Pandemia, uma nova ordem social e econômica!

É segunda-feira, 13 de janeiro em Wuhan. Acordei tarde, meu irmão de 14 anos não passou bem a noite, estava tossindo e com dificuldades para respirar, a febre não baixou de 38, e tenho que chegar à fábrica de automóveis onde trabalho; meu vizinho que trabalha em um laboratório farmacêutico me fala dos rumores de que há um tipo de gripe nova que é bastante perigosa e que devemos levá-lo ao hospital. Apenas alguns dias se passaram, todos nós estamos doentes em casa, minha mãe, meu irmão e eu, alguns vizinhos também estão doentes.

É segunda-feira, 13 de janeiro em Wuhan. Acordei tarde, meu irmão de 14 anos não passou bem a noite, estava tossindo e com dificuldades para respirar, a febre não baixou de 38, e tenho que chegar à fábrica de automóveis onde trabalho; meu vizinho que trabalha em um laboratório farmacêutico me fala dos rumores de que há um tipo de gripe nova que é bastante perigosa e que devemos levá-lo ao hospital. Apenas alguns dias se passaram, todos nós estamos doentes em casa, minha mãe, meu irmão e eu, alguns vizinhos também estão doentes. Começaram a construção de um hospital na cidade para atender centenas de casos que se somam todos os dias. É 23 de janeiro e o governo decretou quarentena, conseguimos um pouco de arroz e macarrão, o governo não especifica quanto tempo durará o isolamento, as farmácias têm filas gigantescas onde vendem máscaras, e fomos transferidos para o hospital que acabaram de construir. A cidade de 13 milhões de habitantes, que possui um terço de investimento francês na China, está parada, as fábricas, o comércio, transporte, educação. Apenas médicos, enfermeiros e funcionários de limpeza e dos hospitais estão trabalhando.

É sábado, 21 de fevereiro, na Lombardia. Ouvi no noticiário que existem 16 casos confirmados de COVID-19 na cidade, e escuta-se dizer que os casos aumentarão. Vou à farmácia para tentar comprar uma máscara, as filas são enormes, as pessoas tentam entrar empurrando, vejo pela janela que duas pessoas brigam por um pacote de gaze, decido voltar mais tarde e vou ao supermercado mais próximo, a situação não é diferente, a fila de pessoas tentando pegar qualquer saco de comida é interminável, depois de horas, empurrando, gritando e mais, chego ao meu apartamento com uma máscara, uma garrafa de álcool, 2 pacotes de macarrão, um pouco de chouriço e um pedaço de pão. Ligo a televisão e vejo que a situação era semelhante em toda a cidade: milhares de pessoas, muitas pessoas assustadas saíram em busca de suprimentos. Eu pensei que a quarentena na cidade começaria imediatamente, no entanto, os dias continuaram a passar com uma parte diária dada pelas notícias em que são relatados os números de novos casos e mortes. Hoje é terça-feira, 10 de março, e ontem finalmente foi decretada a quarentena para a minha cidade, no domingo 133 pessoas morreram elevando o número para 463. Pergunto-me se a medida de isolamento não deveria ter se dado antes e impedir a propagação do vírus, também me pergunto se a medida não deveria ser estendida a todo o país.

É quarta-feira, 11 de março, estamos ancorados a 40 km de Grand Bahamas no cruzeiro MS Braemar, tenho 72 anos, trabalhei toda a minha vida na Jaguar Land Rovers como operário, concederam minha aposentaria há dois meses e comprei a passagem para esta viagem, conhecer o Caribe era o meu sonho, nunca imaginei ao embarcar tudo o que aconteceria em alto-mar, quase 15 dias se passaram esperando para que autorizem nosso desembarque, no navio há 5 pessoas que deram positivo para o coronavírus, todos estamos muito assustados, somos mais de 1.000 pessoas, a situação é cada vez mais preocupante, um dos doentes está em condição bastante grave, a febre está muito alta e tem cada vez mais dificuldades para respirar, a tripulação não está preparada para enfrentar essa situação, nenhum porto no Caribe quer permitir nosso desembarque. É 16 de março e hoje finalmente pisaremos em terra firme, Cuba autorizou o desembarque do navio, depois de vários dias o governo cubano nos permitirá desembarcar e atenderá os casos mais graves. Não pensei em conhecer o berço da revolução das Américas nessas circunstâncias.

Sábado, 7 de março, amanheceu frio em Buenos Aires, ouço rádio enquanto vou ao remix que acabam de confirmar o primeiro caso de COVID-19, há muito trânsito na rua, então decido sair do remix e caminhar por Boedo ao 800 para chegar ao chinês e fazer uma pequena compra, quando chego ao local vejo como várias pessoas estão querendo bater na dona da loja que é de algum país da Ásia; entre alguns, gritamos e tentamos conter a multidão de pessoas que a agridem, a polícia chega e dispersa as pessoas, a senhora que espancaram é Mei Chag, que vive na Argentina há 25 anos e tem seu negócio há 24. Entre vários vizinhos, a socorremos e levamos ao hospital para ser atendida.

Os relatos apresentados são uma mostra da grave crise de saúde que o mundo está vivendo, o coronavírus ou a COVID-19 revela vários elementos que nos permitem analisar a resposta que o capital tem tido acerca da doença, uma grande discussão ocorre nas redes e entre os especialistas que falam que a doença é uma pandemia, há aqueles que a chamam de epidemia, mas, epidemia ou pandemia, a doença já custou ao mundo 184.643 mortes, 2.658.062 infectados e 187 países que já têm a doença, e com o passar dos dias os números(*) seguem aumentando.

O tratamento da mídia em relação ao assunto evidencia, por um lado, que as empresas de comunicação privilegiam o dinheiro e seu lucro sobre a gravidade da doença, manchetes como: “Coronavírus: o colapso da economia chinesa pelo coronavírus (e por que é uma 'grande ameaça' para o mundo)”, da BBC; “Pânico leva mercado de ações à queda livre: Ibex desmorona 14,06%, o maior baque de sua história”, El Pais; entre muitas manchetes enfocam o problema de uma economia mundial que já estava em crise antes do vírus, sem dúvida o objetivo (propósito) das empresas, incluindo as empresas de comunicação, é obter maiores lucros vendendo as melhores manchetes, existem muito poucos meios de comunicação que abordam o problema de fundo sobre doença, o vírus evidencia a profunda decadência dos diferentes sistemas de saúde, sejam estes públicos, privados ou mistos, que atualmente está custando a vida de mais seres humanos; e, por outro lado, as grandes empresas de comunicação defendem os interesses e as decisões dos grandes grupos econômicos em relação ao coronavírus, lemos e ouvimos opiniões de "especialistas" dizendo que as medidas adotadas pela China eram para ter controle social, minimizando o problema e defendendo o interesse do mercado de não interromper a produção, distribuição e o consumo no mundo.

A pandemia que o mundo está enfrentando hoje colocou à prova a capacidade do sistema de responder plenamente às consequências sociais e de saúde de uma situação que, como essa, era previsível, o sistema falhou, até mesmo Hollywood (Contagion 2011) mostrou cenários semelhantes, a ficção se tornou realidade, porém, os desdobramentos de Hollywood são distintos, o coronavírus já ultrapassa o número de leitos nos sistemas de saúde europeus como Espanha e Itália, onde a decisão de quem vive ou quem morre recai sobre o profissional de saúde que tem que decidir a quem dá um leito em terapia intensiva e quem envia para morrer em casa ou em uma cama itinerante, o vírus mostra como a indústria farmacêutica sequestrou e especulou com insumos essenciais para enfrentar a crise, luvas de látex, máscaras, medicamentos, álcool, antibacterianos, etc.

É bastante paradoxal que muitos dos sistemas de saúde que receberam a colaboração do Estado cubano nessa matéria, logo que os governos de direita se reuniram expulsaram as missões, todavia, esses mesmos Estados e outros apelam agora ao sentido humanitário de um país que, apesar de sofrer um bloqueio econômico, garantiu um sistema de saúde reconhecido como um dos melhores do mundo, investiu no desenvolvimento de medicamentos que hoje permitem o controle efetivo do vírus, privilegiando a vida humana sobre os monopólios das empresas farmacêuticas e que hoje vem em auxílio daqueles que solicitam sua assistência.

A doença também evidencia a imposição nas decisões dos Estados das famílias mais poderosas que defendem seus lucros a todo custo. Vemos, por exemplo, como os países europeus não tomaram a decisão de interromper a produção e decretar quarentena aos seus cidadãos, priorizando a necessidade do mercado para continuar vendendo. Na Itália, essa decisão custou 25.085 vidas, em um único dia houve 793 mortes como resultado da COVID-19, um país que nos últimos 2 anos reduziu US$ 37 bilhões do sistema de saúde por recomendação do FMI, em contraste com a China, que decretou uma quarentena draconiana, construiu um hospital em 10 dias e hoje conseguiu controlar e diminuir os casos de pacientes com COVID.

O lucro obtido pelas grandes empresas que impuseram e impõem o não fechamento das fábricas utiliza os representantes do neoliberalismo, agora "keinesianos", que pedem em voz alta um auxílio estatal para resgatar as economias já em crise antes do coronavírus, não podemos esquecer que a economia mundial e também a de pequena escala, representada em uma única empresa, funcionam apenas quando há produção, distribuição e consumo, devolvendo finalmente o dinheiro aos proprietários das empresas; não devemos esquecer tampouco que a produção só pode se dar pelo trabalho concreto de homens e mulheres (mão de obra), portanto, a decisão de declarar as quarentenas generalizadas no mundo foi tomada de forma gradual e hesitante, se não há trabalhadores para produzir, não há mercadorias para distribuir e vender, porém, ainda mais grave, existe um grande segmento da população, ou seja, vendedores informais, comerciantes, sem-teto e até mendigos que “mal vivem do diário”, que não terão nenhum tipo de renda, para este segmento da população isso é tão grave quanto a doença, pois não têm dinheiro que lhes permita sobreviver à quarentena e ao toque de recolher, e o que preocupa o mercado em relação a esse segmento da população é que o consumo diminuirá, contraindo ainda mais a economia. O papel do Estado diante desta problemática é nulo, não existe nem sequer o contempla em seus planos, nas intervenções televisionadas dos governantes mundiais, com poucas exceções, fazem alusão a esse segmento da população. A política estatal deveria contemplar abrigos, refeitórios e seguros que permitam a esse segmento da população sobreviver à pandemia. Se os governos não adotarem esse tipo de política, aqueles que sobreviverem à pandemia, algum tempo depois, morreremos pelas consequências sociais que dela derivam.

As decisões dos Estados de decretar quarentenas, embora tardias, começaram a consolidar a mudança nas relações de produção, e parar a produção para o Capital é inaceitável, razão pela qual em meio à quarentena as políticas públicas tem incentivado, e em alguns casos obrigado, o teletrabalho e as tarefas estudantis via Internet, que em termos práticos representam uma redução de custos para as grandes empresas e para o setor de educação pública, entre outros, custos que serão assumidos pelos trabalhadores temendo ser demitidos e pais angustiados com a continuidade da educação de seus filhos, tudo isso implica internet em suas casas, telefones celulares à disposição das empresas e computadores, plataformas de educação virtual, tudo isto com a consequente diminuição da qualidade da educação e a pauperização das condições e dos direitos de associação sindical que defende e luta por melhores condições trabalhistas. O que significa que os movimentos de resistência serão afetados a médio prazo, e nisso também influirá os “necessários” e mal planejados toques de recolher, que, pela maneira como vem sendo implantados, parecem aprofundar muito mais o controle social que isolar o vírus.

Agora vejamos: como foi explicado, a pandemia de Covid-19 tem exposto os interesses do capital e das famílias mais poderosas, colocando o lucro acima da vida humana... (o capital mercantiliza a vida ou a destrói), no entanto, a decisão da China de estabelecer uma quarentena draconiana, mesmo em detrimento de seu próprio aparato produtivo, acabou mudando as regras do jogo, a China chutou o tabuleiro, pois, ao mesmo tempo que interrompeu a produção, investiu grande capital na construção de hospitais, também acelerou o projeto que já havia iniciado há alguns anos em função da mudança para um novo modelo de produção de energias limpas. Além disso, implantou a política de recuperação em massa de florestas. Embora essa decisão da China fosse de caráter humanitário, teve suas implicações econômicas, primeiro ao parar a produção e reduzir as operações portuárias demonstrou que sua economia é a que rege as economias mundiais, diminuindo o consumo de bens na China e cortando a distribuição e venda de produtos chineses consumidos no mundo. Em segundo lugar, o ritmo de recuperação dos mercados mundiais será determinado pela retomada da economia chinesa a partir de agora. Para dar apenas um exemplo, a China baixou imediatamente o consumo de petróleo e o preço do barril caiu para 30 dólares.

A pandemia está se espalhando por todo o mundo. Hoje, os números nos Estados Unidos são assustadores, 855.869 casos de infecção, o Brasil tem 46.195 casos e 2.924 mortos, e os governantes mundiais continuam ignorando a necessidade de declarar quarentenas totais e emitir políticas econômicas que permitam aos mais pobres sobreviverem à crise, vemos com o passar dos dias que os sistemas de saúde não dão conta e que a vida continua sendo privada pelo capital e sua lógica de acumulação.

(*) Números atualizados em 23/04/2020.

Ulrika Borges