Que Fazer? -100 anos depois

“Que Fazer?” Esta expressão, que intitula o livro de Vladimir Ilitch Ulianov – Lênin –, escrito entre o outono de 1901 e fevereiro de 1902, publicado pela primeira vez em março de 1902, em Stuttgart; mais que uma polêmica em torno dos problemas da agitação política, das tarefas de organização e do plano de criação de uma organização de combate em toda a Rússia; colocado para o movimento operário e os marxistas revolucionários daquela época; constitui-se um dos maiores clássicos da ciência política, que continua atormentando os espíritos mais rebeldes do atual século XXI. E por que se tornou um clássico, transcendeu os círculos revolucionários, os regionalismos e seu tempo? Este é um fenômeno que não se pode explicar a partir apenas da genialidade de Lênin e da ligação histórica entre as idéias contidas nesta obra e os problemas candentes da época histórica atual. Neste particular, é decisivo o movimento histórico e prático que consubstancia as idéias contidas no mesmo, em última análise, a rede de homens, mulheres e jovens revolucionários que consagraram sua vida à luta revolucionária inspirados no “Que Fazer?”, entre os quais se deve destacar as figuras dos bolcheviques, sobressaindo-se Stalin.

Sem dúvida é relativamente fácil compreender porque a obra de Lênin transcendeu os círculos marxistas. Para isso, basta observar que se trata de um dos primeiros trabalhos sobre o principal instrumento da política prática: o Partido Político. Portanto, um problema que continua candente nos dias atuais não somente para os comunistas revolucionários, marxistas-leninistas, cuja leitura é uma exigência prática, mas para os próprios reacionários e intelectuais burgueses devido à crise geral da sociedade burguesa e suas instituições, mais visivelmente seus partidos políticos. Quem não escutou a freqüente desculpa para a corrupção doentia da sociedade burguesa na ausência de ética? Eis o ponto de partida de toda a obra “Que Fazer” e também o conteúdo dos matizes ideológicos que serão combatidos por Lênin nos 5 capítulos de que se compõe a obra: I – “Dogmatismo e Liberdade de Crítica”; II – “A Espontaneidade das Massas e a Consciência da Social-Democracia”; III – Política Trade-Unionista e Política Social-Democrata”; IV – “O Trabalho Artesanal dos Economicistas e a Organização dos Revolucionários”; V - “ ‘Plano’ de um Jornal Político para toda Rússia”.
Como se pode observar, o tema dos capítulos supõe conteúdos de fundo que dizem respeito à organização partidária moderna. Quem poderia deixar de reconhecer que a Ética é um problema candente nas organizações partidárias hoje? E que ela supõe as idéias filosóficas de “liberdade”, “crítica”, “dogmatismo”, “princípios” e “teoria”? Para Lênin, a solução do problema ético, que se abatia sobre o jovem movimento operário russo e a sua ainda incipiente organização partidária, estava na adoção de uma teoria revolucionária. Primeiro, porque era a forma de combater as tendências anarquistas e não-marxistas que cresciam ante o ascenso do movimento de massas e a crise do marxismo, inaugurada pelo revisionismo de direita que foi iniciado com Bernstein na Alemanha, e transladada para a Rússia através dos “Marxistas Legais” que se transformaram em Economicistas e mais tarde em mencheviques. É fato que Lênin reafirma “as teses” de Marx sobre Feuerbach, em particular a da “prática como critério de verdade”, mas ao contrário dos revisionistas, não usa esta para obscurecer e negar as “Teses” do Manifesto Comunista e a importância da luta teórica, concluindo daí que “sem teoria revolucionária não pode haver também movimento revolucionário”. Esta foi a base de princípios e plataforma sobre a qual se formou o que se chamou mais tarde Leninismo: a doutrina revolucionária do Partido de Novo Tipo, refletindo a luta entre as duas correntes históricas da social-democracia internacional, a ala oportunista (revisionista) e a ala revolucionária (bolcheviques).

Portanto é a partir desta plataforma de princípios que Lênin vai recriar a organização partidária, desmascarando a ideologia burguesa dentro do movimento revolucionário, o revisionismo ao marxismo que acompanha a guinada da social-democracia à direita, ao parlamentarismo e ao reformismo como tática para chegar à revolução, que “inexoravelmente só poderia ser burguesa e não socialista”, numa leitura oportunista da tática proposta por Marx e Engels, no Manifesto de 1848. Tendo em vista este objetivo reformista, dos “defensores do credo economicista”, sua concepção de “Liberdade de Crítica” era inserir a ideologia burguesa na organização dos operários reduzindo-a a um apêndice da burguesia. De “Espontaneidade das Massas” era cair na tese furadíssima da “Geração Espontânea”, denunciada por Plekhanov em seu trabalho “A Concepção Materialista da História”, e desarmar a classe operária de uma teoria de vanguarda, limitando-a à luta econômica e reivindicatória, sem condições, de por si só, elevar-se à luta política e revolucionária. Para Lênin, desprezar a importância do elemento consciente e revolucionário no movimento operário, como agente dinâmico da consciência de classe revolucionária, era torná-lo refém da ideologia burguesa, seja do revisionismo, ou ainda do terrorismo. Lênin afirma que o movimento de consciência de classe do proletariado é de fora para dentro e este papel cabe aos revolucionários. “A tarefa dos sociais-democratas é fundir o movimento operário de massas ao socialismo científico”.

No que tange às divergências de concepção e o delineamento do conteúdo e postura da propaganda e da agitação política, Lênin detalha os métodos e diferencia o conteúdo de cada uma das ações. Mostra que propaganda é aquela que se expõe o maior número possível de idéias a um grupo mais reduzido de pessoas; enquanto a agitação é aquele em que se pratica levando um menor número de idéias a um número maior de pessoas (eis aqui uma contribuição de proporções inimagináveis ao seu tempo para o que se chama de “propaganda” nos dias atuais e que também foi usurpada por Josef Goebbels, secretário de imprensa do Partido Nazista). Mostra o papel preciso das denúncias econômicas e políticas, concatenação estreita das palavras-de-ordem com a tática política da organização; denuncia o perigo da deformação de conteúdo da agitação e a estranha ligação entre as idéias dos economicistas, de culto à espontaneidade das massas e ao terrorismo. Lênin, ao afirmar o conteúdo da propaganda (a defesa do socialismo científico no movimento operário) e da agitação política (a denúncia do regime Tsarista e o combate pela liberdade) não somente delimitou as fronteiras ideológicas do partido, mas principalmente mostrou como a ação revolucionária como vetor da consciência revolucionária junto às massas poderiam fazer a sedição ao regime de terror e opressão dos Romanov.

O mesmo se pode extrair do capítulo dedicado “ao trabalho artesanal dos economistas e à organização dos revolucionários”. Neste capítulo fica muito claro o limite do trabalho artesanal que se reduz a especificidades locais e a organizações de massas, voltadas apenas para seus interesses imediatos, sem ligação com o movimento em seu conjunto. Além disso, dado o caráter associativo de massa, sem uma disciplina férrea e revolucionária, não é capaz de reunir forças e derrotar o tsarismo. Para Lênin, é clara a linha que separa a organização dos operários da organização dos revolucionários. Não somente pelo caráter aberto das organizações dos operários e mais amplas possíveis, quanto pela sua conduta legal e reivindicatória. Já a organização dos revolucionários deve se constituir de um número limitado e o mais restrito e conspirativo possível de revolucionários profissionais. Aqui se faz toda uma diferenciação onde o trabalho de abrangência nacional e a capacidade de comando geral do trabalho revolucionário está de acordo com a qualidade da organização e não com a quantidade. A força desta organização está na disciplina, tendo por base a teoria revolucionária, a organização e divisão do trabalho interno, segundo os princípios do centralismo. A par de tantas outras definições, neste capítulo conclui-se que não basta ser simpatizante, professor ou universitário, para ser membro do partido revolucionário; para isso é necessário uma forte preparação para a luta revolucionária.

A obra de Lênin “Que Fazer?” conclui com sua histórica tese sobre o Jornal Político para toda Rússia, como o ponto de centralidade e construção da organização de revolucionários por todo o país. Sem dúvida, neste capítulo Lênin retoma toda formulação do seu artigo “Por Onde Começar”, publicado no número 4 do ISKRA, em maio de 1901. Não somente seu conteúdo, como as críticas ao seu plano de construção de uma organização a partir de um jornal para toda a Rússia. Aqui a idéia central é que um jornal não é apenas um agitador e propagandista coletivo, mas sobretudo um organizador coletivo. Que somente a sua elaboração já é uma base material capaz de agrupar revolucionários, distribuir tarefas, centralizar informações, facilitar a comunicação entre os grupos revolucionários e construir uma organização capaz de abarcar todo o país. Que sua ramificação por todas as camadas sociais e abrangência de conteúdo poderiam unificar a ação revolucionária. Lênin fundamenta todo este plano tendo em vista as etapas práticas do trabalho de produção e distribuição de um jornal. Liga a organização interna ao trabalho de elaboração teórica e formulação tática, centralização de informações e comando geral do trabalho; liga a distribuição do jornal ao trabalho de agitação e propaganda e da insurreição revolucionária contra a fortaleza tsarista. Uma organização regida pelos princípios revolucionários do marxismo, centralismo, divisão de tarefas e a disciplina de objetivos férrea.

É claro que todos que têm acompanhado o Jornal INVERTA todos estes anos mais que ter uma noção geral sobre as idéias de organização que se derivam do Marxismo-Leninismo, em particular deste livro, agora centenário, verão que além de atual, esta obra de Lênin é uma realidade prática. Se na Rússia este fenômeno mais que real foi vitorioso, hoje no Brasil, não se faz por esperar a continuação das lutas que forjaram os bolcheviques em todo o mundo, como partes de um exército internacional combatente pela liberdade, igualdade e paz verdadeira entre os homens, nações e povos; e que só poderá vir com a revolução comunista mundial. Se a crise que atravessa o marxismo hoje nos faz repensar vários pontos da teoria revolucionária, não é menor a importância da teoria revolucionária neste momento. Para nós, continua válida esta expressão de Lênin: “Sem teoria revolucionária não pode haver também movimento revolucionário”. Mas o segredo de todo o sucesso da obra de Lênin, como se vê, não se encontra apenas em suas idéias contemporâneas da época histórica do capitalismo, em sua fase imperialista no mundo; mas sobretudo do fato deste livro tornar uma organização prática o movimento teórico iniciado por Marx e Engels, com o Manifesto Comunista de 1848. Neste caso, a luta de classes na sociedade é o elemento vivo da teoria. É como disse Marx: “a teoria quando penetra nas massas se torna uma força concreta!”. Nós, no Brasil, podemos comprovar isso.

Salve os 100 anos do “Que Fazer?”!
“Sem teoria revolucionária não pode haver também movimento revolucionário”!
Viva o Partido Comunista Marxista-Leninista!

Rio de Janeiro, 27 de novembro de 2002

P. I. Bvilla Pelo OC do PCML