Sobre a Violência: Não à redução da Idade Penal
Quem acompanha o noticiário da mídia burguesa no país, nos últimos meses, sem dúvida notou o quanto se acentuou o enfoque sobre a “violência”. O ponto culminante deste processo parece o assassinato do jovem casal de estudantes, Liana Friendebach e Felipe Caffé, pelo “menor” Champinha, em São Paulo. É verdade que os crimes hediondos sempre foram a matéria-prima da imprensa burguesa que vive da desgraça do povo, basta recorrer à memória para comprovar tais fatos; ou observar programas policiais como o da TV Globo “Linha Direta”, que relembrou dois casos que abalaram a sociedade nos anos 70: o assassinato da modelo Angela Diniz, em Búzios, por Docca Street e o caso da “Fera da Penha”. Mas, a questão aqui, não é apenas apresentar a Violência como matéria-prima da mídia burguesa, ela é, por outro lado, o objeto de trabalho e/ou estudo para inúmeras instituições e corporações de ofícios na sociedade; assim como de todo um setor comercial, industrial, financeiro e, sobretudo, político. Portanto, a Violência, como prática social, mais que um fato, é uma cultura presente historicamente na sociedade humana desde que esta reivindicou soberania frente às “leis da natureza”, libertando-se dos ecossistemas fechados, ou seja, das regras naturalistas que tanto nossos ambientalistas reivindicam na tradição rousseauniana de Rumbold.
É claro que não quero aqui reproduzir um debate acadêmico sobre os fundamentos filosóficos da violência, posto que teríamos que nos decidir sobre o problema de até que ponto romper com as regras da “natureza” ou dos ecossistemas é uma violência ou uma condição também natural dos homens; ou melhor, até quando a sociedade humana é uma violência contra a natureza ou tudo não passa de uma transposição bíblica (da expulsão de Adão e Eva do paraíso) para a história da humanidade? Nossa posição, obviamente, é de que os homens são parte da natureza, logo, por mais estranhas que pareçam suas ações, elas se justificam ante a finalidade última de sua existência material: a sobrevivência. Nestes termos, o mais que se pode extrair deste debate é que a violência significa uma alteração, mudança ou transformação de regras naturais ou sociais historicamente pré-estabelecidas e, como tal, não significa um ato ou evento “justo ou injusto” de “per si”, mas um fato dependente inteiramente do contexto histórico e do olhar que se tenha para esta conjuntura: por exemplo, quando os homens violaram a regra darwinista da seleção natural das espécies – “os mais fortes sobrevivem” –, se considerarmos o naturalismo, não somente praticaram uma violência contra a natureza, mas também introduziram no centro do problema da violência a questão do intelecto e da capacidade de produzir os meios para atingir seus objetivos. Aqui, como diria Nietzche, aparece o mistério da potência, ampliando ainda mais o complicador do que é natural ou violação das regras naturais, ou condição “essencialmente humana”. Assim, cai por terra a lógica eclesiástica - os Deuses e Vacas Sagradas que amarram o Saber e o Fazer humano.
Hoje, quando se fala de violência, o que transborda é o sentido vulgar e imediato do termo, aplicado para definir crimes “hediondos e macabros” ou ações de protestos contra a ordem ou regras existentes. Neste aspecto, vivemos sob o domínio da idéia do “pecado original”, do “crime e o castigo”, como base filosófica e fundamento do direito cível e criminal. Aqui, a idéia da lei como impedimento da liberdade, não somente denuncia o conteúdo hobbesiano da condenação à violação da regra, como os métodos com que se realiza esta violação, indicando tanto o conteúdo naturalista-evolucionista, quanto ético do processo (julgamento dos meios e fins, na lógica do certo ou errado, do bom ou mau, do falso ou verdadeiro). Nesta lógica vulgar, aonde condenação moral (preconceitos religiosos, raciais e culturais) e o naturalismo (evolucionista) acalantam opiniões, paixões e revoltas pelo maniqueísmo do “certo ou errado”, “do bem ou mal”, “do justo ou injusto”, oculta-se o fundamento material e histórico dos fenômenos, mascarando o utilitarismo político e a lógica do poder na sociedade atual. A pergunta é: o furor da sociedade paulista contra o “menor”, que se expressa no movimento de classe média para baixar a idade penal de 18 para 16 anos, realmente decorre do crime bárbaro do jovem casal de estudantes neste estado, ou das rebeliões dos “menores infratores” nos reformatórios (FEBEMs) daquele estado, bem como da razão cínica dos governantes veiculada pela mídia burguesa nazi-fascista para justificar a violência da periculosidade do menor por sua “impunidade” devido ao Estatuto da Criança e do Adolescente?
Naturalmente que na sociedade capitalista atual, em particular, nas grandes metrópoles do mundo, é o contingente da juventude que mais se vê atuando nas ações de apropriação ou desapropriação, em outras palavras, na violação da “sacrossanta propriedade privada capitalista”: furtos, assaltos, seqüestros, ou mesmo no comércio ilegal, contrabando, e (pasmem!) nas guerras. Quem tenha um olhar condenatório sobre esta ação desesperada da juventude, antes de tudo devia se perguntar o por quê de tal fenômeno, com profundidade e respeito à vida humana. Não se pode condenar a juventude por querer viver segundo as regras da própria sociedade atual; e a idéia que o regime do tacão (redução da maioridade penal) possa resultar em adaptação ou socialização da mesma mostra apenas a ignorância das camadas médias com o próprio sistema que tanto ajudam a criar e perpetuar. É cinismo não ver que quanto maior o nível de repressão sobre a juventude, sem eliminar as causas fundamentais de suas ações desesperadoras para viver (e viver no capitalismo significa consumo), o que se pode esperar é uma geração de cínicos e “santos do pau oco”, gerando uma situação ainda mais complexa, onde os assassinatos bárbaros nas famílias de classe média, como o recentemente ocorrido no próprio estado de São Paulo, no bairro do Brooklin, o caso do assassinato do engenheiro Manfred Richthofen e sua mulher Marisa, que teve a participação da filha do casal Suzane, e outros tantos casos, dominarem a cena do noticiário marrom. Ninguém subsiste a uma realidade sem viver esta realidade de fato, embora se possa pensar o contrário.
Do outro lado do problema o que encontramos de fato é um sistema agonizante, aonde a questão que está subjacente é a própria crise econômica, social e moral a que chegou a sociedade capitalista. A dita revolução cibernética violou totalmente o convívio familiar; o desenvolvimento das comunicações e da propaganda chegou à categoria de disciplina científica, atuando na consciência e subconsciência da juventude, tanto direta como subliminarmente, induzindo ao consumo dos objetos e artefatos da indústria mais sofisticados e supérfluos às necessidades básicas humanas. Nos filhos de classe média, nos filhos dos trabalhadores, empregados ou desempregados, nos filhos dos “miseráveis”, nos bairros mais longínquos ou nos bolsões de pobreza no coração das grandes metrópoles, as favelas, as idéias se propagam e a vida e o viver são associados ao consumo: os tênis e roupas de marca, os carrões de luxo, relógios, as mulheres, os restaurantes, a alienação da droga, tudo tem o seu preço, tudo quer dizer acumulação de riqueza e consumo de mercadorias. E o que fazer se quase dois terços da classe operária do país, devido os novos parâmetros tecnológicos na indústria, comércio e finanças, foram jogados no desemprego, crescendo a massa de famélicos na razão inversa da acumulação do capital num punhado de oligarcas burgueses?
Assim, por mais aparato que se construa, por mais leis que se produzam, não há como subsistir por muito mais tempo numa sociedade em que 2 milhões de jovens entram no mercado de trabalho a cada ano ao passo que o emprego diminui e os rendimentos dos salários se comprimem ainda mais. O que esperar da juventude? Que ela aceite esta condição simplesmente? Que ela aprenda a passar fome sem reclamar? Que ela abra mão de viver simplesmente? Que ela não lute para consumir o que todo o aparato ideológico do Estado diz que ela deve consumir? É possível conter esta sociedade impondo uma lei contra a juventude para que ela não seja jovem? Não chega o HIV, a ditar o comportamento sexual, a igreja dizer o que é pecado ou inocência; o patrão dizer quem é empregado ou desempregado; o juiz dizer o certo ou errado, e a sociedade inteira olhar para o jovem com desconfiança? Além disso, querem ditar a idade criminosa, da idade biológica e psíquica, mas, neste caso, a questão é: de que juventude eles estão falando? Naturalmente, dos filhos da classe operária! Qualquer dia as oligarquias para ficarem bem com as camadas médias chegam à conclusão que a idade criminosa começa no útero; neste dia, o HIV deixará de ser uma doença para ser uma política de extermínio e punição dos pobres em nosso país.
Neste dia também se entenderá o que Karl Marx queria dizer: “Com a acumulação do capital produzida por ela mesma, a população trabalhadora produz, portanto, em volume crescente, os meios de sua própria redundância relativa. Essa é uma lei populacional peculiar ao modo de produção capitalista, assim como, de fato, cada modo de produção histórico tem suas leis populacionais particulares e historicamente válidas. Uma lei populacional abstrata só existe para planta e animal, à medida que o ser humano não interfere historicamente” (O Capital, Livro I, Vol 2, pp 201, Abril Cultural, SP, 1985).
Abaixo a tese da diminuição da maioridade penal!
Abaixo o sistema capitalista!
Só o comunismo libertará a juventude!
Rio de Janeiro, 5 de dezembro de 2003
P. I. Bvilla OC do PCML