A Conferência sobre o Racismo
Quem acredita que a ONU possa submeter os imperialistas dos EUA, Israel e da UE à decisão desta Conferência sobre o Racismo, considerando este último como crime contra a humanidade, se em 1948 foi realizada a Convenção para prevenção e Sanção do Crime de Genocídio, que limitou-se apenas aos judeus? Quem reconheceria que é racista, logo um criminoso contra a humanidade e estaria disposto a moral e materialmente reparar este crime, se em 1963 foi proclamada a Declaração sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial e até hoje esta é uma prática presente em quase todas as sociedades? Que instrumentos possui a ONU para fazer valer suas decisões frente aos estados, organizações e indivíduos racistas, se em 1973 foi realizada a Convenção Internacional para a Repressão e o Castigo do Crime do Apartheid e, no entanto, foi preciso que o Congresso Nacional Africano chegasse à luta armada para acabar com este regime e libertar Nelson Mandela? Quem, sob a sombra da impunidade dos imperialistas, que dizimam a população africana, massacram a população indígena e miscigenada, praticam o apartheid contra os palestinos, perseguem os migrantes, aceitaria cumprir as resoluções da ONU?
A resposta a estas indagações encontramos na atitude dos EUA e de Israel, ao se retirarem da Conferência, não lhe conferindo legitimidade; ou na demagogia do Brasil e países europeus que se propõem a fazer mea-culpa, e já acham muito, mas não reconheceriam que países foram beneficiados ou prejudicados com o tráfico de escravos; pois tal fato alimentaria processos que os levariam às barras do tribunal de Haia. E isto seria um paradoxo para os imperialistas, afinal são eles que querem levar africanos, palestinos, latinos e asiáticos às barras do tribunal de Haia por "Crimes Contra a Humanidade"! Querem Milosevic, mas não Ariel Sharon! Querem Fidel, Yasser Arafat e talvez amanhã Hugo Chaves, em última análise, até Pinochet e Fujimori, mas nunca Henry Kissinger, Margareth Tatcher e outros... Como pode uma "juíza suíça", cevada no ouro nazista depositado em seus bancos, se achar digna para julgar o povo iugoslavo e seus dirigentes, que já resistiram ao nazismo e auxiliaram a humanidade a se libertar da escravidão, por se defenderem novamente dos mesmos que no passado foram cúmplices do nazismo? Quem na Europa seria capaz de liderar um julgamento com dignidade e imparcialidade diante deste problema? Quem, a burguesia?
Quem não compreenda a essência do racismo não pode entender como no curso da história se chegou aos regimes racistas atuais sobre diferentes formas: desde o apartheid que ainda subsiste na África até o nazismo aberto de Israel, governado pelo monstro sanguinário que exterminou milhares de palestinos nos territórios de Sabra e Chatila; desde a forma do multiculturalismo americano, que desencadeou a doença mental do ódio racial responsável pelas imoralidades da KKK; até a "demagogia racial", ou seja, a "democracia racial" no Brasil, que esconde o racismo, como quem esconde o passado de mucamas e chibatas; até, finalmente, o neonazismo da Europa contra os imigrantes, que avança sobre o culto popular da eugenia frente ao mercado de trabalho. O problema crucial do racismo não são apenas os flagelos da discriminação e do preconceito racial, estes são problemas muito limitados diante do seu verdadeiro caráter: uma ideologia que justifica a exploração e a opressão do homem pelo homem tanto na sociedade escravista, como na capitalista dos dias atuais. Portanto, representa tão somente a ponta de um iceberg que denuncia um contínuo processo de acumulação primitiva de capital sobre contigentes populacionais definidos, seja pela etnia, cor, ideologia e práticas sociais, amalgamados no sistema de exploração e opressão de classe social, recriando ou mantendo o trabalho forçado (escravo, servil, ou superexploração), para além do sistema de exploração institucionalizado.
Nos períodos de crise geral do capitalismo, como o que vivemos, todos estes aspectos sociais retrógrados e bárbaros são realçados denunciando práticas que a até então se mantinham nas sombras mas que agora saltam aos olhos pelo crescimento absoluto desta forma de exploração e opressão. Neste contexto, não poderia uma sociedade conviver com milhares de homens, mulheres e jovens desempregados sem uma justificativa extra-oficial, popular, como é a questão racial. Como a Europa ou Estados Unidos ou ainda países como o Brasil justificariam o fato de que a maioria dos seus desempregados sejam negros e mestiços? Como o imperialismo norte-americano poderia mascarar que a maioria da sua população carcerária se constitui de negros ou mestiços? Mas não é só isso, quem limparia a sujeira dos poderosos, amamentaria e cuidaria dos seus filhos ou ainda zelaria por sua segurança, senão os negros, mestiços e asiáticos? Quem estude a essência do fenômeno do racismo encontrará nas teorias da eugenia, biológica ou teológica, uma ideologia que, no curso da passagem do comunismo primitivo para o modo de produção escravista, alimentou a divisão do trabalho, crescimento demográfico e escassez, conduzindo as guerras entre agrupamentos humanos por terras férteis, alimentação, água potável ou reprodução (rapto de mulheres) etc., ao trabalho escravo. Não tardou para que a forma de propriedade mudasse o caráter: de propriedade coletiva em propriedade individual e oligárquica.
Assim, pelo estatuto da propriedade privada negou-se o modo de produção comunista primitivo afirmando-se o modo de produção escravista, daí em diante o processo apenas se sofisticou, avançando de modo de produção para outro, alterando-se o caráter da propriedade privada e as relações de produção. Em todos os processos, a idéia de eugenia não somente foi a base ideológica do processo de produção, como também criou a base para a organização de uma vanguarda que conduzisse o processo histórico de transformação da sociedade. Moisés conduziu os hebreus pelo mar Vermelho porque eram o "povo escolhido"; o mesmo aconteceu quando Hitler levantou toda a Alemanha em guerra contra os judeus, ciganos e comunistas, porque a raça pura alemã era superior a todas. Onde se buscou uma determinação teológica ou materialista vulgar, do tipo "natureza humana" ou a variante biológica (raça pura e superior), para se justificar por que alguns possuem e outros não possuem propriedade, nos encontramos diante de uma variável ideológica e fetichista. No capitalismo, isto é por demais evidente, é só pegar Adam Smith que se encontrará a idéia de que uns nascem para serem capitalistas e outros não, para isso basta lembrar o conto de Daniel Defoe: "As aventuras de Robinson Crusoé", onde encontramos Robinson Crusoé e o Sexta-feira. O primeiro dirige, é o chefe; o segundo obedece.
Mas não seria com base nestas estorinhas que se poderia justificar um quadro mundial onde cerca de 1,3 bilhões de seres humanos estão desempregados; onde quase dois bilhões, numa população de 5, 3 bilhões, vivem com menos de 0,5 centavos de dólar por dia, ou seja, em miséria absoluta, carente de tudo, se matando em guerras fratricidas ou especulativas, como é a papel de Israel no Golfo. Quem se fixe nestes números verá que do total de desempregados quase 80% são negros, mestiços, indígenas e etc. Que nas prisões carcerárias de todo mundo, ali estarão o negro, o mestiço e o indígena, sofrendo mais que os demais. Pois enquanto não se descobrir que o fundamento do racismo está na propriedade e esta última na divisão da sociedade em classes sociais antagônicas e opostas, continuaremos penando de governo em governo, a esperar por um milagre na consciência de nossos compatriotas. Porque, para além das condenações e sanções que a ONU possa imputar aos Estados Unidos e Israel, o problema maior a ser resolvido é a abolição do sistema social que impede a humanidade de se libertar dos preconceitos e ideologias racistas; a abolição do sistema capitalista e a instauração de uma nova sociedade, sem explorados e exploradores, opressores e oprimidos: a sociedade comunista. Neste contexto só o avanço da revolução mundial poderá limpar o mundo desta mancha histórica.
Entre a condenação do racismo e a aplicação de sanções aos EUA, Israel e Europa, resta caminhar na denúncia imediata da pior forma de racismo: o genocídio e extermínio. Na África mais de um bilhão de pessoas estão condenados à morte pelo vírus HIV; enquanto na Palestina, o massacre e extermínio já estão na esfera da guerra tradicional com disparos de canhões e helicópteros, lança foguetes, e baionetas, além da fumigação de venenos para as plantas e a humanidade. É preciso colocar no papel o estrago do imperialismo que pensa poder voltar a usar calças curtas. O momento atual é de extrema tensão em todo mundo; a brutal concentração de renda e a recessão mundial, crescentes, apenas criam, no imaginário social, a idéia de fatalidade. Pois a felicidade mesmo, total, só virá com o fim do sistema capitalista e a implantação do socialismo no país.
Rio de Janeiro, 05 de setembro de 2001
P. I. Bvilla pelo OC do PCML