Quem faz o Movimento? Entrevista com Miguel Batista

Nosso comunista histórico, Miguel Batista dos Santos, 74 anos, nasceu em Afogados/Recife. Filho do alfaiate Aurino Batista dos Santos e da doméstica Isaura Batista, é mais um dos filhos do nosso povo que se forjou enquanto herói e líder do povo brasileiro, não pela condição de rei ou príncipe, mas pelas duras condições de miséria e pela árdua luta para sobreviver, imposta pelo cruel sistema capitalista.

Nosso comunista histórico, Miguel Batista dos Santos, 74 anos, nasceu em Afogados/Recife. Filho do alfaiate Aurino Batista dos Santos e da doméstica Isaura Batista, é mais um dos filhos do nosso povo que se forjou enquanto herói e líder do povo brasileiro, não pela condição de rei ou príncipe, mas pelas duras condições de miséria e pela árdua luta para sobreviver, imposta pelo cruel sistema capitalista.

Cedo perde a mãe e toma conta dos irmãos, enquanto o pai executa as tarefas do Partido. Dos 6 aos 8 anos, já tem contato com os comunistas e já ouve falar de socialismo, revolução, Lênin, ANL e Prestes. Com 15 anos, trabalha como sapateiro.

Na década de 40, quando a tuberculose semeia o terror no Nordeste, consegue ludibriá-la. Já seus dois irmãos não têm a mesma sorte. As consequências da infecção junto com as torturas e a situação de vida difícil do seu pai são fatais, inclusive, um deles também era comunista.

Em 1941, casa-se com Noêmia Noya de Souza, mulher de um profundo sentimento de solidariedade, companheirismo e compreensão, pois durante a vida de militante do Partido do seu companheiro, mesmo sem ser do Partido, sem entender de política, aceita as atividades do marido. E quando este esteve longe, tanto no período de clandestinidade, como cumprindo tarefas revolucionárias, seguia prontamente a orientação e ajuda do Partido - muitas vezes teve que se mudar, sem saber por onde o marido andava - um exemplo foi o curso que ele fez por 2 anos na União Soviética - bravíssima companheira!

Miguel em suas recordações lembra com grande satisfação o falecido revolucionário Agliberto de Azevedo, "meu irmão esteve preso com ele”. Não nega o que fez por seu povo, acredita que a saída está na Revolução Socialista e que o M5J carrega uma bandeira que vai ajudar no trabalho da Refundação Comunista. Afirma que o trabalho do INVERTA é semelhante ao do ISKRA de Lênin, e parabeniza o coletivo que faz o Jornal e o Movimento 5 de Julho pela bravura de chegar ao nº100.

Depois de um período de recolhimento, retoma a luta e adere o Movimento 5 de Julho. Fato que muito nos orgulha, pois além de com seus erros e acertos, ser um dos acervos do nosso patrimônio histórico (que muito temos a zelar e nos mirar), é também parte integrante do terceiro 5 de Julho. Aos 13 anos de idade panfletou o Manifesto 5 de Julho de 1935, escrito por Luiz Carlos Prestes!

Salve a nossa História viva!

 

Por Osmarina Matos Portal

 

I -Como foi sua infância?

MB - Minha infância foi de muita pobreza. Justamente por causa dela, meu pai, em 1929, quando eu tinha 6 anos, viajou para Belém/Pará, procurando uma situação melhor. Chegando lá, filiou-se à Federação dos Trabalhadores.do Pará e foi recrutado para o Partido Comunista Brasileiro. Recebeu tarefas sindicais e no SVI (Socorro Vermelho Internacional), que dava ajuda aos presos e aos deportados. Assim de 8 para 10 anos, já tinha contatos com os comunistas em minha casa.

I - Como se desenvolvia as lutas naquela época?

MB - Naquela época, a conjuntura política gerava o comentário sobre a Revolução Socialista de 1917 e o nome de Lênin. A nível nacional, havia a nossa oposição a Vargas decorrente da Aliança Liberal, que era uma aliança demagógica e no fundo favorecia os donos de terras. Em 35, surge a Aliança Nacional Libertadora, que agrega todos os progressistas sobre a política de Vargas, que demonstrava simpatia com o progresso e a necessidade de mudanças no país. Nessa época, o nome de Prestes era muito comentado nas reuniões e meu pai fez parte da ANL. Com 13 anos, ajudo a panfletar o Manifesto de 5 de Julho, assinado por Luiz Carlos Prestes. Com as lutas, houve uma violenta repressão no Estado do Pará. Meu pai foi preso várias vezes e foi deportado de volta para Recife, em 1936, e já éramos 4 filhos. Lá, em Recife, começamos a trabalhar para a nossa sobrevivência. Nesta época, meu pai conseguiu contatos com membros do Partido e fomos trabalhar como sapateiro.

Em 1938, em contato com militantes dispersos, reiniciamos um trabalho por iniciativa própria, sem ter um caráter organizado, nessa época, meu irmão mais velho morre de tuberculose.

Em 39, o comentário era a II Guerra Mundial. Começamos a desenvolver um trabalho contra a guerra. Em 1940, me caso com Noêmia Noé de Souza. Até 42, passamos um período de paralisia, sem contato com o Partido.

I - Quando você ingressou no Partido?

MB - Só em 45, com a legalidade do Partido e a vitória das forças aliadas, eu com 23 anos, filiei-me ao Partido. Em 46 e 47 não tive atuação, pois estava no sanatório, curando-me de uma tuberculose pulmonar. Quando saí dela, fui convocado pela Direção do Partido em Pernambuco, que já estava novamente na ilegalidade, para ajudar na Comissão de Organização ligada ao Comitê do Estado, com a tarefa de reestruturar o Partido no interior, recuperar velhos militantes, etc. A prisão, então, começou a se intensificar.

Em 1950, o Partido lança o "Manifesto de Agosto", a repressão foi muito intensa, muitas prisões. Continuei a trabalhar na Comissão, mas ao mesmo tempo ajudava nas Campanhas do Partido para o apelo de Estocolmo. Era um apelo de caráter internacional contra a bomba atômica e o nosso Partido tinha a missão de coletar o máximo de assinaturas. Nessa época, já estávamos em plena guerra fria entre o campo socialista e o capitalista. As prisões aos que faziam esta campanha eram violentas. A repressão fazia de tudo para evitar que coletássemos assinaturas e explicássemos o conteúdo dela. Tanto é que, em 52, em frente da casa do deputado comunista Paulo Cavalcanti - o Comitê Estadual dera a incumbência que todos se dirigissem à comissão do bairro onde eu morava para dar prosseguimento as coletas de assinaturas.

I - Foi neste episódio que você sofreu a primeira prisão.

MB - Sim. Ao chegar em frente á casa do deputado, ela já estava cercada pela polícia e pelo DOPS. Reagimos e fomos presos, sofri enormes torturas e espancamentos. Fui posto em liberdade, um mês depois. Fiquei impossibilitado de continuar o trabalho na Comissão, em Recife.

I - Daí em diante você começa um intenso trabalho de organização do partido em vários estados do país. Conte-nos como foi esse trabalho.

MB - A Direção me enviou para Natal, onde passei algumas semanas. Em seguida, me mandaram a Mossoró para reestruturar o Partido, era um município longe, perto do Ceará. Em Mossoró, entrei em contato com alguns companheiros e começamos o trabalho de reorganização e ao mesmo tempo uni trabalho de solidariedade aos lavradores, era um período de seca, combatíamos a política do prefeito, do político local, com recolhimento de ajudas que vinham de fora, neste período, ainda estou convalescendo. Depois, me enviaram para Campina Grande com a mesma missão, levantar o Partido. Lá passei mais ou menos um ano, de lá fui para João Pessoa, nesta época já estava curado, e passei a ter uma participação intensa, cheguei a ser eleito para a lª Secretaria do Partido, na Paraíba. Lá, participei do IV Congresso, em 1954. Vivíamos uma intensa guerra fria. No país, existia uma repressão violenta, anti comunista.

Em 55, o Partido convocou-me para ir a Moscou, a fim de estudar, embora minha instrução escolar era de nível primário, o estudo era a nível universitário. Lá passei dois anos e alguns meses estudando filosofia, economia política, literatura, idioma russo, etc, este período foi o do vigésimo Congresso.

I - Depois de passar dois anos na Rússia estudando, você retornou ao Brasil. Como você encontrou o país e o Partido?

MB - Quando volto ao Brasil, o período é de relativa democracia. O Partido encontrava-se numa intensa luta interna, em virtude das teses levantadas no último congresso, que combatiam o culto a personalidade, o stalinismo e pregavam a coexistência pacífica entre os países socialistas e os imperialistas. Pregava-se que íamos vencer com a emulação pacífica, com isso, todos os partidos do mundo entraram em luta interna com a maioria sendo partidária das teses do Vigésimo Congresso, onde destacava-se a figura de Nikita Kruschev. Nessa época, encontro minha família em Duque de Caxias/RJ e ela está amparada pelo Partido. E juntamente com ela, fui destacado novamente para Niterói. Lá o Partido encontrava-se na luta interna, onde uma grande parte não aceitava as teses do Vigésimo Congresso, a começar pelo camarada Prestes, Giocondo Dias e outros. Vencemos na Conferência de Niterói e do Estado do Rio.

I - Como você se saiu em Moscou?

MB - Com dificuldade no entendimento do idioma russo e a tradução em espanhol. Você já pode imaginar que para uma pessoa que veio do Nordeste com o ensino primário, as dificuldades eram grandes. Não tinha noção do que iria estudar, não sabia o significado da filosofia. Graças a ajuda de companheiros que estavam lá como monitores dos camaradas mais atrasados, com a ajuda de Apolônio de Carvalho, cheguei a tirar 5 em Filosofia, que era a nota máxima. O critério para ir ao curso não era o nível escolar e sim sua qualidade, dedicação, capacidade como quadro.

I - Vocês venceram a luta interna no V Congresso.

MB - Sim. Em 1960, participei do V Congresso do Partido Comunista, saímos vitoriosos e elegemos o Comitê, do qual fiz parte e fui secretário político. Neste Congresso estavam: Mariguela, Mário Alves, Apolônio de Carvalho, Prestes. Nesta época, a situação política era estável, a repressão se reestruturou e teve o apoio da classe média. Estávamos ligados a João Goulart e eu estava também na Direção do Partido no Estado do Rio.

I - Como você vivenciou o golpe militar de 1964 e os anos de terror que se seguiram com a ditadura?

MB - Em 63, a situação era muito séria no país e veio o golpe militar, em 31 de março de 1964, a ditadura da classe burguesa imperialista, com apoio da maioria dos militares. Não tivemos condições de reação militar, embora contássemos com apoio dos trabalhadores, pois tínhamos uma boa influência nos sindicatos, inclusive, dos lavradores, homens como o Pureza, Manuel Ferreira de Lima. Do ponto de vista das armas, não tínhamos nada, isso nos causou uma brutal situação de perplexidade. O dispositivo que tínhamos contado, o nosso aliado João Goulart, não funcionou, com isso fomos derrotados. O Comitê do Estado foi disperso, uns fugiram e muitos foram presos. Escapei e fiquei na clandestinidade no próprio Estado, sempre mudando de município para município. Nessa época, Apolônio de Carvalho veio nos ajudar e começamos a fazer o trabalho de recuperação, reaglutinação e recrutamento, visando recompor a organização do Partido no Estado, tarefa muito difícil, pois a luta interna continuava, pois a maioria do Comitê Central, inclusive, com Prestes à frente, continuava ainda com a política de conciliação com a chamada burguesia nacional. Nós optamos por uma resistência mais séria: a saída armada contra os golpistas. Em 66, no VI Congresso, não participamos, pois fomos vários expulsos por divergência da maioria que saiu do V Congresso: Mariguela, Jacob Gorender, mas continuamos com a direção do trabalho no Estado do Rio, conseguimos estabelecer um Comitê Central, menor.

Em 67, 68 e 69, a situação da militância política dos comunistas tomou variadas formas, formaram-se vários agrupamentos, enveredando para a guerrilha urbana e rural.

Surgiram várias trilhas, a mais importante foi a do Mariguela, em São Paulo, ALN, VPR, MR-8, Palmares, PCBR, esta que eu fazia parte, tentando dar um sentido de partido, sendo bastante influenciado pelo teórico francês Régis Debret. Em 69, morre Mariguela, assassinado, e a situação começa a se complicar. Sou preso no Rio de Janeiro. No início de janeiro, Apolônio já tinha sido preso. Passei três anos na prisão, recebendo todo tipo de tortura pelos presídios que passei, como em Ilha das Flores, um presídio militar, e Ilha Grande. Em 73, fui libertado, porque fui enquadrado na parte de organização, enquanto outros companheiros chegaram a cumprir de 6 a 7 anos.

Em 74, continua a repressão e eles perseguem os membros da Direção do Partido, inclusive, aqueles que chamávamos de posição de direita.

Em 75,76 e 77, me mantive na posição de semi clandestinidade, porque poderia, por ter sido membro da Direção, ser eliminado, pois era o que eles estavam fazendo.

Em 1979, dou uma tímida ajuda na campanha de anistia.

I - Com a abertura e o retomo dos exilados, o que você fez?

MB - Em 80, com a volta dos exilados, continua a crise no Partido, quando surge a Carta aos Comunistas do camarada Prestes, que teve uma grande repercussão, eu mesmo me tomei bastante simpático, na qual Prestes faz uma autocrítica. Já em 1982, com o clima de legalidade, passei a militar no Partido dos Trabalhadores, em São Gonçalo - de 82 a 84 tanto que não participei da campanha do camarada que hoje está no 5 de Julho, Afonso Celso Nogueira Monteiro, pois ele estava em outra organização política. Depois me afasto do PT por divergências.

Em 84, aderi ao Movimento de Reconstrução do Partido Comunista, que dele participavam honrosos companheiros: Afonso Celso, Osório Guimarães, etc. Neste grupo tive uma boa experiência política de solidariedade e de democracia interna. Mas era uma organização que colocava como centro da luta a questão eleitoral. Este movimento se auto dissolveu, no início da década de 90.

I - Como você está vendo a conjuntura nacional?

MB - Temos um governo de traição nacional, a serviço do FMI, que aplica uma política neoliberal. Está vendendo as nossas empresas rentáveis: Vale do Rio Doce , Petrobras. engana a todos, sempre cínico, sorrindo, agindo como ditador mascarado. Através da corrupção, detém a maioria esmagadora no Congresso (caso inédito no Brasil). Não tem oposição organizada frente a esta grave situação. A nossa forma de luta tem que mudar, não pode ter um caráter meramente eleitoral, temos que impulsionar a luta dos sem-terra, sei que ela tem muitas restrições. Nossa forma de luta tem que ser mais objetiva e concreta. A situação do ponto de vista marxista-leninista continua com as mesmas contradições que são próprias do imperialismo, embora deformas diferentes. Essas contradições trarão inevitavelmente o choque e isso servirá à posição do nosso Movimento 5 de Julho, pois concordo plenamente que devemos fazer agitação, denúncia e organizar as massas e sair da posição eleitoral. Com o aguçamento das lutas, a minha posição é que a saída é mesmo para o Socialismo.

I - O que fazer para atingir este objetivo?

MB - Ao mesmo tempo que se toca a luta nas frentes contra neoliberalismo, paralelamente temos que intensificar a luta para a reestruturação do instrumento, ou seja, o Partido, que represente os anseios da classe operária, reconhecida historicamente como dirigente da luta revolucionária. Seria no caso a Refundação do Partido Comunista baseado nos princípios marxistas-leninistas com o objetivo de construir o Socialismo.

I- E a situação no mundo?

MB - que vejo é que o neoliberalismo, hoje hegemonizado pelo imperialismo americano, e também a Alemanha intensificam sua politica visando isolar Cuba e os países que tem a bandeira do Socialismo, como Coréia do Norte, Vietnã, China. Não é por acaso que eles estão nas instalações das bases da OTAN nos países do Leste Europeu, pois eles já compreendem que com a crise inter imperialista poderá acontecer insurreições em países da própria União Soviética e as outras contradições inter imperialistas tendem a se agravar.

I - Toda essa trajetória do Partido valeu a pena?

MB - Quero dizer que não me arrependo de nada. Comecei a atuar desde criança, passei por muitas torturas, considero-me um marxista-leninista. Tive momentos de vacilação, na queda União Soviética, passei uns anos na passividade, mas rapidamente me reavivou a chama revolucionária quando conheci os companheiros do 5 de Julho, o Movimento me animou, sinto que realmente existe uma quantidade crescente de jovens que estão se propondo a levar a bandeira que eu carreguei desde criança e que não me arrependo, mesmo nas horas de tortura, mortes. Hoje conto com a compreensão da minha companheira que foi um baluarte. Quero prosseguir na luta, quero permanecer no 5 de Julho, sem nenhuma imposição, é uma decisão livre obedecendo a democracia interna e ajudando na medida do possível, devido ao meu estado de saúde e a minha idade. Já me considero filiado ao Movimento 5 de Julho, é uma grande iniciativa, estou de acordo com as teses e as resoluções do Congresso.

I - Neste INVERTA nº 100, deixe uma mensagem.

MB - Para que possamos avançar em nosso Manifesto, é fundamental o Jornal, como foi o Iskra de Lênin. O instrumento precioso que vai ajudar no fator de organização, no recrutamento e na defesa dos princípios leninistas de organização, principalmente, quanto à democracia interna. Nossa organização não pode relegar esses princípios. O Jornal deve ser o centro, o instrumento principal que podemos nos apegar no momento.

Todos sabem das dificuldades financeiras e de encontrar pessoas preparadas para esta tarefa. Já é um grande acontecimento a publicação do centésimo número do Jornal INVERTA. Cabe a nós, filiados, simpatizantes do Movimento 5 de Julho promovermos a mais ampla distribuição e venda do nosso jornal. A posição está correta, acompanhando a conjuntura nacional e internacional passo a passo com os fatos. Portanto, eu, Miguel Batista, um velho militante comunista, parabenizo os que fazem o Jornal INVERTA e portanto, só podemos dar:

Viva o 5 de Julho! Viva o Povo Brasileiro! Viva o Socialismo!

Jornal Inverta nº 100 - 26/03 a 17/04/1997