um manifesto de defesa do Socialismo como alternativa real, revolucionária e possível, superior ao Capitalismo para toda a humanidade, e uma declaração de combate ao processo de contrarrevolução neoliberal que, do Leste Europeu e Ex-União Soviética, alastrou-se pelo mundo repetindo mil vezes, como Goebbels, a ideia do fim da história, fim da luta de classes e fim do socialismo. Na verdade, dizia o editorial do INVERTA por outras palavras, todo este processo histórico não passava da punção juvenil do socialismo para viver o comunismo total.

Hoje, três décadas e três anos após este evento, no XVIII Seminário Internacional de Lutas Contra o Neoliberalismo, os temas em debate sobre a situação internacional dizem muito sobre as ideias defendidas pelo Jornal INVERTA desde sua Primeira Edição. O cenário geopolítico mundial caracteriza-se como ruptura da ordem unipolar hegemonizada pelos Estados Unidos, que resultou do desaparecimento da URSS. Esta ordem que foi tagarelada por Fukuyama de ‘fim da história’ ou ‘fim do comunismo’, servindo de bordão triunfalista do capitalismo sobre o socialismo, permite parafrasear Marx no Dezoito Brumário: as contrarrevoluções burguesas “como gemas fulgurantes [...] têm vida curta; logo atingem o auge, e uma longa madorra se apodera da sociedade”. E quem são os principais protagonistas desta ruptura? Em primeiro lugar, as duas potências mundiais que se desmembraram do processo revolucionário do socialismo: Rússia e China. Em segundo lugar, o bloco dos países emergentes dos BRICS, especialmente, Brasil, Índia e África do Sul.

A Rússia foi a vanguarda da Revolução Socialista no Mundo em 1917, chegando ao ápice com sua constituição na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e líder do Conselho de Ajuda Mútua Econômica (CAME). A Revolução Russa, comandada vitoriosamente por Lenin e o Partido Bolchevique, desencadeou um processo revolucionário que conduziu um terço da humanidade a viver sob esta nova experiência histórica de modo de produção e vida. Milhões de pessoas deixaram a linha de pobreza, miséria, fome, ignorância e opressão do capitalismo e imperialismo, atingindo um nível superior de qualidade de vida, apesar de todos os percalços desta trajetória homérica. A vitória da Revolução na guerra civil contra a reação burguesa, sobre a intervenção de 14 países imperialistas e, em seguida, a catástrofe da II Grande Guerra Mundial – que ceifou 20 milhões de jovens revolucionários na resistência a 80% do efetivo e material bélico dos exércitos nazista e fascista – foi o leitmotiv que conduziu a passagem das frentes populares e democráticas, e das guerrilhas e guerras de libertação na Europa, Ásia, África e América Latina ao socialismo, ou a repúblicas populares democráticas em via para o socialismo. O desenvolvimento científico-técnico, as conquistas sociais e culturais fizeram as oligarquias burguesas na Europa darem os anéis para não perderem os dedos, servindo de modelos adaptados para os países capitalistas em vários continentes. A atual guerra da OTAN contra a Rússia é um atestado da capacidade desenvolvida pelo socialismo em termos tecnológicos e de poderio militar que, a exemplo de seu papel na II Guerra Mundial ao enfrentar o nazi-fascismo, parece reacender o elã dos povos a novo processo revolucionário e de libertação do capitalismo e do imperialismo. Neste aspecto, a Rússia conduz visivelmente a ruptura da hegemonia militar estadunidense e da OTAN sobre o mundo.

A República Popular da China emergiu neste processo histórico a partir da proclamação da vitória da Grande Revolução de Outubro em 1949, sob liderança de Mao Tse-tung e o Partido Comunista Chinês (PCCh). A revolução condensou a história milenar de luta pela unidade nacional contra os Senhores Feudais (da guerra); a luta nacionalista contra o imperialismo, especialmente o japonês; e, com a derrota deste na II Guerra Mundial em 1945, a luta pelo socialismo, contra a burguesia chauvinista que tenta instaurar um governo com apoio do imperialismo norte-americano. A Revolução Xinhai de 1911, que derrubou a dinastia Manchu e inaugurou a República da China, instaurou o governo revolucionário provisório de Sun Yat-sen. A passagem deste governo à Yuan Shikai em 1912, que após a derrota eleitoral em 1913 tentou se manter no poder com empréstimos dos países imperialistas, deu lugar à Segunda Revolução, um levante que durou dois meses e foi derrotado pela superioridade militar dos Senhores da Guerra (reminiscência feudal) e pelo suborno aos defensores da república, o que conduziu à tentativa de restauração Dinástica em 1915 e 1916. O Kuomintang (Partido Nacionalista Chinês), fundado em 1912 sob direção de Sun Yat-sen, se reforma em 1919 e passa a combater a restauração dos Senhores Feudais; por outro lado, o Partido Comunista Chinês, fundado em 1921 sob a liderança de Chen Duxiu e Li Dazhao, se une a este combate. Neste processo, se destacarão o grande líder comunista Mao Tse-tung, que comandará a Revolução de Outubro de 1949 inspirada na Revolução Russa de 1917; e o líder nacionalista Chiang Kai-Shek, que após a morte de Sun Yat-sen em 1925 comanda o Koumintang, chega ao governo em 1928 e desvia a luta nacionalista contra os senhores feudais, aliando-se a estes contra o PCCh, que crescia exitosamente entre os camponeses pela distribuição da terrra e administração coletiva das zonas libertadas do julgo feudal.

A perseguição do Kuomintang ao PCCh a partir de 1927 chegou ao extremo entre 1933-34, período em que as forças comunistas se deslocam dos centros urbanos e se concentram no campo, percorrendo 10 mil quilômetros no que foi denominada A Grande Marcha. A intensificação da luta contra o imperialismo com a invasão da Manchúria pelo Japão em 1931 conduziu um acordo de aliança entre o Kuomintang e o PCCh em 1937, diante da luta contra a invasão imperialista, também denominada Segunda Guerra sino-japonesa, até a vitória em 1945. Deste momento em diante, o desacordo entre o PCCh e o Kuomintang na constituição de um governo de pós-guerra, de caráter nacionalista e popular, sob a exigência deste último da deposição de armas das forças comunistas, reconstituiu a Guerra Civil. O avanço da Guerra Popular Prolongada contra os senhores feudais, contra o imperialismo e contra a burguesia chauvinista, de 1945 a 1949, fez crescer a força revolucionária em 10 milhões de homens em armas, reunidos nas milícias do exército popular comandado por Mao Tse-Tung. Os cercos da cidade pelo campo levaram à fuga do governo de Chiang Kai-Shek e suas forças para Taiwan sob proteção dos EUA. Assim, em 1º de outubro de 1949, é proclamada a vitória da revolução e a fundação da República Popular da China, que chegou à cena histórica atual como potência econômica, política, militar e tecnológica que claramente impulsiona a ruptura do pilar econômico da Ordem Unipolar dos EUA e do Ocidente capitalista.

Embora este processo de ascensão econômica da China não seja uma curva ascendente ao Palácio do Céu, como demonstram seus inúmeros episódios problemáticos de avanços e recuos – a exemplo do Grande Salto Adiante e da Revolução Cultural que a desligaram do modelo de desenvolvimento socialista da Rússia – o fato é que constituiu um modelo próprio de desenvolvimento socialista que ultrapassou em muitos aspectos as limitações da experiência revolucionária pioneira da ex-URSS. Sobre as bases da Grande Revolução de Outubro de 1949, o plano das quatro modernizações de Chu Enlai desenvolvidas por Deng Xiaoping, e a diretriz de unificação da China sob “um país e dois sistemas”, conduziu um processo de ascensão pacífica que se expressa na atualidade através do grande projeto Faixa e Rota da Seda do governo Xi Jiping, reativando relações históricas de comércio, intercâmbio cultural e desenvolvimento com a Eurásia, África e até a América Latina. Sua participação como protagonista na constituição do BRICS ao lado do Brasil, Rússia, Índia e África do Sul, elevou sua pujança econômica e a abrangência de sua política externa de paz e diálogo.

Porém, ao se observar o quadro de ruptura da Ordem Unipolar sob o ângulo do tripé ou pilares de sustentação do mesmo – o poder militar e tecnológico, o poder econômico financeiro, e poder político e de comunicação – deve-se entender que não bastam as rupturas do poder militar pela Rússia, que é visível na guerra contra a OTAN na Ucrânia; e do poder econômico pela China, como indicam os dados oficiais do FMI, OCDE ou BIS; já que a opacidade da ruptura do poder político não permite similar conclusão. Os EUA continua a liderar a maior parte da opinião mundial e impor suas decisões sobre todos, mesmo sob contestação; a exemplo do bloqueio a Cuba e o massacre de Israel aos palestinos, ambos rechaçados quase unanimemente pelos países da ONU. O mesmo se pode observar em suas ações militares, invasões, golpes, assassinatos, perseguições, prisões arbitrárias, e violação de direitos humanos e tratados e acordos internacionais, como foram as guerras contra o Afeganistão, Iraque, Balcãs; ou a flagrante violação dos acordos de Minsk com a expansão da OTAN sobre as ex-repúblicas socialistas, ameaçando a soberania da Rússia. O apoio a ditadores, bandidos e assassinos a seu serviço na América Latina é notório, do mesmo modo que é irrefutável seu comando sobre a OTAN e o G7; a Europa está acocorada diante do poder político dos EUA. Mas, se militar e economicamente este poder político está contestado, então o que falta para esta Ordem Unipolar e hegemonia vir abaixo? Pensamos que, como no conto infantil do escritor dinamarquês Hans Christian Andersen, alguém tem que gritar: “O Rei Está Nu!”. E que metaforicamente a criança sem autocensura para fazer isso é a América Latina, e nesta, cabe ao Brasil, apoiado na unidade desta e nos BRICS, a tarefa histórica de romper o último pilar de sustentação da Ordem Unipolar e da hegemonia política dos EUA.

O Brasil como parte dinâmica da América Latina constitui-se em reserva estratégica do poder global dos EUA, um duplo status geopolítico que transitou historicamente de sua condição de Colônia de Acumulação Primitiva de Capital – que sustentou os Impérios Feudais Ibéricos e, ao mesmo tempo, o modo de produção capitalista que passou a dominar a Europa – à condição de capitalismo dependente, desempenhando hoje status similar em relação ao Imperialismo dos EUA e à alternativa socialista. Se o fatiamento da América Latina durante a guerra de independência em diversos estados sob controle das oligarquias crioulas explica o domínio imperialista dos EUA sobre as Américas e a ascensão do seu poder global sobre o mundo capitalista; na conjuntura atual em que este poder declina, abalado pela Crise Orgânica do Capital e a ruptura de seus pilares militar e econômico, é visível a emergência de novos atores geopolíticos assumindo o espaço de liderança dos EUA, na região e em outras partes do mundo; como se pode observar no caso do Brasil, que avançou na liderança regional com a formação do Mercosul, da CELAC, da Unasul e, em especial, dos BRICS.

O desenvolvimento da Crise Orgânica do Capital, ao exaurir as forças produtivas capitalistas devido à erosão do paradigma de valor em contradição ao impulso desenfreado à superacumulação, a conduziu à condição de crise ambiental e de transição no modo de produção social. Neste contexto, a nova geopolítica em curso reconduziu as categorias da ciência e tecnologia, e dos recursos naturais de biodiversidade a condição estratégica do poder militar e econômico na sustentação do poder político global. Neste sentido, a América Latina em geral – e o Brasil em particular – constitui-se em região estratégica capaz de transformar sua condição, de reserva vital para o poder global dos EUA em protagonista da ruptura do poder político deste e um dos atores principais na constituição de uma nova hegemonia mundial compartilhada, e de uma nova ordem multipolar e multilateral.

A dimensão territorial, demográfica e linguística da América Latina a notabiliza por preservar a maior reserva de biodiversidade do planeta, livre da ameaça de armas nucleares. Suas condições de desenvolvimento tecnológico e média composição orgânica de capital possibilitam um crescimento espetacular em termos científicos e técnicos, com base em uma revolução educacional. A Amazônia, a Patagônia, o Altiplano e suas reservas hídricas permitem a esta constituir um bloco de interesses que pode desempenhar de forma muito concreta o mesmo papel que a OPEP desempenhou na década de 1970 para a riqueza material dos Emirados Árabes. Porém, diferenciando-se da mesma enquanto modelo de desenvolvimento autossustentável que supere a barreira das desigualdades em cada país partícipe do bloco, de amplo intercâmbio científico e cultural e, sobretudo, de autodefesa e alianças estratégicas através dos BRICS.

O Brasil como país de maior integridade territorial e dimensão demográfica, assim como maior desenvolvimento econômico, tem as condições objetivas para conduzir as aspirações legítimas da América Latina no cenário global, conduzindo esta transição no status geopolítico da região. Contudo, não se pode esquecer que a formação das condições subjetivas para isso exigem erradicar a herança de opressão, exploração, ignorância e desigualdades de sua condição colonial e de capitalismo dependente. E lembrar, ainda, que não basta a si só, é necessário assumir o ideal bolivariano, martiniano, mariateguista e prestista de constituição de um novo modo de produção e vida. A unidade da Grande Pátria Latina, a preservação e desenvolvimento dos valores culturais e históricos – condensados nos povos originários, na migração forçada dos povos europeus e no sequestro dos povos africanos que sedimentaram este Novo Mundo enunciam também sua infância e ousadia em declarar uma nova era para a humanidade, onde o livre desenvolvimento de cada um é a condição para o livre desenvolvimento de todos.

Viva os 33 anos do Jornal Inverta!

Viva a Unidade Latino-americana!

Viva a Revolução Socialista Latino-americana!

Ousar Lutar, Ousar Vencer!

Aluisio Bevilaqua