Sem Fantasia (ou A outra Guerra)


Os dias que se seguem são, historicamente, marcados no Brasil pelo Carnaval; uma festa nacional, que condensa e consuma a energia da grande massa de trabalhadores. A antropologia e a sociologia descrevem este fenômeno como uma catarse coletiva necessária à estrutura de domínio de classe no país. Sem dúvida não há como contestar esta interpretação do fato social em questão. Mas, se por um lado nosso famoso Carnaval exerce sua função de queimar as energias revolucionárias e reafirmar o sistema, seja como processo econômico ou ideológico; por outro, até mesmo neste universo simbólico e alegórico, o problema social real e as demandas sociais urgentes se manifestam, riscando quase toda folia de um tom meio avermelhado que ora é protesto, ora lamento, ora alegria, ora exaltação. É o que se pode notar dos sambas e enredos que fazem os foliões pular, sambar, “brincar o carnaval”. Vejam o caso das escolas de Samba do Rio de Janeiro: a Mangueira pregará a paz; a Beija-Flor denunciará a fome; Caprichosos exaltará Zumbi dos Palmares; a Vila Isabel, Oscar Niemeyer; etc.

O Carnaval, como espelho da realidade social, reflete de forma alegórica a imagem invertida e contraditória da sociedade. E não poderia deixar de ser, pois antes, durante e depois do Carnaval o mundo “Sem Fantasia” continuará girando e o sistema montado das oligarquias no país também. Neste mundo real a ameaça de guerra dos EUA e Inglaterra contra o Iraque, pelo controle das reservas de petróleo, coloca do outro lado do campo de batalha Alemanha, França, Rússia e China. Do mesmo modo, no sistema das oligarquias de “Pão e Circo”, uma outra guerra existe e estão nos números dos perambulando pelas ruas; sem emprego, sem teto, alimento ou esperança; no número dos que são encontrados estirados em valas comuns, perfurados por balas ou torturados até a morte pelo incendiado dos seus corpos. Também se somam a estes os que fenecem pelas fórmulas “impessoais” de morte torturante no capital: tuberculose, diarréia, fome, HIV. Contudo, não se pode esquecer dos que caem nas batalhas das caravanas e passeatas para protestar e exigir direitos ou complacência das “autoridades” constituídas (prefeitos, governadores e presidente); finalmente também se deve contar os que tombam porque ousam se agrupar em bandos para saquear ou desapropriar a “sacrossanta propriedade burguesa” e não aceitar os restos de alimentos e outras migalhas do sistema em alusão poética ao “Banquete dos Mendigos”.

O mundo sem fantasia, onde as contradições do dia-a-dia impulsionam milhares ao desespero, tornou-se insustentável em todas as partes, no Brasil, Argentina, Colômbia, Uruguai, Bolívia. Em cada país da África, Ásia, América Latina, e mesmo Europa, submetido ao capitalismo e ao imperialismo, um oriente médio se esconde e nele os personagens sociais. As classes e povos põem e tiram máscaras o ano inteiro; uns são Bush, Sharon, Blair; outros, Arafat, Sadan e Bin Laden. Invariavelmente, na luta titânica das massas contra as classes dominantes e seu corpo de valores, as formas de que se revestem estas lutas se tornando incontroláveis – um mendigo ofende e insulta o Shopping e o restaurante de luxo, tanto quando um ladrão ofende a sacrossanta propriedade burguesa e o comunista revolucionário o sistema e a classe burguesa como um todo. Um contexto que amplia os confrontos e contrastes e sepulta no horizonte uma paz possível e tão alegoricamente pedida pela Mangueira. Neste aspecto, um mundo, ou sociedade sem fantasia, onde o sistema capitalista faz crescer ao ritmo da fibra ótica o fosso entre ricos e pobres, patrões e operários, burgueses e proletários; os pobres se multiplicam aos milhões e se amontoam nos grandes centros urbanos. No Brasil cerca de 80% da população é urbana; e, nestas condições, não há como controlar suas manifestações e revoltas; e por mais que se usem os mais brutais meios de repressão, oficial e extra-oficial (polícia, exército, esquadrões da morte, tráfico e etc) ou sofisticados meios tecnológicos, nada impedirá que volta e meia “aqui e ali a revolta se transforme em motim”, como escreveram Marx e Engels, no Manifesto do Partido Comunista de 1848.

Aqui a explicação é a que repetidas vezes temos afirmado: é uma conseqüência natural do agravamento da crise geral do sistema decorrente da lei geral da Acumulação Capitalista; aquela descrita por Marx em “O Capital” da seguinte forma:
“Quanto maiores a riqueza social, o capital em funcionamento, o volume e energia de seu crescimento, portanto também a grandeza absoluta do proletariado e a força produtiva do seu trabalho, tanto maior o exército industrial de reserva. A força de trabalho disponível e desenvolvida pelas mesmas causas que a força expansiva do capital. A grandeza proporcional do exército industrial de reserva cresce, portanto, com as potências da riqueza. Mas quanto maior este exército de reserva em relação ao exército ativo de trabalhadores, tanto mais maciça a superpopulação consolidada, cuja miséria está em razão inversa do suplício do seu trabalho. Quanto maior, finalmente, a camada lazarenta da classe trabalhadora e o exército industrial de reserva, tanto maior o pauperismo oficial. Essa é a lei absoluta geral, da acumulação capitalista (...).
(...) Finalmente, a lei que mantém a superpopulação relativa ao exército industrial de reserva sempre em equilíbrio com o volume e a energia da acumulação prende o trabalhador mais firmemente ao capital do que as correntes de Hefaísto agrilhoavam Prometeu ao rochedo. Ela ocasiona uma acumulação de miséria correspondente à acumulação de capital. A acumulação da riqueza num pólo é, portanto, ao mesmo tempo, a acumulação de miséria, tormento de trabalho, escravidão, ignorância, brutalização e degradação moral no pólo oposto, isto é, do lado da classe que produz seu próprio produto como capital”. (Marx, K. in O Capital, Livro I, Volume II, páginas 209 e 210)

Quem duvide desta realidade que confirme os dados recentes de um estudo feito pelo ABM Consulting mostrando que os Bancos no Brasil foram os mais rentáveis no mundo. “No ano passado, a rentabilidade média dos seis maiores bancos do país – incluindo Bradesco, Itaú e Unibanco – foi de 23 por cento, superando os mexicanos, com 17 por cento; os britânicos, com 16 por cento; os espanhóis, com 14 por cento; e os norte-americanos, com 12 por cento. Outros países incluídos na comparação foram a Itália, cujos seis principais bancos tiveram rentabilidade média de 9 por cento; e o Canadá, 8 por cento”. Afirmou a CNN, enquanto os estudos e estatísticas oficiais do país apresentam que, cerca de 53 milhões de seres humanos passam fome e estão mergulhados na pobreza absoluta. E assim, do mesmo modo que a burguesia não chora a morte de uma criança da favela ou bairro proletário, pela ação covarde e brutal da polícia ou do bandido, não se pode chorar também o desespero dos que teimam em viver como “Paxá” meio a este caos social. Num mundo sem fantasia em que tudo tem dono e o povo não tem nada e mesmo os candidatos a escravo são rejeitados pela concorrência e a absolescência tecnológica da mão-de-obra, não resta outra alternativa a não ser a luta pela sobrevivência neste grande “Corredor da Morte”.

A vida que marcha na marcação do surdo; acelera no ritmo do bumbo e agoniza ao grito da cuíca; não pode deixar que os tamborins repiquem sem sentido e o pandeiro bata desgovernado, pois a mão que palheta o cavaco e levanta a batuta do mestre de bateria é a mesma que escreve o canto de dor e esperança dos aflitos. Um carnaval de esperanças está por um triz e neste dia mestres-salas e porta-bandeiras, abre-alas e estandartes anunciarão um novo mundo, sem fantasias e alegorias para esconder a realidade social de miséria e opressão, mas para festejar a liberdade, a igualdade e justiça. Uma nova sociedade que somente o delírio ou o sonho de um povo inteiro, da grande massa de operários e trabalhadores, pode tornar realidade. No mundo sem fantasia do capital, a verdade se transforma em alegoria e a droga em delírio alucinógeno. No mundo sem fantasia do comunismo a alegoria é a realidade social e a droga apenas um remédio às seqüelas do capital. Portanto, chega a hora de caírem as máscaras e construirmos uma nova realidade de fato, sem opressores e oprimidos, sem exploradores e explorados, sem burgueses e proletários; uma sociedade comunista, onde o livre desenvolvimento de cada um seja condição do livre desenvolvimento de todos. O Carnaval da burguesia um dia acaba e neste dia o que assaltará a cena histórica será o “Banquete dos Mendigos”, as cinzas!

Abaixo a Guerra Imperialista!
Abaixo o sistema capitalista de opressão e farsas!
Viva a Revolução Comunista no Brasil!
Viva o Partido Comunista Marxista-Leninista (Brasil)

Rio de Janeiro, 26 de fevereiro de 2003. P. I. Bvilla Pelo OC do PCML