Ontem Mahuad, hoje Fujimori e amanhã Pastrana
Não era possível esperar outra coisa do desenrolar da crise política no Peru: a fuga espetacular de Fujimori entregando o país “ao Deus dará”. Mais uma vez a América Latina é protagonista de um espetáculo infame de mediocridade e safadeza institucionalizada. Depois do espetáculo vivido pelo Brasil, com a fuga de Collor; do México, com a fuga de Salinas de Gotary; do Equador, com a fuga Jamil Mahuad; agora quem nos proporciona um grande espetáculo é o Peru, com a espetacular fuga de Fujimori. Naturalmente, cada um destes espetáculos tem sua característica própria, mas na essência todos pertencem a uma mesma categoria de fenômenos, cujas causas são as contradições decorrentes da implantação das reformas neoliberais no sistema capitalista nos países do continente, visando atender às exigências do sistema imperialista e a luta entre as oligarquias dos EUA, da Europa e Japão, em sua nova corrida neocolonial pela hegemonia mundial.
Mas, não se pode ficar perplexo ante a este fenômeno nas Américas e demais países do dito “Terceiro Mundo”. Quem esqueceu a triste sorte dos ditadores, que até ontem eram os lugares-tenentes do imperialismo em nossos países, como Stroessner, Noriega, Papa Doc, Somoza e Vidais; e que desdita ainda tiveram os liberais e sociais democratas como Alan García e Andrés Pérez? Sem dúvida, tanto a América Latina como “Nuestra America” como um todo são um só caldeirão. Quem duvide desta assertiva que preste muita, mais muita atenção mesmo aos desdobramentos das eleições presidenciais nos EUA. Neste aspecto, é importantíssimo não reduzir o atual impasse eleitoral em torno de que facção da burguesia controlará o poder político a uma mera contradição entre a realidade demográfica eleitoral e o sistema eleitoral. Reduzir a este viés técnico e despolitizado é o mesmo que dizer que ocupação geopolítica de um país capitalista, como os EUA não obedece à dinâmica da lei geral da acumulação.
Como é sabido por todos, dentro do sistema capitalista, a sorte de cada um governante na América Latina está diretamente ligada aos centros imperialistas. É somente com o apoio destes centros, ou melhor, do capital que sustenta estes centros que um governo capitalista na América Latina poderá desenvolver um programa econômico e político, mais ou menos socialmente tolerável pelas massas. É por isso que em situações de emergência, devido a crises econômicas e políticas nestes países, ou nos respectivos centros imperialistas, ou ainda da combinação de ambas, como ocorreu nos anos 60 e 70, e ameaça acontecer agora o recurso dos imperialistas foi patrocinar governos ditatoriais, oligárquicos ou militares. Estes governos e seus titulares são como marionetes, quando estão no comando e quando não servem mais aos interesses dos imperialistas são descartados como papel higiênico. Mas, quando a sujeira é muita e se torna impossível reciclar, são incinerados ou mais precisamente queimados; arquivos mortos.
Para o grande capital, que manipula tudo de fora, a questão se torna um jogo mesmo. Para eles, através do FMI, BIRD, BID, BIS, ONU, OTAN, OEA, e os cambaus, o importante é conquistar seus objetivos: lucros, lucros e mais lucros; poder de vida e morte sobre os epígonos crioulos e a diversão do desespero do pobre diabo quando a crise chega. No que diz respeito ao sofrimento das massas, a fome, a tortura, a luta pela sobrevivência e sua redução à barbárie e estados animalescos instintivos, não passou de mais um curioso trabalho do mundo animal que serve de pesquisa e laboratório da geographic economic. Foi assim que o imperialismo testou a política econômica neoliberal de Milton Friedman: “Capitalismo e Liberdade” - sob os coturnos do exército de assassinos e torturadores de Pinochet, no Chile. Portanto, governos próceres do imperialismo são um investimento político de risco tão alto quanto realizar um pequeno negócio num mercado monopolizado. A tendência é inexoravelmente a tragédia cedo ou tarde.
Vejam o que fez Fujimori protagonizar este espetáculo: ele, ao contrário do seu antecessor, não estabeleceu como centro do seu programa de governo um plano econômico, ao invés disso, estabeleceu como objetivo principal a estabilidade política, ou seja, o combate às guerrilhas de esquerda existentes no país: O Sendero Luminoso e Tupac Amaru. Com esta bandeira uniu toda a classe dominante local e obteve o apoio do imperialismo como um todo. Mas no curso de seu primeiro mandato, na medida em que a repressão de seu governo avançava contra as guerrilhas, primeiro os movimentos sociais, sindicatos, oposição, depois Sendero Luminoso e o Tupac Amarú, seu constante êxito e estilo ditador, showman, faturava a conta dos monopólios e às expensas do sofrimento das massas, desemprego, violência, miséria e total falta de direitos crescentes, também ia se somando na conta da paciência e tolerância do povo.
E não tardou a explodir esta paciência. Logo após a primeira reeleição de Fujimori, com todas as manobras e tradicionais fraudes que a CIA controlava muito bem através do Chefe do Serviço de Inteligência, Vladimiro Montesínos, que hoje “ninguém sabe, ninguém viu”, o Comando Guerrilheiro Edgar Sanches, do MRTA – Movimento Revolucionário Tupac Amaru - tomou de assalto a Embaixada do Japão, protagonizando um dos episódios mais decisivos em toda a trajetória política do Peru, da década que avançava. Em última análise, aí estão as bases de toda a contradição política que levou à sua desestabilização e tragédia atual. Ora a tomada da Embaixada do Japão, por um lado, desmoralizou a ditadura de Fujimori em todo o mundo, desmistificando todo o marketing do seu regime de demolidor da guerrilha e “pacificador” para os investimentos imperialistas; por outro lado, suscitou uma grande indagação sobre quem seu governo de fato favorecia, se aos EUA ou ao Japão. Esta base de desconfiança e dissenso, apesar do assassinato bárbaro dos guerrilheiros comandado pessoalmente por Fujimori, fendeu seu poder e levou o imperialismo dos EUA a exigir mais resultados econômicos.
Mas a situação para Fujimori se tornaria mais crítica ainda, com a crise em que mergulhava o Japão e sua necessidade de seguir a cartilha dos EUA e do FMI. Seu governo agora já não podia se esconder sob o manto da luta contra a guerrilha; a oposição aos poucos foi se passando da luta armada para a luta de massas nas ruas e praças públicas; e a crise econômica não tardou a dominar a cena política do país. O protesto das massas e empresários, a oposição cresce dentro do Congresso novamente, e o imperialismo se divide em relação ao apoio ao seu governo. Foi assim que no processo eleitoral em que foi reeleito pela terceira vez, todo o esquema de corrupção de Fujimori veio à tona; pois do outro lado, na oposição estava o economista Eduardo Toledo, bancado abertamente pelo imperialismo dos EUA e parte da classe dominante peruana. Por isso, todo o impasse eleitoral já anunciava, como atualmente ocorre nos Estados Unidos, que sua vitória não passaria de “uma vitória de Pirro”. A tragédia de Fujimori se tornava apenas mais um ponto para a estratégia das oligarquias financeiras dos EUA, diante de sua luta pela hegemonia mundial, tanto diante do Japão como da Europa.
O Imperialismo dos EUA, ao passar à ofensiva final contra o socialismo no plano internacional, já havia testado sua nova estratégia econômica: o neoliberalismo, nos laboratórios do Chile de Pinochet; portanto, para desencadear uma nova onda de liberalização econômica, em resposta à perda de fôlego do Keynesianismo, o Estado do Bem Estar Social, era necessário retirar de cena os regimes ditatoriais da América Latina (Ditaduras militares e civis), visto que nestes regimes o Estado é chamado a um papel ativo em todos os sentidos. Diante disto, a tática foi apoiar todas as lideranças de oposição, democráticas, oportunistas, populistas e etc, que se apoiavam na Democracia Burguesa. Este processo se diferenciava de país para país, dadas as condições históricas de cada um, e assumia características próprias. Assim a dialética é simples: os militares se sujam reprimindo barbaramente os comunistas e os trabalhadores; em oposição a estes surgiram os liberais e democratas, que se desgastam aplicando os planos econômicos do imperialismo. No curso da democracia burguesa um governo dá lugar ao outro no limite de sua falta de legitimidade, ou seja, perda de apoio das massas; e quanto mais terrível for um plano econômico para o povo, mais rapidamente um governo cai em desgraça. A aplicação do neoliberalismo na América Latina é esta sucessão de fracassos e fugas e esta infindável tragédia dos peões do imperialismo.
A atual tragédia de Fujimori é o futuro, não tão distante, de FHC no Brasil; Fernando de la Rua na Argentina; e, mais do que nunca, o destino de Andrés Pastrana na Colômbia. Aliás, as coisas na Colômbia são tão parecidas com as do Peru, que se pode pensar que Pastrana é uma versão colombiana de Fujimori; pois tanto no Peru como na Colômbia, a questão fundamental que se coloca para o governo é a estabilidade política, através da destruição da Guerrilha das FARC-EP e do ELN. Mas quem pensar que esta semelhança explica tudo está enganado, pois não se pode esquecer que o “Plano Colômbia”, mais que um projeto nacional, para a Colômbia, é um projeto que atinge toda a América do Sul, pois seu objetivo final é a ALCA e a ocupação da Amazônia (Mercado e fontes de matérias-primas). E, justamente, aqui reside a explicação do porquê Fujimori desabou tão tragicamente de uma hora para outra; pois um governo desgastado como o de Fujimori, desde a tomada da Embaixada do Japão pelos Guerrilheiros do MRTA, não seria capaz de unir a nação numa participação militar no Plano Colômbia e numa possível guerra amazônica. Um governo questionável, sem o apoio do povo e num país com herança histórica de guerrilha como o Peru, seria uma brutal combinação de fatores que poderiam levar a um amplo ressurgimento do movimento revolucionário armado; alimentando a chama da Revolução Latino Americana.
Assim, é que mais perto do que se imagina um caminho luminoso se abre para “Nuestra America”; e cada impasse político e trama diabólica que se apresentam, somente reforçam nossa convicção na vitória. Afinal, a fuga de Fujimori apenas mostra o efeito “Orloff” do papel que desempenham os governos títeres do imperialismo dos EUA, Europa e Japão. Com a crise do capital cada vez mais dando demonstrações do seu agravamento nos EUA e ameaçando mais rápido do que se imagina passar para esfera política, como demonstra o impasse das eleições presidenciais lá, tudo, tudo vai ficando mais claro. A revolução proletária espreita cada ação das oligarquias e do imperialismo. À classe operária e às massas o futuro se mostra radiante e socialista. Fujimori deve ser julgado internacionalmente pelos seus crimes e roubo da nação peruana!
Abaixo o regime de Fujimori! Liberdade para os presos políticos!
Viva o MRTA - Movimento Revolucionário Tupac Amaru e o Sendero Luminoso!
Viva a luta revolucionária dos peruanos!