Governo Lula-FHC: entre o FSM e Davos

A nova conjuntura aberta com o início do Governo de Luiz Inácio Lula da Silva, isto é, da ex-oposição burguesa ao governo das oligarquias, coloca a classe operária e trabalhadores em geral diante de uma nova realidade histórica, pedagogicamente necessária ao desenvolvimento da luta de classes no país. É um traço singular que expressa similitude entre o Brasil e a tragédia da América Latina sob a confluência de fenômenos históricos da nova correlação de forças mundial, pós-queda do campo socialista do Leste Europeu e URSS, e as conseqüências da guerra-fria, onde a política dos golpes reacionários e ditaduras militares sanguinárias levaram a cabo o extermínio de lideranças e organizações revolucionárias, criando um vazio histórico de lideranças e ética revolucionária na política nacional e continental. Assim, vive-se um momento histórico em que a sombra do passado projeta-se sobre o presente denunciando, pela presença de lideranças semifabricadas e podridão ética, os mortos e desaparecidos políticos e a destruição das organizações revolucionárias (ditadura militar e queda da URSS). É, justamente, este processo que explica o papel social do atual presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva; e de certa forma, resguardando certas singularidades nacionais, o papel que protagonizam Hugo Chavez, na Venezuela; e mais recentemente, Lúcio Gutierrez, no Equador.

A singularidade histórica nacional parece se vingar das teses teóricas dos intelectuais do populismo – Fernando Henrique Cardoso, Francisco Weffort, Ottaviane, e outros. Nunca governos considerados populistas no Brasil, como Getúlio Vargas ou João Goulart, sintetizaram, como o Governo Lula sintetiza tão cabalmente a praxis da conciliação de classes e do consenso nacional, ancorado em cooptação do movimento operário e popular, assistencialismo e clientelismo político. FHC foi, com “seu Plano Real”, uma verdadeira “mãe para os ricos”; enquanto Lula envereda, com seu “Plano Fome Zero”, pelo caminho do “pai dos pobres”. Ambos parecem expressar as faces de uma mesma moeda, “cara e coroa”, mas engana-se quem pensar que cada um deles representa apenas uma face da moeda; na verdade cada um deles é uma moeda, e mesmo que se apresentem com faces distintas, na verdade cada um deles apenas esconde a outra sua própria face. Na essência, FHC era “mãe dos ricos” para que os ricos fossem “pai para os pobres”; já Lula é “pai dos pobres” para que eles sejam “mãe para os ricos”. Um ia a Davos para depois sentar com as lideranças do FSM; o outro vai ao FSM para depois sentar com as lideranças de Davos. Este qüiproquó parece uma armadilha dialética da história, irônico se não fosse uma tragédia social, no entanto necessária ao aprendizado das novas gerações de trabalhadores brasileiros, vivem uma situação histórica afogada pela ditadura militar das oligarquias e do imperialismo em 1964: Senhoras e Senhores, respeitável público; eis a “República Sindical”, que tanto temiam as elites no país! Com o Governo Lula, os trabalhadores ou sindicatos chegaram ao governo, sem mediação de um presidente das oligarquias burguesas no país.

Fernando Henrique, que jurou acabar com a era Vargas e entregou o patrimônio nacional para os monopólios privados e as oligarquias financeiras internacionais, não fez mais que condensar o papel antagonista ao que protagoniza Lula atualmente. Getúlio Vargas, homem saído das oligarquias rurais e da tradição caudilhista, ergueu-se como símbolo do populismo; João Goulart, que advém historicamente das mesmas raízes sociais de Getúlio, pelo menos no que diz respeito à tradição oligárquica, herdou também sua desgraça histórica, e como aquele não chegou a consumar seu governo; ambos aos olhos das oligarquias expressavam processos políticos onde a ascensão dos trabalhadores ao governo era conseqüência natural, provocando, portanto, o pavor às elites sob a pecha da “República sindical”, redundando daí o golpe militar de 64. Hoje, passados 30 anos da ditadura militar e 10 de governos que juraram acabar com o populismo, Lula é a própria expressão daquilo que protagonizou Getúlio e Goulart no sentido da ascensão dos trabalhadores ao governo e de conciliação e colaboração de classes na política nacional.

Literalmente, parafraseando o próprio presidente Lula: “O medo se transformou em esperança”. Mas se alguém pensar que esta expressão traduz o sentimento das massas trabalhadoras em relação a Lula e ao PT (Partido dos Trabalhadores), engana-se rotundamente; esta expressão traduz metaforicamente o sentido da atual posição política das oligarquias. Para as oligarquias no país, emparedadas pela crise mundial de um lado e a crise nacional de outro, o Governo Lula e seus aliados, constituem sua última linha de defesa diante da revolução verdadeira que ronda, como um “espectro”, a cabeça das massas.

A verdade histórica é dura e educativa e quando se apresenta na forma de tragédia torna-se uma professora pedagogicamente inquestionável e inesquecível. A morte de Zumbi simbolizou a luta contra a escravidão; a morte de Tiradentes, o símbolo de luta pela independência do Brasil de Portugal; a morte dos tenentes rebelados em 1922, os “18 do Forte”, a luta contra as oligarquias; a morte de Getúlio, a luta contra o imperialismo; a morte de dezenas e milhares de revolucionários, a luta pela libertação da classe operária e massas da opressão e exploração capitalista. Mas a tragédia histórica não se conta apenas em mortes e símbolos, mas espetáculos tragicômicos como o de Jânio Quadros, do “fi-lo porque qui-lo”; ou “Collor de Mello” e seus supositórios e PC Farias; há também os episódios históricos, como foram Canudos, Contestado, Praieira, Cabanagem, Farrapos e outros tantos. Neste sentido, tudo indica que o grande papel progressista do governo Lula é protagonizar uma inesquecível lição histórica para o povo brasileiro: mostrar, didaticamente, que os problemas do país não se resolvem apenas com a boa vontade de um governo piedoso. Neste sentido, todas as grandes transformações e mudanças sociais esperadas pelas massas, como o fim da Miséria e da Fome, do Desemprego e da falta de Moradia, entre outras urgências, não ultrapassarão das reformas previdenciária, fiscal e política. E o que representa isto senão continuísmo em política econômica do governo FHC? Assim, o Governo Lula se candidata a um grande fiasco histórico, pois não há solução para miséria e fome, sem acabar com o monopólio, ou seja, mexer na “sacrossanta propriedade privada”. Não se resolve o problema do Desemprego sem uma inversão na lógica da aplicação das novas tecnologias ao processo de produção, reduzindo o trabalho não pago (lucro, mais-valia) às necessidades sociais e não a apropriação privada.

Neste contexto, a tão esperada reforma agrária e mudanças no rumo da economia não passam de uma quimera, que fluirá pelo arquiconhecido discurso da reforma agrária institucional, como apresenta tão pomposamente o PSDB nas rádios e televisões do país, mostrando “quanto o governo de FHC fez pelos pobres e sem- terra”. Pois se é o projeto do Governo do PT e aliados (PMDB, PDT, PSB, PL, PTB, PPS, PCdoB, PCB), então este projeto não começou com Lula, mas com FHC. E aqui está o segredo de tudo, que explica porque as oligarquias transformaram seu medo do PT em esperança e o discurso antipopulismo em refugo: O governo showman de Lula usará toda sua representatividade para aprovar as reformas exigidas pelo FMI para o país. Pois, como iniciamos este artigo, se as lideranças petistas encontraram espaço para protagonizar papéis centrais no processo político nacional, isto não foi sem um conteúdo bem definido e aceito pelas oligarquias. Assim a crise do marxismo, a conjuntura internacional de hegemonismo dos EUA e seu discurso e pensamento neoliberal monocórdios; e a crise mundial e nacional compelem para a esperança burguesa vencer seu medo. Quanto ao mais, tipo o discurso do Pacto Social, colando aqui “Tancredo Neves” e ali “José Sarney”, mostra apenas o horizonte limitado de um governo pendular entre o FSM e Davos. Sarney e a “turma do histórico” Plano Cruzado” estão de volta no governo Lula. Resta saber se como Sarney, Lula entrará para a Academia Brasileira de Letras, escrevendo seus “profundos pensamentos filosóficos”, tipo “se a esperança venceu o medo, a comida vencerá a fome”; ou pelo contrário, apesar de seu governo showman, viverão episódios como os que vivem Hugo Chavez, na Venezuela; eis a questão.

Naturalmente, tudo que se afirma aqui ainda é muito provisório e crônico. Sabe-se pouco sobre as ações do governo e muito sobre os limites destas ações dentro do quadro institucional; sabe-se pouco sobre as estratégias do governo para vencer as oligarquias e muito sobre a base social e apoio político do governo para encaminhar suas reformas, base de apoio esta que vai de “radicais do PT”, censurados publicamente pelo Sr. Genuíno, até Sarney e ACM. E considerando estas certezas históricas, as genuflexões do nosso Presidente ao Imperador Bush, sua visita a Washington; sua atuação em Davos; bem como as genuflexões dos homens do primeiro escalão, como o Ministro da Fazenda Palloci e suas declarações de compromissos com FMI; e até mesmo a escolha do Presidente do Banco Central, um reconhecido representante da “nuvem de capital volátil”, como disse a própria Senadora Heloísa Helena, do PT, o quadro é trágico para um governo, cuja popularidade é condensar a esperança de mudança dos pobres e miseráveis do país, torturados pela fome, desemprego, relento, violência e a exploração capitalista. Mas diante da situação histórica atual, onde a crise do marxismo obscureceu o único caminho para sua real libertação do jugo do capital, a revolução comunista e a construção deste novo modo de vida e sociedade, então que vençamos os mitos e ilusões populistas, não pelo discurso ou luta teórica que deve ser travada o tempo todo pelos comunistas revolucionários, mas pela própria prática e tragédia social. O imperialismo ianque avança em seus planos de guerra para assegurar a hegemonia mundial e aspirações imperiais, o Brasil está bem no meio destes planos, e inexoravelmente terá que se posicionar, eis uma fatalidade histórica para o governo Lula.

A classe operária e massas exploradas no Governo Lula vivem a tragédia do torcedor dos grandes clubes brasileiros, onde os craques se revelam e se tornam mitos, verdadeiros showmen, como agora começa a despontar “Robinhos (Santos) e Clodoaldos (Fortaleza)”; de um dia para o outro os craques e ídolos mudam de clube (time), de país e de camisa. Mas que fazer, o show tem que continuar? Então é a vez das torcidas que puxam, que criam slogans e palavras-de-ordem, fazem repúdios e protestos. Só há uma diferença, a traição em política significa destruição de ilusões sobre necessidades reais, como Pão, Paz e Liberdade. Por isso, os comunistas revolucionários têm a missão histórica de se diferenciarem para as massas dos que hoje estão no governo e tentam monopolizar a palavra e pensamento da esquerda real e comunista marxista-leninista. A nossa tarefa é apresentar nossas idéias para o povo o mais amplamente possível criando o movimento da Plataforma Comunista, unindo os comunistas revolucionários de todo o país e constituindo um bloco de forças capaz de romper o monopólio da palavra às massas da “esquerda reformista e revisionista”. É preciso erguer uma força mais poderosa que os mais gigantescos esforços dos grupos isolados. É preciso apresentar para o povo brasileiro um verdadeiro programa revolucionário e uma plataforma comunista. Só assim é possível romper com o maniqueísmo ou chave de coxa das oligarquias sobre a classe operária e massas trabalhadoras no país.

Nossa missão é denunciar a farsa das propostas reformistas, lutar pela unidade dos comunistas revolucionários e a constituição de um movimento nacional de Plataforma Comunista.

Abaixo as reformas neoliberais! Viva a Plataforma Comunista!

Rio de Janeiro, 5 de Fevereiro de 2003

P.I. Bvilla Pelo OC do PCML