Pandemia e Saúde Mental

Neste momento, o mundo inteiro compartilha a mesma preocupação: o novo coronavírus (SARS-CoV-2) e as medidas necessárias que devem ser tomadas para minimizar as consequências da COVID-19. Dentre essas medidas, o distanciamento ou isolamento social é a principal arma para garantir um certo nível de segurança e equilíbrio para os sistemas de saúde. No entanto, esta mesma tática traz inúmeros desequilíbrios, seja de ordem econômica, política, e, sobretudo, para a saúde mental das pessoas que vivem esse momento.

Neste momento, o mundo inteiro compartilha a mesma preocupação: o novo coronavírus (SARS-CoV-2) e as medidas necessárias que devem ser tomadas para minimizar as consequências da COVID-19. Dentre essas medidas, o distanciamento ou isolamento social é a principal arma para garantir um certo nível de segurança e equilíbrio para os sistemas de saúde. No entanto, esta mesma tática traz inúmeros desequilíbrios, seja de ordem econômica, política, e, sobretudo, para a saúde mental das pessoas que vivem esse momento.

O distanciamento social, a fim de evitar aglomerações e uma maior velocidade no contágio, altera de forma extremamente significante a vida das pessoas. Com as suas rotinas alteradas e um crescente medo, a sociedade torna-se mais vulnerável e com suas capacidades cognitivas (como de planejamento, tomada de decisão, percepção) prejudicadas.

Pode-se entender o comportamento de diversos grupos que não compreendem e apresentam dificuldades em seguir a regra de ouro da política de saúde mundial: ficar em casa (para aqueles que podem) e evitar aglomerações, pois, para muitos, a negação continua sendo a saída mais confortável do que enfrentar as angústias da realidade. Compreender este funcionamento ajuda a prever que a principal medida de segurança fica fragilizada diante da vulnerabilidade psicossocial, em outras palavras: a saída mais rápida do surto e com menores devastações é uma saída coletiva, as pessoas devem estar engajadas e armadas com maior espírito de solidariedade.

Mas, para os brasileiros que tem atravessado há cerca de 10 anos uma guerra ideológica, que viram o país crescer e promover melhorias, alcançar reconhecimento internacional pelas suas políticas sociais e de desenvolvimento, que viu um SUS gigantesco enfrentar seus desafios, um país que modificava seu rosto, que trazia novos integrantes para protagonismo, que antes só tinham espaço como figurantes, mesmo sendo os realizadores de tudo que há, os excluídos, estes mesmos brasileiros que viveram essas experiências transformadoras foram levados a crer que tudo que viam não existia ou, que se existisse, era para sustentar um mal muito maior e obscuro e que não valia à pena.

Vulnerabilidade psicossocial é um bom adjetivo para o povo brasileiro. A vulnerabilidade é entendida como a condição de um organismo, inerente ou adquirida, que diante de uma ameaça, evento traumático, resulta em um dano, psicossocial são os diversos fatores da relação que este organismo estabelece com o meio que o torna mais propenso a sucumbir. Dentre nossa grande população encontramos grupos ainda mais vulneráveis, ou seja, que têm maiores dificuldades para reconstruir suas relações e subsistência durante e depois da catástrofe.

Sabemos que em outros países, como os que enfrentam a COVID-19 na Europa, os grupos de risco são idosos, portadores de doenças crônicas; mas, para o Brasil, tendo em vista nossa vulnerabilidade psicossocial, este grupo de risco é ampliado para populações indígenas, pessoas que vivem em condições de pobreza e miséria, marginalidade, favelas, migrantes do campo para a cidade e de outras nacionalidades; em alerta para os grupos também vulneráveis, como pessoas portadoras de doenças mentais de longa evolução, grupos vítimas de violência em suas diferentes formas, comunidades afetadas por desastres como enchentes ou crimes ambientais, e os trabalhadores e trabalhadoras de resposta à pandemia.

Diante de tantas fragilidades e um grande perigo iminente às vidas e às formas de construção da vida, com o isolamento fica-se mais suscetível ao adoecimento mental. Segundo o documento da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS/OMS) para “Proteção da saúde mental em situações de epidemias” é estimado um aumento da incidência de transtornos psíquicos de 1/3 à metade da população que foi exposta, variando de acordo com a vulnerabilidade.

Para aqueles que já sofriam com algum nível de disfunção psicológica, este momento pode trazer uma prolongação dos sintomas, intensificação do sofrimento, maiores complicações como comportamento de risco ao suicídio, comprometimento significativo do funcionamento do indivíduo na esfera social de seu cotidiano (dificuldades no autocuidado, principalmente dificuldade em seguir as orientações para enfrentamento à pandemia).

De forma geral, a sociedade compartilha emoções e percepções como: sentimentos de abandono e vulnerabilidade, medo, necessidade de sobrevivência (explica o comportamento de estocagem de alimentos, botijão de gás e outros itens), diminuição de iniciativa (inatividade), como podem surgir lideranças espontâneas positivas ou negativas, abuso de substâncias, uso nocivo de álcool. Diante desses sentimentos podem surgir também ações heroicas, violentas ou de extrema passividade, egoísmo e solidariedade são os comportamentos mais aparentes.

Com essa grande quebra da rotina (que é importante para o ser humano desempenhar suas atividades) e a vivência desses sentimentos, a adaptação torna-se mais difícil e surge então: ansiedade, depressão, lutos, estresse pós-traumático, crises emocionais e de pânico, reações coletivas de agitação, descompensação de transtornos psíquicos preexistentes, transtornos psicossomáticos (manifestação no corpo dos conflitos emocionais).

Com a orientação para as populações permanecerem em casa, cresce o número de violências domésticas contra mulheres e crianças - Rio de Janeiro registrou um aumento de 50% nos casos de violência contra a mulher no mês de março e início da quarentena, evidenciando a vulnerabilidade das mulheres no Brasil, país que ocupa o vergonhoso 5º lugar no ranking de feminicídio.

A COVID-19 aumentou a demanda social pela saúde pública, o SUS é ressuscitado dos planos e investimentos públicos (mesmo existindo muito investimento público no setor privado de saúde) de forma emergencial e de contingência à pandemia. A EC95 congelou os investimentos no SUS por 20 anos e apenas com a necessidade urgente este verá um valor alocado maior do que o gasto em 2019 corrigido pela inflação.

Para as políticas públicas de saúde mental, o plano é ainda mais desolador, já que cerca de 60% dos municípios do Brasil não têm um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), e com a EC95 nunca terão. A falta de garantias para a saúde mental faz parte de um plano assassino para o povo brasileiro, já que descuida do aumento nas taxas de suicídio, no uso danoso de álcool, de outras drogas e de todo sofrimento advindo da política neoliberal, como desemprego, falências e violência.

É necessário investir na política pública de saúde mental durante e após a pandemia para seguir a recuperação do país, que com o aumento dos transtornos mentais, que já era um responsável crescente por afastamentos do trabalho antes da COVID-19, teremos ainda mais diagnósticos pela CID-F, que é relacionada aos transtornos mentais e saúde mental, sendo necessária a reabilitação dessas pessoas. O indicador DALY (disability adjusted life years) apontou que os transtornos mentais correspondem a 9,5% dos anos vividos com incapacidade em 2015 no Brasil.

Recuperar a economia só será possível se recuperarmos as pessoas! É imprescindível retomar os princípios do SUS: universalização, equidade e integralidade para sair da crise provocada pela pandemia. Precisamos de trabalhadores e trabalhadoras na resposta, de EPIs que garantam a segurança destes, de respiradores, de leitos e de garantias mínimas de sobrevivência para todo o povo.

O novo coronavírus ataca os sistemas de saúde, sobretudo, porque escancara as vulnerabilidades psicossociais que a sociedade capitalista constrói, não há espaço para ideologia neoliberal, para meritocracia ou qualquer medida individual baseada no lucro!

Contudo, e fundamentalmente, precisamos que a recuperação seja completa, precisamos de um pulmão com a sua funcionalidade preservada, mas precisamos também resgatar nossa esperança! É preciso que o “estado de nervo” das pessoas esteja abastecido de solidariedade, de aprendizados coletivos sobre a capacidade humana de sobreviver e reconstruir novas possibilidades de viver baseadas no bem comum e na nossa coletividade!

Karine Libre

Psicóloga