Entrevista com Rumba Gabriel

Rumba Gabriel, liderança da comunidade do Jacarezinho, após 7 anos de clandestinidade em razão da condenação sob a acusação de associação ao tráfico de drogas, é absolvido e retorna à vida cotidiana e à luta. Rumba, em entrevista exclusiva ao INVERTA, fala desse período, suas experiência e suas expectativas. É de sua autoria o artigo “Água e Óleo. Sol e Peneira”, publicado nesta edição do Jornal.

Rumba Gabriel, liderança da comunidade do Jacarezinho, após 7 anos de clandestinidade em razão da condenação sob a acusação de associação ao tráfico de drogas, é absolvido e retorna à vida cotidiana e à luta. Rumba, em entrevista exclusiva ao INVERTA, fala desse período, suas experiência e suas expectativas.


IN - Rumba porque você teve que se ausentar da luta e do convívio oficial da sociedade?

RG - Nasci na favela de Jacarezinho, era pobre, cresci querendo modificar esta situação, com amadurecimento entendi que deveria ajudar nossos companheiros, mas ainda muito inocente, não sabia as consequências, no processo do trabalho fundei o Centro Cultural do Jacarezinho, foi o primeiro dentro de uma favela, foi interessante pois as pessoas começaram a entender sobre nossa realidade. Achei que a luta ainda estava muito fraca, assim, a comunidade me levou para a associação de moradores. Ainda achei que estava pequeno e fundei o movimento popular de favelas para aglutinar mais lideranças para conscientizar mais pessoas, formamos um bloco para realizar nosso maior sonho que era descer o morro, invadir o asfalto para mostrar que tínhamos vontade de modificar a situação na qual vivíamos .


IN - O que aconteceu?

RG - Comecei a bater com mais veemência, fui buscar os corruptores em seus focos, partir para as denúncias, fomos mostrando a real face desta sociedade, do sistema e daqueles que nos governam e como essa elite dominante faz para se manter no poder, fazendo com que os negros pobres e favelados continuem sendo massa de manobra e seus servidores braçais, escravos atuais. Isso incomodou muita gente, porque agente sonha em transformar, sonhamos com a revolução. A luta foi bastante difícil mas não esmorecemos. Enfrentei cara a cara o inimigo, acabei sendo preso .


IN - Qual foi a justificativa deles para te prender?

RB - A justificativa deles é sempre a mesma a criminalização dos movimentos sociais, quando eles não conseguem criminalizar o movimento, pois são muitas pessoas, aí eles identificam uma das lideranças e criminalizam individualmente porque o tripé da justiça está com eles que é a policia, o delegado, o promotor e, por fim, o juiz que aceita essas coisas... Então somos condenados. Mas também temos nossos grupos, os que já conhecem essa forma de falcatrua, essa coisa nojenta, as pessoas que estão do nosso lado conseguem botar à tona a verdade. Não foi diferente com José Rainha, o MST, se o MST sofre essas perseguições, imagine o movimento urbano organizado. Eles têm medo da organização do setor urbano, principalmente das favelas, pois elas estão na porta do castelo, palácios deles, imagine trazer esse povo todo pra baixo, seria o princípio de nossa revolução. Antigamente, quando os movimentos sociais se organizavam, eles falavam que era organização subversiva, comunista. Era assim que criminalizavam e levavam ao cárcere as lideranças do movimento social, como hoje essa ditadura “não existe mais”, eles arrumam outra forma de criminalizar esses movimentos que surgem na periferia e nas favelas, nos acusam de traficantes de drogas, fica mais fácil se tornar um crime hediondo, a mídia contribui, faz o show, passa a ideia de que os traficantes são os capetas. Eles arrebentam com as lideranças até porque elas não têm experiência, foi o meu caso.


IN - Veio a condenação, quais foram os passos que você tomou?

RG  - A primeira coisa que tive que fazer, até porque tenho um pouquinho de conhecimento político, porque a gente acompanhou a trajetória do movimento social organizado da década de 60, 70 e 80, até porque, na época que estive no quartel, servi em um regimento que tinha centenas de presos políticos... Quase fui preso porque ajudava os presos, acabei aprendendo alguma coisa com aquelas pessoas. Então decidir ficar na clandestinidade, pois na primeira vez que estive preso passei 4 meses na Polinter. Passei por ali quase morri, só não morri porque temos pessoas que nos cercam e ainda acreditam em nosso trabalho, elas estavam todos os dias lá no cárcere, acompanhado de perto aquele meu sofrimento, mas era vigiando para que eles não viessem me matar, pois este era o objetivo deles.


IN - E o movimento social tentou te tirar da prisão?

RG - Sim, houve uma movimentação muito grande, inclusive no exterior, foi construído um manifesto contra esse absurdo. Esse manifesto circulou no Brasil inteiro e em várias partes do mundo, várias pessoas da sociedade organizada que acreditavam em meu trabalho, e acreditam ainda, naquele momento difícil e organizaram. O manifesto foi para a Internet, figuras ilustres assinaram mostrando a transparência do trabalho e o objetivo, o porquê estavam a favor da minha liberdade e contra aqueles absurdos, podemos citar o Oscar Niemeyer, alguns partidos de esquerda, partidos de esquerda de verdade. O Jornal INVERTA teve o papel primordial neste processo, foi ele que levantou esta bandeira, buscou toda esta manifestação, esta indignação não só brasileira mas também no exterior. O movimento teve uma repercussão muito grande.

Eu optei pela clandestinidade na segunda prisão, na primeira fui absolvido, mas é claro que eles iam continuar tentando me eliminar de qualquer forma, recorreram ao Ministério Público acabei sendo condenado, optei pela clandestinidade porque tive certeza que eles me matariam na segunda prisão. Não poderia correr esse risco. Os agentes policiais falavam para amedrontar outras lideranças: temos que matar o Rumba porque ele é abusado, está acabando com nossa fonte de sobrevivência que é o caixa 2 da corrupção, por várias vezes eles tentaram arrombar minha casa, tive que mudar várias vezes.


IN - O que você fez durante este período?

RG - Fui a vários lugares, uma das estratégias é você se transformar em um camaleão, colocar em prática tudo que aprendeu, estive em vários lugar do Brasil, cheguei até ficar fora do país, mas até que o setor da justiça, nosso grande amigo Nilo Batista pudesse resolver esta situação. Neste período da clandestinidade não parei de trabalhar, não fiquei escondido, porque quem é da luta não consegue, é um vicio bom. Não foi muito fácil a sobrevivência, materialmente falando foi complicado, pois não se pode trabalhar oficialmente, ter um salário bom se não a gente volta para o cárcere, mas dava um jeito. Viver socialmente não foi difícil porque nunca fui bandido, e em todos os lugares onde passei nestes sete anos, ninguém imaginava que estava envolvido num processo no meio de traficante, no meio de bandido, por causa das minhas ações, minha forma de agir e pensar de viver, me identificavam como uma pessoa importante, imprescindível tanto na área urbana como rural, eu aproveitava essa credibilidade para sair pro trabalho. Fundei jornal, participei de associações de moradores, ganhamos eleições em alguns lugares, historicamente falando foi interessante, porque uma pessoa na clandestinidade, condenada segundo esta justiça, você é bandido e onde você chega sai construindo socialmente e culturalmente, foi um aprendizado. Chegava em escolas de sambas, pois sou compositor, como meu pai também foi. Ele foi parceiro de Nelson Cavaquinho, Carlos Cachaça, Cartola, assim não foi difícil entrar no mundo do samba, onde passava, fazia meus partidos altos e já estava desfilando com a rapaziada, ganhando samba enredo.


IN - Nesse retorno como você encontra sua comunidade, o Jacarezinho?

RG - Um lixo, no sentido de nada de cultura, nada de educação de conscientização, nenhum trabalho de fração social acontece naquele espaço. Tudo que existe lá é paliativo, o que cresceu foi a violência, e é isso que eles querem - a industria da violência. Minha luta era para acabar com esta realidade, aumentaram as bocas de fumo e consequentemente aumenta o caixa 2, e é isso que a segurança quer. Disfarçadamente eles vêm à televisão e dizem que vão acabar com isso e aquilo. É mentira, os projetos não têm como transformar, não tem como tirar as pessoas do estado de abandono para que elas realmente possam ser cidadãs.


IN - O que significa a política do governo de dizer que vai acabar com a violência, que vai combater o trafico de drogas? Será apenas um show?

RG - Para o setor de segurança pública isso é maravilhoso, precisava acontecer algo novo na segurança publica. O que aconteceu de novo? As milícias que, na realidade, já existiam há muito tempo agora tinha que aumentar, pois com isso aumenta a verba para segurança pública, no lugar de investir em educação, saúde e cultura. Para justificar esse número elevado de coronéis oficiais, para aumentar o numero de delegados, de policiais, para justificar aquilo que não tem necessidade. Pega uma comunidade com várias bocas de fumo e faz um trabalho que abranja todo mundo, dinheiro tem é só perguntar pro Arruda que está em Brasília onde está o dinheiro? E investe, você vai ver que transforma no todo. Para o sistema é necessário em cada setor ter as coisas desorganizadas para justificar as verbas, a saúde para pobre é capenga: dois, três para atender milhares. Vai atender bem? Claro que não! É diferente para os ricos. Já no grande bloco do proletariado, eles deixam a confusão, ninguém se entende, pegam as lideranças e dão um cala boca para eles. Um grande exemplo de formação e controle social é Cuba. O primeiro momento quando Fidel com seu grupo começa a reorganizar Cuba a partir de Havana. Isso sim é um exemplo, todos com saúde, com educação, esporte, cultura para um todo. Não existia projeto paliativo. O imperialismo odiou pois era um modelo não queremos que isto aconteça na Venezuela, na Bolívia, na Colômbia no Brasil.

O que está acontecendo na Colômbia é a instalação de bases para criminalizar os movimentos políticos e sociais que surge em torno de nossa América .


IN - Quais são seus planos para o futuro?

RG - Nós amadurecemos, foi um grande aprendizado, foi uma faculdade, que inclusive neste período fiz duas faculdades filosofia e teologia, mas fiz uma faculdade maior que foi a de aprendizado social hoje podemos dizer que temos um outro instrumento para continuar com a luta que é através da cultura, estou trabalhando em cima de um livro. Espero que ele esteja circulando no Brasil inteiro, estamos também confeccionando um CD com muito samba e MPB, mais ou menos por aí.


IN - O proletariado tem que se unir para conquistar o poder ?Você acredita que isso vá se dá através do voto?

RG - Claro eles não vão nos dar de bandeja, eles agarram com unhas e dentes e o povo jamais chegará ao poder através do voto, pois o nosso sistema político, o Estado democrático de direto é paliativo, somos obrigado a ir votar, já deixou de ser democrático. O cidadão não deve ser obrigado a nada. Quando olhamos para o Congresso vemos que não somos representados por aqueles que estão lá, Pra que senado? É uma coisa de império, aqueles velhacos que só saem quando morrem. O voto não muda nada. Pega os projetos desses caras: coronel, deputado, empresário, advogados, deputados... Quem eles representam? O que vai levar a uma mudança de sistema é na marra, infelizmente com derramamento de sangue, alguns falam que é utopia. Não é verdade, eles vão ver eu posso não está aqui pra ver, mas é isto que vai acontecer, demora mas não tarda. Chega uma hora que agente já não aguenta mais, e aí ou vai ou racha e nós estamos nos preparando para racha.


IN - Deixa sua mensagem para o proletariado brasileiro.

RG - Minha mensagem é uma mensagem antiga, já deram esse recado é só nós pegarmos e fazer com que ele tenha um eco maior: Todos, uni-vos em uma causa só. Que todos nós que fazemos parte desse bojo, as periferias, as favelas, os morros, a fabrica do proletariado, todas essas pessoas, os movimentos têm que estar integrados de uma forma direta ou indireta. Mais que devem estar interligados, não podemos estar divididos. Esse é um outro instrumento que eles têm que dividir para governar: precisamos ter mais encontros, mais convenções, interagir como estávamos fazendo no principio e retomar os elos que não foram perdidos. Eles apenas foram deslocados, identificarmos onde está cada um desses elos e juntar. Essa é a grande mensagem. Não só para o Jacarezinho, até porque nós criamos o movimento popular de favelas. Atenção o CUFA... o movimento de favelas não pode ter esse perfil: de se associar com aqueles que estão dominando. Não faz sentido, isso é cooptação, a CUFA está cooptada, você tem um instrumento como a rede Globo e se você está do lado dela, você está de sacanagem com nossa população, você está sendo mentiroso e está traindo nossa classe é muito parecido com o que apareceu nos Quilombo dos Palmares: uns queriam acordo como foi o caso de Ganga Zumba, Zumbi dizia não eles nunca foram bons não se modificaram, são mentirosos e Zumbi tinha razão. Somos como água e óleo, não tem como misturar, o colonizador deixou seus descendentes. Eles estão aí governando, fazendo acordo e mais acordos para deixar a gente escravizada. Temos que pegar os movimentos que já temos, não precisamos fundar mais, temos que pegar os movimentos que identificamos, que seja do lado de nossa causa, juntar as propostas e descer o morro, caminhar pelo asfalto, invadir e ocupar nosso espaço, peço as lideranças do morro onde sou oriundo que esqueçam esta questão da cooptação, se querem ficar cooptados que abandonem as associações de moradores, vão ser funcionários dos setores que estão mancomunados com este imperialismo que aí está.


Osmarina Portal

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