Distribuindo comida, vivendo com fome: a greve dos invisíveis
Nos últimos três meses, a categoria dos entregadores de aplicativo voltou às ruas para reivindicar o básico: melhores condições de trabalho e o direito de se alimentar dignamente. A greve nacional ocorrida em 1º de abril de 2025 — organizada de forma autônoma pelas redes de entregadores — evidenciou a crescente dependência social desses serviços e o descaso das empresas com quem realiza o trabalho de entrega. Em 25 de abril, foi realizada uma audiência pública liderada pelo deputado federal Guilherme Boulos (PSOL-SP), onde representantes da categoria relataram casos de fome, acidentes sem cobertura, bloqueios indevidos e jornadas de trabalho superiores a 12 horas diárias.
Esse cenário foi amplamente confirmado pelo relatório Entregas da Fome (UFRJ/INJC, 2025), que analisou a insegurança alimentar entre trabalhadores das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro. O levantamento mostra que 13,5% desses trabalhadores vivem em domicílios em situação de insegurança alimentar moderada ou grave — ou seja, onde há fome. Isso em um grupo que, ironicamente, trabalha distribuindo comida.
Enquanto o iFood exerce um monopólio com mais de 80% de participação no mercado brasileiro (de acordo com a Measurable AI, empresa especializada em pesquisa de dados através do comportamento do consumidor on-line) e amplia sua base de usuários, a concentração do setor e a ausência de regulação consolidam a lógica da precarização. Mesmo com o recente reajuste de R$ 0,50 (R$ 7,00 para bicicleta, R$ 7,50 para moto) por entrega, o impacto real para os trabalhadores é limitado — ainda mais considerando que o ajuste anterior ocorreu em 2023. Como mostra o relatório, a maioria dos entregadores tem uma renda mensal per capita inferior a um salário mínimo (69,3%).
Diante desse cenário, a pauta de luta dos trabalhadores é invisibilizada na grande mídia por notícias da chegada de gigantes mundiais da área de entrega. A Meituan, empresa chinesa, anunciou o lançamento de seu serviço no Brasil, por meio do aplicativo Keeta, a partir do segundo semestre de 2025. Já a 99 anunciou a volta do seu aplicativo de delivery, com investimento de um bilhão de reais e benefícios para estabelecimentos cadastrados.
Jô de Aquino