Algumas considerações sobre o futuro governo Lula
A eleição do ex-líder sindical, Luiz Inácio Lula da Silva (Partido dos Trabalhadores), para presidente da República, abre uma nova página da história política nacional. Eleito com mais de 50 milhões de votos, quase o dobro do seu adversário – o ex-Ministro da Saúde, José Serra (PSDB), e candidato oficial do Governo FHC –, Lula condensa por um lado, a esperança da maioria esmagadora do povo pobre no país, que tem pressa em ver atendidas suas carências imediatas: emprego, alimentação, moradia, segurança, saúde e educação; demandas já insuportáveis para todos na sociedade, até mesmo para a própria burguesia. Por outro lado, condensa também a esperança da burguesia de encontrar uma saída diante da crise do capital e seu visível “emparedamento”, tanto pelo flanco do imperialismo, que parte para monopolizar o mercado nacional e das Américas através da ALCA sufocando o Mercosul; como pelo flanco dos trabalhadores e massas exploradas que, diante da cruel exploração e opressão, estão no limiar de uma explosão revolucionária. Deste modo, a eleição de Lula embora não represente uma revolução social, no sentido marxista do fenômeno histórico, representa uma grande mudança no processo político do país e que tem significado histórico decisivo para a luta da classe operária e das massas exploradas por dias melhores.
Naturalmente, para quem acompanha a situação nacional e internacional, a eleição de Lula não chega a ser uma surpresa e, em certo sentido, já era esperada, considerando as transformações políticas desencadeadas pela crise do capital nos países onde ela se manifestou a partir dos anos 90, década de virada de século. Foi assim no sudeste asiático. Lá, a crise forçou mudanças na composição do poder político de vários países: Coréia do Sul, Indonésia, Tailândia, Japão, etc. Também testemunham este fato, nossa América Latina, como se viu no México, Equador, Venezuela, Paraguai, Peru, Argentina e Colômbia. É fato que, diante da crise do capital, as classes sociais e segmentos intermediários busquem a solução através da mudança de dirigentes e de orientações políticas fracassadas; isto independe dos mecanismos institucionais existentes. No Brasil isto foi muito evidente no fim da Ditadura Militar: a movimentação da classe operária, da qual Lula foi um dos seus protagonistas, levou às mudanças que redundaram no retorno de vez do país ao regime “democrático burguês”, ou seja, às eleições diretas para presidente e demais dirigentes executivos e legislativos, processo que deu curso a onda de “Planos de estabilização econômica”. O desastrado governo de Collor de Melo e o seu Plano de confisco da poupança do povo ilustram bem esta tese. Quer dizer, a solução da crise do capital leva sempre, e inexoravelmente, a mudanças, pois não se deve esquecer que os agentes sociais são parte da crise econômica, sejam exploradores (burguesia), sejam os explorados (trabalhadores).
Ainda em 1994, quando do lançamento das “Teses Sobre a Revolução Brasileira”, sob o título “Reacender a Chama”, afirmava-se que uma nova crise do capital, ou seja, cíclica e geral, estava em curso, e que a qualquer momento poderíamos viver um crack financeiro internacional e uma conjuntura mundial similar à vivida em 1929. Um ano mais tarde, quando era lançado o “Manifesto 5 de Julho”, mais uma vez se afirmou que a crise do capital se refletiria no Brasil de forma devastadora. Diferente da crise econômica que impulsionou o fim do regime militar, uma crise de acumulação interna que ficou sem o financiamento externo devido à mudança da política econômica do imperialismo do Keynesianismo para o Neoliberalismo. Naquela conjuntura, as reservas estratégicas do trabalho social (estatais – Petrobrás, Furnas, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal) e da natureza (fontes de matérias-primas e biodiversidade, Amazônia, Pantanal, Prata, etc) foram, em última instância, objeto dos “Planos de Reestruturação Econômica ou cartas de intenção ao FMI”. Hoje, não se poderia fazer o mesmo sem conseqüências graves em termos de consciência nacional; privatizar a Petrobrás ou a Furnas, vender parte da Amazônia, ou, qualquer outra forma de subtração das riquezas da nação despertaria a fúria do mais alienado brasileiro. Portanto, chegou ao fim a “farra das privatizações”, como política de governo que entrega o patrimônio nacional às oligarquias internacionais em troca do financiamento da reciclagem do capital fixo dos monopólios privados nacionais.
Também se pode dizer o mesmo em relação ao trabalho social, em sua forma viva, ou seja, a exploração da força de trabalho. Já não é possível rebaixar o preço da força de trabalho (salários), e massa de capital destinada ao trabalho, na equação do produto social [capital = trabalho vivo (força de trabalho ou capital variável) e trabalho morto ou capital constante (tecnologia, matérias primas, máquinas)]. Se pensarmos este processo a partir do monstruoso exército de reserva, que significa várias formas de desemprego (latente, flutuante e estagnado) e não apenas o que decorre da obsolescência da mão-de-obra frente às modernas tecnologias, veremos que 18% ou 20% de desempregados na grande São Paulo, que representa cerca de 40% do PIB do país, e que os custos com segurança, assistência social, não compensam esta política, pelo contrário, apenas sufoca ainda mais a atividade produtiva. Se pensarmos o rebaixamento dos salários pela ótica das políticas de flexibilização e desregulamentação, encontraremos seu subproduto no desemprego, na inadimplência, nos custos de estocagem da mercadoria e perdas de arrecadação do estado dada a fuga da atividade econômica para informalidade, portanto a razão direta para o caos social e todas as mazelas que impulsionam mais e mais as massas para a rebelião. O pânico ao seqüestro, à bala perdida, ao assalto, e toda sorte de manifestação da desagregação social são conseqüências inevitáveis e inexoráveis. Retirar direitos trabalhistas, prolongar a jornada de trabalho, diminuir salários, acelerar o ritmo da produção reduzindo os trabalhadores a apêndice da máquina, em síntese, intensificar a exploração da força de trabalho pela substituição do homem pela máquina encontra sempre seu limite na “Lei Geral da Acumulação Capitalista”, enunciada por Karl Marx, em “O Capital”, há quase dois séculos.
Foi com base nesta análise que concluímos, ainda no início dos anos 90, pela necessidade dos comunistas revolucionários e demais forças de esquerda se unirem em um grande movimento revolucionário de massas para conduzir o país a uma solução revolucionária diante da nova manifestação da crise do capital, se não quiséssemos cair na armadilha institucional e eleitoreira das oligarquias. Quando, no final de 1997, estourou a crise na Ásia, a exemplo do que já havia enunciado a crise no México, mais uma vez reiteramos a tese sobre uma nova manifestação da Crise Geral do Capital. No livro publicado sob o título “Crise na Ásia - o Tufão e a Muralha de Papel” indicamos que a crise se apresentaria em dois momentos em termos políticos; no primeiro, o discurso do governo em defesa do Real arrancaria o apoio das massas, unindo as oligarquias; o próprio fato de FHC ter chamado para si a responsabilidade de resolução da crise, arrancou da oposição a bandeira de luta contra a crise e em defesa do país. Contudo, haveria um segundo momento, em que o desgaste das medidas tomadas por FHC, pelo seu caráter demagógico, irresponsável e eleitoreiro, favoreceria a oposição. Daí é que reafirmávamos uma vez mais a necessidade da unidade dos Comunistas Revolucionários e das forças de Esquerda no país, pela constituição de amplo movimento de massas revolucionário para impedir que tal processo se consumasse, como então se consumou (FHC foi reeleito).
Mas eram tempos da euforia do “Real igual ao Dólar” e da “Inflação Zero”. A oposição no Brasil, inclusive Lula e o PT, reduziu suas críticas apenas a distribuição dos benefícios do Real e algumas falcatruas do governo, em relação às privatizações e o PROER. A oposição combatia em parte os reflexos da crise do capital no país, presentes na política econômica dominante – o neoliberalismo –, mas sequer sabia ou tinha uma idéia precisa de que crise se tratava, e pior, de que já era um fato. E foi assim que o discurso contra a especulação, o ataque ao Real, eclipsou todos os outros problemas, mesmo os de corrupção do governo, e as oligarquias saíram do gargalo eleitoral sem negociar ou ceder nada e FHC foi reeleito. Entretanto, se saíram do gargalo eleitoral, não saíram do gargalo da crise, cada vez mais apertado, chegando ao presente momento em que todo o país está sobre uma pressão enorme, tanto do lado do imperialismo que exige cada vez mais concessões das oligarquias burguesas locais, quanto da classe operária e massas exploradas que já não suportam mais a terrível opressão e estão por um triz da explosão. E, justamente, nesta conjuntura as massas resolveram mudar o comando do país elegendo um ex-operário e sindicalista como Presidente. O povo tem pressa, porque tem fome, mas o governo de Lula andará a passos de cágado, porque não pode ir além de uma campanha franciscana contra a fome; o povo tem pressa porque está desempregado, mas o governo de Lula só pode declarar intenções, abrir umas poucas frentes de trabalho e implorar aos empresários para que contrariem a lei do exército de reserva no capitalismo; e assim por diante, o que é válido para o problema dos Sem-Teto, dos Sem-Terra.
Eis uma contradição que se pode antever no governo Lula: ele quer, o povo necessita, mas ele não vai poder fazer nada; seja pelos compromissos assumidos durante a campanha com as oligarquias, seja pelo seu horizonte ideológico. Agora, imaginem vocês, se ao contrário deste processo institucional, as massas tivessem avançado sob comando de um movimento revolucionário e chegassem ao poder? Quem poderia impedir que se realizassem mudanças de fato no país? Digam o que poderia fazer o FMI, a CIA, FHC e etc. contra um governo popular surgido das massas? Quem tem fome tem pressa, disse o Betinho, mas para saber qual o caminho mais curto e seguro para se saciar a fome é preciso raciocinar com a cabeça e não com a barriga. Contudo, exigir isto das massas é no mínimo falta de raciocínio também. É verdade, não conseguimos criar este movimento revolucionário de massas pelo qual nos batemos desde 1994, mas quem pode duvidar que durante um governo de significados tão díspares para as classes sociais no país, não se gerará o conflito necessário para que este sonho se torne realidade? Acreditar num pacto social entre o capital e o trabalho é o mesmo que acreditar no pacto entre raposas e galinhas, ou entre lobos e ovelhas. Então, porque não unir todos os comunistas revolucionários e setores de esquerda através de uma plataforma de ação e programa comunista? A eleição de Lula é uma sinalização muito concreta do que espera o povo brasileiro de suas lideranças, e a nossa tarefa é constituir uma força capaz de mostrar a este povo que só ele poderá realizar a mudança que necessita, de forma direta e não eletiva, através da Revolução e não da reforma. A Plataforma Comunista é a luta pela unidade dos partidos e organizações revolucionárias, como base de um grande movimento revolucionário de massas em nosso país.
Rio de Janeiro, 31 de Outubro de 2002
P. I. Bvilla P/ OC do PCML