“Guerra nas Estrelas”: um projeto vulnerável

A reabertura do projeto militar americano denominado “Guerra nas estrelas” pelo presidente conservador George Bush é uma ameaça à paz mundial. Bush traz de volta ao mundo o terror de serem colocadas no Espaço armas nucleares de extrema destruição com potencial superior às empregadas pelos Estados Unidos em Hiroshima e Nagasaki na segunda guerra, matando mais de 200 mil pessoas nas duas explosões. Leia o artigo publicado sobre o programa inicial, na revista soviética Em Foco, em 1987.

“Guerra nas Estrelas”: um projeto vulnerável

Fonte: Em Foco, revista mensal de informação cultural sobre a URSS, março de 1987



A reabertura do projeto militar americano denominado “Guerra nas estrelas” pelo presidente conservador George Bush é uma ameaça à paz mundial. Bush traz de volta ao mundo o terror de serem colocadas no Espaço armas nucleares de extrema destruição com potencial superior às empregadas pelos Estados Unidos em Hiroshima e Nagasaki na segunda guerra, matando mais de 200 mil pessoas nas duas explosões. Há quase vinte anos atrás, antes da dissolução, cientistas soviéticos alertavam para os perigos da aplicação do projeto que os EUA já vinham tentando implementar desde aquela época. Eis o artigo publicado na Revista “Em Foco”, que INVERTA republica com exclusividade. 


Cientistas soviéticos analisam as repercussões militares do Programa dos EUA

De que modo a União Soviética poderia reagir à iniciativa de Defesa Estratégica (IDE), isto é, à colocação do espaço, pelos Estados Unidos, de armas nucleares de destruição?

A URSS dispõe de suficiente potencial técnico-científico e econômico para encontrar uma resposta efetiva a qualquer desafio dos Estados Unidos na esfera técnico-militar e criar seu próprio sistema espacial de defesa antimíssil.

Esta reportagem, baseada em minuciosas pesquisas realizadas nos últimos anos por cientistas soviéticos, cujas opiniões estão nos estudos elaborados pelo Comitê de Cientistas Soviéticos em Defesa da Paz e Contra a Ameaça Nuclear (CCS), mostra uma série de variantes ótimas de resposta ao programa “Guerra nas Estrelas” dos EUA.



Onde buscar a melhor resposta?

Uma das conclusões mais importantes extraídas desta série de estudos do CCS é a seguinte: é impossível determinar a variante ótima de defesa da ABM, se tanto os Estados Unidos como a União Soviética dispõem dela. Numa situação estratégica em que os dois lados possuem armas antimísseis espaciais, ocorreria inevitavelmente uma situação de instabilidade: os meios cósmicos ABM poderiam neutralizar com um primeiro ataque seu “homólogo” do outro lado. Além do mais, quem desferisse o primeiro golpe só utilizaria parte insignificante de seu parque de munições para derrotar os meios espaciais contrários. Não obstante, a principal característica das medidas para responder às armas cósmicas de destruição se reduz a que, qualquer que seja o tipo de ataque nuclear, a resposta seja capaz de causar um dano irremediável ao agressor.

Quais são os possíveis meios e contramedidas de reação ótimos?

Na opinião dos especialistas do CCS, os elementos mais vulneráveis do sistema de defesa ABM são:

o sistema de comunicações espaciais, que pode ficar avariado, bloqueado ou até completamente inutilizado; o sistema de comando operativo, cujos principais objetivos são os computadores centrais de controle, que serão empregados em quantidade reduzida por seu grau de sofisticação e custo; os diversos portadores e sistemas energéticos (instalações energéticas nucleares, explosivos, combustíveis e carburantes).

Segundo o caráter de seu efeito, as possíveis contramedidas podem ser ativas ou passivas e incluir tanto o desenvolvimento dos meios especiais de neutralização e destruição dos elementos do sistema ABM escalonado, como também o incremento, modificação e diversificação dos armamentos nucleares estratégicos.


guerra nas estrelas

Gráfico de um sistema de defesa antimíssil idealizado como elemento fundamental do primeiro golpe nuclear.Pelo projeto norte-americano, seu sistema permitiria um golpe contra a URSS vinculado à destruição simultânea dos mísseis soviéticos dirigidos contra os EUA. A crença do funcionamento efetivo desse sistema evidentemente despertou nos meios mais agressivos a tentação de um primeiro ataque. os números do gráfico mostram como o sistema funcionava.
1) golpe de resposta da URSS; 2) aparelho de laser químico; 3) acelerador de partículas elementares; 4) laser de raios a propulsão nuclear; 5) Canhão eletromagnético; 6) satélites com mísseis autodirigidos de pequeno porte; 7) projétil autodirigido de intercepção; 8) antimísseis de longo e curto raio de ação; 9) zona de destruição das ogivas no trecho final do vôo; 10) zona de destruição das partes dianteiras dos mísseis e das ogivas; 11) zona de destruição dos mísseis balísticos internacionais; 12) o primeiro golpe do EUA; 13) EUA; 14) URSS. 


Contra-medidas passivas

Segundo se sabe, uma das principais missões que a defesa espacial escalonada deve cumprir é a destruição dos ICBM no trajeto ativo de seu vôo. Imediatamente depois de sair da atmosfera o míssil se converte em alvo de um laser químico ou de raios x, instalado sobre uma plataforma espacial. Mas os cálculos mostram que se pode aumentar a invulnerabilidade dos ICBM, reduzindo a duração de seu trajeto ativo. De acordo com os especialistas, ele pode ser reduzido a 40 segundos e o míssil pode concluir o seu percurso a altitudes não superiores a 80 quilômetros, o que criará maiores dificuldades para os sistemas de detecção, acompanhamento guia e, em conseqüência, diminuirá a eficácia dos meios ABM.

Os demais meios para neutralizar o sistema ABM no trajeto ativo se reduzem a medidas que dificultem a orientação dos meios ABM e reforcem o corpo dos mísseis.

No primeiro grupo de medidas dessa natureza figura a mudança da luminosidade da combustão e da configuração da chama que escapa do motor do míssil. O que serve de alvo não é a chama; porém, o sistema de orientação a laser determina por radiação infravermelha a posição do míssil em relação à chama e ao motor.

Assim, não é muito difícil “confundir” o laser, complicando sua orientação até o corpo do míssil; basta mudar a configuração e a luminosidade da chama de escapamento, isto é, tornar a combustão instável, o que se consegue facilmente acrescentando aditivos ao propergol.

Existem também outros métodos de proteção aos mísseis contra o raio laser. Poder-se-ia, por exemplo, reforçar o corpo do míssil com revestimentos refletores ou absorventes, ou imprimir ao míssil um movimento giratório ao redor do seu próprio eixo longitudinal, o que impede a fixação do raio laser em determinado ponto do míssil. Pode ainda ser eficaz dotar o corpo do míssil de outro sistema de resfriamento ou instalar nele uma tela absorvente móvel, que se movimente para a zona mais quente.

Outra possibilidade é lançar “mísseis falsos”, dotados de um sistema de direção simplificado e sem carga nuclear. A melhoria da invulnerabilidade dos ICBM neste trajeto dificultaria em grande medida sua interpretação por meios espaciais, em todas as fases posteriores do vôo, em que também é possível adotar todo um conjunto de contra-medidas passivas.

Depois da cabeça se separar do último estágio do foguete e a ogiva se dividir em cargas independentes, os meios ABM teriam um número muito maior de objetivos a identificar e interceptar: durante um ataque maciço, esse número pode chegar a dezenas de milhares. O descobrimento e o acompanhamento dos objetivos, no caso concreto das ogivas nucleares, nesta fase do vôo, devem ser realizados com a ajuda de um variado conjunto de meios ativos e passivos, inclusive meios óticos, infravermelhos, de radiolocalização, etc, instalados na terra, no ar e no espaço.

Os objetivos falsos constituem uma das medidas mais eficazes para neutralizar esses meios. Por exemplo, paralelamente à divisão das ogivas. Para neutralizar os meios infravermelhos de descoberta e acompanhamentos, pode ser usada a dispersão, ao redor da ogiva, de uma nuvem de aerosol que constitui fonte de irradiação infravermelha e que permite camuflar a própria radiação térmica das ogivas.

A capacidade dos sensores da defesa cósmica ABM pode diminuir consideravelmente se forem empregados meios de neutralização e falsificação de sinais e interferências eletrônicas.

Na etapa final da trajetória (durante a entrada na atmosfera), em virtude de diferença de peso e propriedades aerodinâmicas, as ogivas e objetivos falsos podem ser diferenciados pelos sensores do sistema ABM. Mas esta etapa não dura mais de 60 segundos, o que exige meios rápidos de interceptação. Em contrapartida a esses meios, podem ser utilizadas ogivas altamente manobráveis e velozes. Pode-se empregar, também, um método como o aumento da potência das ogivas ou utilizar detonadores especiais que prevejam a destruição das ogivas.



Contra-medidas ativas

Entre as contra-medidas ativas, podem figurar diversos sistemas instalados na terra, no mar, no ar e no cosmos, que utilizem como força destruidora a energia cinética (de foguetes e projéteis), os raios laser e outros. As contra-medidas ativas se tornam amplamente eficazes contra os elementos da defesa ABM espacial estacionados durante muito tempo em órbita de parâmetros conhecidos, o que facilita muito a tarefa de neutralizá-los e até destruí-los fisicamente.

Eis alguns desses meios:

- mísseis pequenos instalados em diversos meios. Seu alvo principal pode ser o sistema de estações de combate, destinado a destruir mísseis estratégicos;

-“minas cósmicas”, ou seja, uma nuvem de objetos pequenos que se movem a alta velocidade em órbitas das estações de combate do adversário. Acionados por ordem dada da Terra, estes artefatos poderiam neutralizar simultaneamente numerosas estações;

- laser terrestre de grande potência, destinado a neutralizar as estações de combate espaciais;

- “metralhas cósmicas”, ou seja, uma nuvem de objetos que se movem a alta velocidade em órbitas das estações de combate. São contra-medidas de alta eficácia, pois até uma partícula de 30 gramas que se move em direção contrária, com uma velocidade de 15 quilômetros por segundo, é capaz de perfurar uma placa protetora de aço (uma placa que envolve a estação) de até 15 cm de espessura, sem falar dos sistemas energéticos, tanques de combustível e espelhos refletores.

Quanto à escolha dos meios capazes de neutralizar a colocação no cosmos de laser de raios x impulsionados por energia nuclear, deve-se assinalar o seguinte: de acordo com uma das concepções da IDE, pensa-se em colocá-los em órbita no último momento, através de foguetes instalados em submarinos. Estes submarinos têm que ser mantidos nas águas oceânicas junto às fronteiras da URSS: na Zona Norte do Oceano Índico ou nas águas do Mar do Norte. Este esquema se torna obviamente vulnerável para os meios de defesa anti-submarina.

Entre os armamentos cósmicos, serão muito vulneráveis os sistemas de localização e orientação.



Aperfeiçoamento dos mísseis nucleares estratégicos

O desenvolvimento pelos Estados Unidos de amplo sistema ABM, ou de alguns de seus componentes de combate, constituirá uma violação direta ao Tratado sobre Mísseis Antibalísticos (ABM), de 1972. Em virtude dessa situação, para não prejudicar sua segurança, a URSS poderá se considerar livre de observar tanto o artigo 12 desse Tratado, que proíbe adotar intencionalmente medidas de camuflagem que dificultem o controle através dos meios técnicos nacionais, como o Tratado SALT-2, que os Estados Unidos se recusaram a ratificar, o qual limita o número do ICBM e a construção de um número maior de foguetes lançadores.

O aumento do número de ICBM e a possibilidade  de empregá-los em grande quantidade para lançar um ataque de represália criarão, indubitavelmente, um maior número de dificuldades para o sistema cósmico ABM, provocará uma brusca diminuição da eficácia do sistema de intercepção e orientação de meios de combate. O aumento do número de ogivas instaladas nos mísseis balísticos também pode provocar resultados análogos. Tudo isso diminuirá a capacidade do “escudo cósmico”.

Ainda, como medida para manter a capacidade de desferir um golpe de represália adequado, é preciso fazer referência a um provável incremento do potencial de armamentos que por enquanto carecem de meios de intercepções correspondentes. Entre esses armamentos podem figurar mísseis balísticos em submarinos e mísseis tipo cruzeiro de todo tipo.

Alguns partidários da IDE consideram suficientemente estável a estrutura da defesa ABM no cosmos, partindo da falsa premissa de que os elementos que conformam o complexo ABM são autônomos, sem levar em conta a diversidade de possíveis contra-medidas. Mas, na realidade, os diferentes elementos da defesa ABM são inter-relacionados pela simples razão de que se baseiam num sistema de controle geral de combate (detecção, acompanhamento, determinação de alvos, orientação). Isto constitui o “calcanhar de Aquiles” do programa IDE, pois quando um de seus componentes é afetado, a eficácia de todo o sistema diminui.

A opinião dos cientistas soviéticos é categórica: a combinação das contra-medidas mencionadas praticamente neutraliza o perigo de que, com a criação da IDE, a paridade estratégico-militar seja alterada. Além do mais, essas contramedidas são muito menos custosas: uma escassa percentagem do que custa a instalação do sistema ABM cósmico. E, mais ainda, as contramedidas são, em seu conjunto, muito menos vulneráveis, mais estáveis e seguras que a IDE.

Aqui uma interrogação pode ser formulada: por que, neste caso, estando segura da eficácia de suas contramedidas para o programa IDE, a União Soviética impugna com tanta insistência a sua efe-tivação prática?

Em primeiro lugar, o sistema de defesa cósmica ABM é ofensivo: seu emprego resulta conveniente apenas quando a parte que o possui é a primeira a atacar. Sem proteger, com segurança absoluta, contra o primeiro ataque concentrado (os prognósticos mais otimistas de seus partidários chegam a 80-90%), este sistema pode criar a perigosa ilusão de uma provável proteção contra o ataque de represália. Daí a ilusão da impunidade do primeiro ataque. Nisso reside o perigo do Programa IDE.

Segundo, a materialização do IDE dará início a uma corrida aos armamentos cósmicos de proporções incalculáveis, que exigirá gastos exorbitantes que as atuais despesas com armamentos parecerão quase nada. Por isso crêem os soviéticos, é muito mais conveniente canalizar esses meios para resolver os mais candentes problemas da humanidade, tais como a luta pela fome, a ajuda aos países em desenvolvimento, o fomento da saúde e a solução dos problemas ecológicos.