Fome, Violência e Política no Brasil

 

 

A Fundação Getúlio Vargas lançou o Mapa da Fome II em que detalha, por região, a situação de miséria do povo brasileiro. No Rio de Janeiro e em Pernambuco, localiza nas favelas o nó górdio do problema onde a pobreza se concentra. Segundo os estudos, 1/3 da população do país, 58 milhões, recebe menos ou até R$ 79 por mês. Os 5 estados com mais pobres e respectivos percentuais de pobreza são: Maranhão, 68, 42%; Alagoas, 63, 75%; Piauí, 63,30%; Ceará, 58, 65% e Bahia, 57,89%. Os 5 estados com menos pobres e respectivos percentuais são: Rio de Janeiro, 19,45%; Rio Grande do Sul, 18,36%; Distrito Federal, 17,06%; Santa Catarina, 15,36% e São Paulo, 14, 25%. Com este mapa alardeia a imprensa burguesa que a miséria chegou a todos os pontos do país. O Mapa da Fome de Josué de Castro encontrou uma nova geopolítica e que difere da herança da economia agro-exportadora, que até então explicava este flagelo social nas regiões do Nordeste e Norte do país. Agora, o problema é encontrar as causas desta nova lógica em que se espalha a pobreza no país e com ela, suas irmãs inseparáveis: a violência e a política do clientelismo e do curral eleitoral.

 

Não é novidade alguma relacionar fome com violência e esta última com a política na sociedade “moderna”. Quem observar ao seu redor, em qualquer parte do mundo; seja numa pequena ou grande cidade ou capital, encontrará ao redor, ou mesmo como enclave, nos bairros nobres e luxuosos, onde a ostentação da riqueza é visível: a miséria, degradação e a violência. Quem duvide que vá à Tóquio, Paris, Nova Iorque, Estocolmo, Berlim, etc. Claro que eles tentam, em todas as partes do mundo, esconder esta realidade, ludibriar os olhos dos que estão de passagem. Nos 25 países que formam 90% do PIB mundial, considerados ricos, 16% de sua população vive em pobreza. Nos 170 países considerados pobres, que produzem apenas 10% do PIB mundial, o percentual de pobres atinge entre 36% e 41% da população dos centros urbanos. Nos EUA são cerca de 15% da população, isto é, 40 milhões de pessoas; em Portugal cerca de 23% da população; a Holanda é conhecida como país rico com um estado de “Bem Estar Social” pobre. E se esta é a realidade do velho continente e seus filhos nobres no norte da América, imagine a situação da Ásia, Oceania, África e América Latina?

 

Portanto, pensar em pobreza como um fenômeno generalizado na sociedade atual é tão concreto quanto a violência que segue esta geopolítica da miséria em face da acumulação de capital. É quase uma comprovação literal da lei geral da acumulação capitalista definida por Marx e Engels, em O Capital, em 1863:

“Quanto maiores a riqueza social, o capital em funcionamento, o volume e energia de seu crescimento, portanto também a grandeza absoluta do proletariado e a força produtiva do seu trabalho, tanto maior o exército industrial de reserva. A força de trabalho disponível e desenvolvida pelas mesmas causas que a força expansiva do capital. A grandeza proporcional do exército industrial de reserva cresce, portanto, com as potências da riqueza. Mas quanto maior este exército de reserva em relação ao exército ativo de trabalhadores, tanto mais maciça a superpopulação consolidada, cuja miséria está em razão inversa do suplício do seu trabalho. Quanto maior, finalmente, a camada lazarenta da classe trabalhadora e o exército industrial de reserva, tanto maior o pauperismo oficial. Essa é a lei absoluta geral, da acumulação capitalista (...) Finalmente, a lei que mantém a superpopulação relativa ao exército industrial de reserva sempre em equilíbrio com o volume e a energia da acumulação prende o trabalhador mais firmemente ao capital do que as correntes de Hefaístos agrilhoavam Prometeu ao rochedo. Ela ocasiona uma acumulação de miséria correspondente à acumulação de capital. A acumulação da riqueza num pólo é, portanto, ao mesmo tempo, a acumulação de miséria, tormento de trabalho, escravidão, ignorância, brutalização e degradação moral no pólo oposto, isto é, do lado da classe que produz seu próprio produto como capital”. (Marx, K. in O Capital, Livro I, Volume II, páginas 209 e 210).

 

Sem dúvida, esta teoria geral sobre a acumulação de capital mostra, precisamente que a pobreza e a violência das classes trabalhadoras não são produto apenas de uma política de má ou boa distribuição de renda, ou de crescimento ou declínio da economia, mas, sobretudo, produto da lógica interna do sistema agravado pela política econômica do governo. Marx fez questão de ilustrar com relatórios e estatísticas oficiais como esta lógica sistêmica do capital incide sobre as classes trabalhadoras, levando-a ao desemprego, à miséria e à fome, demonstrando a lei da contradição entre o capital e o trabalho, polarização da riqueza na burguesia (monopólio) e polarização da miséria no proletariado (exército industrial de reserva, superpopulação relativa) e as contradições inerentes a este processo, como a intensificação da luta de classes, as crises cíclicas e as políticas econômicas e demográficas, raízes de matriz do pensamento ora revolucionário, ora reacionário, como se pode comprovar pelo surgimento do socialismo científico, de um lado, e malthusianismo, do outro, e outros discursos ideológicos que tentam justificar a exploração de homem sobre o outro.

 

Mas, este processo não somente confirmou a teoria de Marx e Engels, como acrescentou novos elementos, como observou Lênin, e sem o qual não se pode compreender a forma atual como este processo se realiza. O jornalista Jorge Messias, sintetizou a obra de Lênin sobre o Imperialismo (in “Opinião dos comunistas sobre o combate a pobreza”, www.resistir.info):

“O capitalismo pré-monopolista foi gradualmente transformando-se num sistema monopolista com expressão política e econômica. Legitimada a propriedade privada de produção, o Estado mercantil apropriou-se das terras produtivas e entregou-as às classes senhoriais dominantes. Através das guerras de agressão, o sistema expandiu-se territorialmente e acumulou riquezas. Geriu, em benefício dos privilegiados, as sucessivas revoluções tecnológicas , que foram e são fruto do trabalho coletivo e da inteligência humana. Com a criação e exploração intensa dos monopólios , amontoou recursos imensos que a seguir investiu em fusões com o capital industrial, dando origem à formação do capital financeiro e à partilha monopolista do mundo. As estruturas da sociedade ficaram entregues a oligarquias ou famílias de ricos. Instalou-se desde então, ao nível do senso comum, a falsa noção da riqueza e da pobreza como categorias naturais sobrepostas à vontade humana. Nada havia a fazer. Os ricos eram os fortes , os escolhidos , os vencedores, os mais inteligentes e capazes. Os pobres jamais poderiam negar a sua condição biológica de fracos e de servidores.

Esta estratégia de desequilíbrio sistematizou-se facilmente nas sociedades escravagistas e feudais, dotando-as de fortes estruturas de direção. A Igreja Católica difundiu essa atitude mental. O capitalismo agigantou-se, modernizou-se, resolveu alguns dos seus antagonismos internos mas manteve insolúvel a sua contradição fundamental. É-lhe necessário expandir incessantemente os seus mercados e manter ou aumentar as taxas de lucro das mercadorias que produz. Para conseguir estes objetivos, necessita de mão de obra barata nos seus locais de produção e de estimular, simultaneamente, a formação de massas humanas com crescente capacidade de compra. Como, porém, conciliar sociedade de mercado, mão de obra barata, concorrência, desemprego e pobreza? Como privatizar a produção e socializar (ou globalizar ) os mercados?

Esta contradição fundamental passou sem resposta de gerações em gerações capitalistas. Mesmo agora, na sua fase suprema, o sistema capitalista para produzir riqueza precisa gerar pobreza . Se quiser manter e aumentar os seus lucros, apenas o poderá conseguir à custa do empobrecimento dos seus próprios operários e da massa de compradores dos produtos que lança no mercado mundial. Daí, as suas crises constantes. Mas se privilegiasse o desacreditado mito da livre concorrência, destruiria os mercados financeiros e colocaria em grave risco todo o sistema capitalista. Se aumentasse o número de assalariados, diminuiria a sua margem de lucro e alteraria, contra os seus próprios interesses, as leis do mercado.

Estas contradições não têm solução. Representam a própria natureza do capitalismo. Sobretudo, em tempos de crise ou de recessão só resta aos capitalistas diminuir os custos e aumentar os lucros promovendo a pobreza. Ou seja, aumentando as demissões e as falências, precarizando o emprego, retirando garantias, reduzindo direitos, agravando os preços e varrendo do mapa as políticas sociais. Numa só frase: o capitalismo gera pobreza .”

 

Claro, e nós admitimos que é um pensamento muito imediato ligar esta lógica do sistema, a barbárie, com a lógica do capital, e se considerarmos ainda a grande derrota do proletariado no plano internacional, com a queda da URSS e do campo socialista do leste europeu, esta lógica de violência e fome se torna ainda mais uma realidade simplista e óbvia. Mas, o que se pode fazer se a realidade é esta mesmo? Ora, seria estupidez não admitir que a crise do capital resultou muito mais do retorno da política econômica ao liberalismo, que num esforço organizado e consciente da classe operária mundial em termos revolucionários. Neste aspecto, a grande movimentação que emergiu nos anos 90, marchas pela redução da jornada de trabalho, revolta dos agricultores, manifestações anticapitalistas e antimperialistas, hoje é sem dúvida, dominada por idéias atrasadas, algumas retornando ao medievalismo (como é caso do Afeganistão, Iraque, etc). E, nestas condições, a pobreza só tende a crescer em todo o mundo. Os exemplos da Argentina e do Brasil são cabais, ambos países competiam para ver que mais rezava pela cartilha da doutrina neoliberal do FMI e o que aconteceu? A Argentina foi à bancarrota e o Brasil, a burguesia teve que eleger Lula para ver se apaziguava os ânimos da grande massa. Portanto, se na raiz do problema da fome está a lógica do sistema, baseado na propriedade privada em contradição com a produção social; na superfície está a política de defesa da propriedade privada em seu estágio de monopólio oligárquico e o capital financeiro e desta combinação necessária à violência torna-se o concubinato necessário para garantia desta ordem.

 

Neste sentido, quem quer viver na sociedade capitalista atual sem violência e em paz, não passa de um hipócrita ou ignorante em relação ao sistema social em que vive; e quem quer sair deste sistema através da política que o alimenta e o solidifica ou é um farsante ou inocente útil; em ambos os casos todos os esforços serão inúteis, como a filosofia medieval foi, ao juízo de Hamlet, para os mistérios do céu e da terra. Portanto, entender a violência segundo a dita antropologia ou sociologia social mais não é que acreditar que o lusco-fusco neoliberal da “escolha” se explica pela “natureza biológica”, logo, todo um paradigma de eugenia e preconceitos estapafúrdios passa a permear a política de estado, vejam o caso de Israel e a Palestina, vejam o caso dos EUA e o Iraque, vejam a Inglaterra e a Irlanda, vejam o Apartheid na África, e, finalmente, veja agora o Governo Estadual e Municipal do Rio de Janeiro a disputarem o título de “Sharon tupiniquim”? Porém o mais importante é ver que a cura de todos estes males está na mudança radical do sistema, numa Revolução Comunista, porque se não entendemos a natureza do sistema somente depois de muita miséria, terror e extermínio, se chega à consciência que a maior violência não é a dos traficantes da Rocinha, mas do sistema e da suas políticas que produzem e reproduzem “Rocinhas, Marés, Jacarezinhos”, por todo o país. E Lula que veio para resolver todo este problema, depois de um ano de governo vê seu governo emporcalhado pela corrupção; o Mapa da Fome chegar aos 58 milhões de brasileiros; o PIB mergulhar no negativo, o Governador (Garotinho) propor muro para separar favela dos bairros nobres (Apartheid social) e Exército nas ruas, o extermínio de jovens e de trabalhadores crescerem...

 

A cada dia a opressão e a exploração do capital joga com a paciência e a resignação das massas, mas até quando? Nós dizemos:

Abaixo o capitalismo e viva a revolução comunista!

Viva o Partido Comunista Marxista-Leninista!

 

Rio de Janeiro 16 de abril de 2004

P. I. Bvilla Pelo OC do PCML