Votar em Lula é um voto no Brasil

Chegou a hora da decisão. O “Brasil vai às urnas”, e este fato independe de nossa vontade, que, naturalmente, preferiríamos que se realizasse em outras condições. Neste sentido, melhor que contemplar as eleições burguesas e/ou maldizê-las ou ignorá-las, nossa atitude é interferir neste acontecimento. E isto é tão mais necessário quando estabelecemos a relação entre as eleições presidenciais no Brasil e a conjuntura internacional, em particular, a que vivenciamos no Cone Sul. Nesta, o impacto da ALCA, Plano Colômbia e a Guerra nas Estrelas, põe em jogo a soberania dos países do continente sobre o Mercosul, a Bacia Cisplatina (Tríplice Fronteira) e a Amazônia, pois são partes básicas da estratégia dos EUA para manterem a hegemonia mundial, econômica e política. Portanto, o “Brasil que vai às urnas”, mais que um voto para eleger um Presidente estará, na verdade, dando um voto contra ou a favor à esta estratégia dos EUA, pois dependendo dos candidatos e partidos que dominem o governo, eles concordarão ou não com a estratégia americana, e, conseqüentemente, apoiarão ou não a mesma.

Claro que nem todos entenderão desta forma o voto nestas eleições, particularmente, para aqueles cujo voto representa apenas um meio para manter privilégios e maracutaias ou ainda, pura e simplesmente, o sistema de dominação e exploração capitalista no país. Para estes, pouco importa que todo este processo se consuma num sistema social, como se sabe, cada vez mais apoiado na dependência e submissão ao imperialismo norte-americano e cada vez menos nas próprias forças do país, isto é, no povo brasileiro, em especial, em sua classe operária. Assim não serão poucos e menos poderosos os que estão nas ruas a pedir voto em troca da bica d’água, do bico de luz, do asfalto, do esgoto, da telha, do emprego, da bolsa-escola, do cheque-cidadão, etc e etc. Até os candidatos da reação e do governo FHC que jogaram o país neste atoleiro, com um discurso de oposição ou distanciados do poder, pedem o voto em troca de promessas que contrariam tudo aquilo que fizeram ao longo de 8 anos de governo. Quem poderia negar que a política econômica de FHC, ditada pelo FMI, conhecida mundialmente como neoliberalismo foi a protagonista da intensificação da miséria e fome no Brasil? Quem não viu que as crises, guerras, pragas e doenças que tomaram conta da conjuntura internacional, invadem o país e o arrasta para um atoleiro muito maior que o atual?

Quem se maldiz da praga do desemprego, que envergonha homens, mulheres e jovens responsáveis, e afoga as aspirações de dias melhores e um futuro digno; quem se indigna com a violência e tráfico de drogas e a opressão policial, que está aniquilando a juventude; quem abaixa a cabeça e dissimula a revolta com a submissão do país aos ditames dos EUA que exige a ALCA, Cisplatina, Amazônia e o alinhamento incondicional aos seus estratagemas de domínio continental e mundial, não pode deixar de saber que a raiz desse problema está em dois fatores: por um lado no sistema social capitalista, que em si já é um sistema de opressão e exploração “do homem pelo homem”, portanto, de um regime de desigualdade, injustiça e opressão entre as classes sociais; por outro, nas políticas de submissão ao imperialismo, tais como o “neoliberalismo”, que historicamente são levadas a cabo pelas classes dominantes, isto é, a classe burguesa. Deste modo, a injustiça do sistema se soma à covardia, ultraje e cinismo das classes dominantes fazendo com que nossa dor seja mais doída que a de outros países que sobrevivem neste mesmo sistema social. É fato que nestes últimos as dores são diferentes, como exemplo, a dor do medo ao “terrorismo” sentida pelo povo norte-americano, israelense ou inglês, mas lá a dor é com barriga cheia. Uma criança norte-americana come 36 vezes mais que uma criança latino-americana e 56 vezes mais que uma africana, em média.

O “Brasil que vai às urnas”, deste modo, está tão mais comprometido com toda esta situação internacional e nacional do que supõe. De um lado, porque como o maior país da América do Sul e pelo domínio que tem sobre as regiões geoestratégicas pode ou não exercer uma liderança maior e ter um papel mais efetivo no plano internacional, abrindo mercados ou mesmo conquistando posições mais vantajosas, como é o caso da ampliação do seu comércio e intercâmbio com os países na América Latina (Venezuela, Argentina, Cuba), Oriente Médio, Ásia e África. Isto, sem considerar sua importância estratégica para toda a Europa, que tenta se firmar como conjunto geoestratégico independente do domínio dos EUA. Mas esta ação externa depende muito do poder interno, ou seja, do poder e independência que o Brasil possua em relação ao seu próprio domínio e território, em síntese, sua soberania nacional e capacidade de defesa da mesma. O que não se pode fazer com submissão ou governos títeres aos interesses norte-americanos. Neste particular, qualquer que seja o discurso do candidato, se sua plataforma não coloca a soberania do país sob primeiro plano o voto está comprometido. Aqui é importante lembrar que sempre que se fala de nacionalismo e soberania nacional surge um “engraçadinho” para reivindicar a tese do internacionalismo proletário e defender a internacionalização da Amazônia. Mas nós, comunistas revolucionários, sabemos que isto só é válido quando falamos de um mundo comunista, ou seja, após a revolução e não antes, logo, este contrabando não é válido como argumento. Quem duvide, que verifique os patrocinadores das ONGs que defendem a internacionalização da Amazônia, e comprove se não são os grandes laboratórios químicos e farmacêuticos internacionais. Aqui, também encerra o assunto.

Deste modo o que resta saber é: quem tendo o discurso da soberania é capaz realmente de levar às últimas conseqüências esta luta? É claro que à esta pergunta não encontraremos uma resposta precisa neste momento histórico nacional. Porque nele, justamente, aqueles que poderiam, mesmo que equivocadamente, levar às últimas conseqüências esta luta não estão em condições eleitorais para chegarem ao governo, e aqui não falo apenas dos comunistas revolucionários, falo particularmente dos nacionalistas, reduzidos neste processo eleitoral ao apoio aos trânsfugas de esquerda e direita que compõem a candidatura de Ciro Gomes, e que foi completamente desmoralizada pelo candidato de FHC, José Serra, em conseqüência, sem chances de vitória. Na outra ponta, os candidatos que por uma razão tática poderiam sustentar uma posição de ruptura com o imperialismo, como é o caso do Sr. José Maria, do PSTU ou mesmo, o Sr. Ruy Pimenta, do PCO, menos que os nacionalistas do PDT, de Brizola, ou do PRONA, do Enéas, sequer ameaçam as estruturas de fato dentro das regras do jogo eleitoral burguês, portanto, não se poderia ter em conta como um voto capaz de intervir de fato no processo eleitoral, a não ser por uma posição meramente idealista e sem efeito prático. Assim, sobra o PT de Luiz Inácio Lula da Silva, não tanto pelo discurso, que ainda mantém uma linha de ruptura “negociada” com imperialismo, mas pela própria coerção de suas bases de apoio que, centradas na classe operária, camadas médias e em setores da burguesia nacional e internacional que, no tabuleiro mundial, preferem um “Brasil mais independente dos EUA”, o impulsionarão à condição de ruptura.

Claro, que muitos poderão contestar nossa decisão de votar em Lula, entendendo este voto como “um voto no Brasil”. Os argumentos são arquiconhecidos: Lula não está preparado para ser o Presidente da República pois é de origem operária, não tem diploma universitário e é nordestino, e toda gama de preconceitos seculares com que as oligarquias burguesas do país sustentam e encobrem seu sistema de exploração de classe e opressão sobre o proletariado. Por outro lado, estes argumentos ao invés de mancharem a dignidade de Lula apenas alimentam a revolta da imensa maioria do povo pobre e oprimido em nosso país, tantas e tantas vezes humilhado por estes preconceitos. Além disto, eles revelam uma completa incoerência dos postulantes, pois, como alguém, com clareza de idéias, pode clamar por um governante onisciente, onipotente, onipresente? Assim, a dependência que Lula terá de técnicos e especialistas para dirigir e executar as tarefas das diferentes áreas do governo apenas o tornará mais democrático, em vez de prepotente e arrogante, como foi o caso de FHC. Portanto, não devemos nos preocupar com este fato, pois a todos estes argumentos e preconceitos podemos responder com um único argumento, ou seja, o do “sentido da política”. Este sim, um dado fundamental e que brota da sensibilidade do homem e não da sua formação técnica. E, se tratando deste fator, a origem de classe de Lula e sua história no movimento operário lhe dá todo o conteúdo para que o sentido da sua política seja do interesse de classe do proletariado.

Vemos assim que o voto em Lula é um voto no Brasil, pois vai no sentido dos interesses da soberania nacional e nos interesses do proletariado, contudo, não é o suficiente para que isto se realize plenamente, pois não podemos esquecer que se trata de um governo burguês dirigido por um operário, empírico e com base técnica eclética. Além disso, um governo limitado pelo poder econômico que se encontra nas mãos das oligarquias burguesas e do imperialismo no país. Um outro dado importante é que a política neoliberal de FHC não só privatizou as estatais estratégicas, reduzindo a capacidade de intervenção do governo na economia da sociedade, como amarrou o sistema financeiro nacional ao FMI colocando o país numa tremenda “saia justa”. Mas o que é mais preocupante não é saber todas as limitações e barreiras que atuarão manietando o governo Lula, mas o fato extremamente contraditório destas eleições e que revela quase literalmente a situação sine qua non que atravessa o Brasil: enquanto para Presidente da República a tendência do povo é eleger Lula no primeiro turno; a tendência eleitoral nos estados é manter ou até mesmo avançar o domínio das oligarquias e governos direitistas. Esta espetacular contradição de eleger juntamente com Lula, um Congresso Nacional e governos estaduais ainda mais reacionários, mais que expressar o conflito social nesta superestrutura, de forma mais aberta e efetiva, expressa também a emergência da situação e crise revolucionária em todo o país.

Assim, chega-se ao fundo da questão. O que os comunistas revolucionários podem fazer nesta conjuntura em que as condições objetivas para a revolução são visíveis sem que o mesmo aconteça com as condições subjetivas, senão buscar o caminho do desenvolvimento desta? Nossa resposta é apoiar na conjuntura as forças que impulsionarão a solução deste impasse, tornando as condições subjetivas para revolução (um Partido Revolucionário) uma necessidade imediata e fundamental para a classe operária, e apontar um caminho concreto, para a revolução de fato. Eis porque nosso voto em Lula se faz acompanhar de uma Plataforma Comunista: nossa proposta de solução da contradição fundamental de nossa sociedade. Entendemos que num governo Lula todas as contradições sociais ficarão mais expostas e, portanto, mais fácil do povo compreender o real dilema nacional e sua solução. Para nós do Partido Comunista Marxista-Leninista, este caminho no plano nacional e internacional é unir a luta contra a estratégia dos EUA de dominar o mundo a um programa de transição do capitalismo para o Comunismo, pois somente neste sistema, como demonstra Cuba, China, Coréia do Norte, Vietnã, e durante 72 anos a ex-URSS, é possível combinar desenvolvimento social com soberania e paz com justiça social para todos. Se Lula no Brasil não representa esta transição, o que é um fato, pelo menos seu governo cria as condições para se avançar neste sentido. Com a eleição de Lula, a constituição da Plataforma Comunista se apresentará como a questão central e urgente para todos os comunistas revolucionários, o proletariado e massas exploradas em geral.

Nosso voto em Luiz Inácio Lula da Silva é um voto no Brasil! Um voto na classe operária, um voto na Plataforma Comunista!
Viva os 11 anos de luta do Jornal INVERTA!

Rio de Janeiro 22 de setembro de 2002